Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, no dia 11 de agosto, das comemorações pela criação dos cursos jurídicos no Brasil.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Transcurso, no dia 11 de agosto, das comemorações pela criação dos cursos jurídicos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2007 - Página 27521
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CURSO JURIDICO, BRASIL, ANALISE, VINCULAÇÃO, ESTADO DE DIREITO, SOBERANIA NACIONAL, REGISTRO, HISTORIA, IMPERIO, CURSO SUPERIOR, DIREITO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PREPARAÇÃO, LIDERANÇA, CLASSE POLITICA.
  • APREENSÃO, GLOBALIZAÇÃO, ATUALIDADE, EFEITO, ALTERAÇÃO, EXERCICIO PROFISSIONAL, DIREITO, PRIORIDADE, MERCADO, CONSUMO, DESVALORIZAÇÃO, ETICA, ANALISE, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL, ANTAGONISMO, JUSTIÇA, PODER DE POLICIA, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL.
  • CONCLAMAÇÃO, ADVOGADO, DEFESA, DIREITO, LIBERDADE, SOBERANIA, JUSTIÇA, COMBATE, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, REFORÇO, DEFENSORIA PUBLICA, CIDADANIA, HOMENAGEM, JURISTA, PERSONAGEM ILUSTRE.

O SR. PEDRO SIMON (PSDB - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 11 de agosto, o Brasil comemora a criação dos cursos jurídicos e a advocacia. Poderia ser, na verdade, a celebração da nossa independência. Ou, mais ainda, da nossa soberania. É que não há país independente, nem soberano, se ele não domina o saber e não vive um Estado de Direito. Se ele não acumula o conhecimento sobre si próprio e não possui auto-determinação para escolher os melhores caminhos para o seu povo enquanto nação livre e democrática.

Até a criação dos cursos jurídicos, em 1827, o saber do país era moldado nas terras de além-mar, embora a independência, em 1822, e a promulgação de uma nova Constituição, em 1824. De pouco adiantava, portanto, o grito do Ipiranga e uma Assembléia Constituinte, se as nossas melhores inteligências, que passaram a conduzir os destinos nacionais, eram moldadas por ideologias e interesses exógenos, notadamente da metrópole da qual, cinco anos antes, havíamos nos libertado. Era preciso criar um pensamento genuinamente brasileiro para que a liberdade formal se transmutasse em soberania real.

Essa é, para mim, a maiúscula importância de comemorarmos o 11 de agosto de 1827. Foi nesta data que o Brasil passou a construir, efetivamente, um Estado Nacional. Era preciso construir o nosso aparato institucional sem o viés da metrópole e segundo os interesses da nação que emergia, independente. As nossas melhores cabeças, que atravessavam o oceano, para estudar, principalmente em Coimbra, passaram a ter, a partir de 11 de agosto de 1827, São Paulo e Olinda como centro do saber jurídico. Mais do que isso: naqueles tempos à ciência jurídica se somavam a filosofia e a ciência política.

Deixo para os historiadores o relato dos caminhos que trilhamos desde aqueles tempos. Sei que foram espinhosos e sei dos tamanhos desvios, quando o direito sofreu profundos e dolorosos solavancos. Ditaduras, torturas, calabouços, em nome do poder. Sangue, suor e morte, em nome da liberdade. Muitos foram os defensores da lei e da democracia que tombaram, nestes quase dois séculos de história. A todos eles, o reconhecimento dessa mesma história. São mártires do direito e da liberdade.

Eu não poderia deixar, entretanto, de fincar as minhas inquietações no presente estágio da nossa história. Não me refiro à proliferação desenfreada de cursos de direito, que mancham a qualidade do aprendizado dos novos alunos. É que, mais uma vez, o pensamento exógeno tem ditado normas e procedimentos para uma realidade que é nossa. Mudaram-se as metrópoles, mas, ainda assim, o conhecimento é encurralado para um pensamento único, ditado pelos grandes mercados que, mais uma vez, tende a arranhar a nossa liberdade e a nossa soberania.

Há uma nova constituição, tácita, no mundo atual, e a Assembléia Constituinte não é, genuinamente, nacional: é a globalização. Uma constituição que não é laica, porque prega, como condição, uma nova espécie de religião: o consumismo. As leis mais importantes dessa constituição e dessa religião são as leis do mercado.

Esse mercado criou dois Brasis, dois mundos separados por um grande muro da vergonha. De um lado, os que têm acesso a bens e serviços. São os incluídos. De outro, os que vivem, ou sobrevivem, das migalhas e das políticas compensatórias. São os excluídos. O passaporte para transpor esse grande muro, não raras vezes, se materializa na violência e na barbárie.

Nestes dois Brasis, há uma economia e uma sociologia a latere. Mas, o que é pior: um Direito a latere. Um Estado paralelo, no vácuo do estado legal. Um estado marginal que propicia os serviços sociais, na ausência do estado legal. Mas, que cobra, mesmo de quem paga, direta ou indiretamente, os devidos impostos, um custo elevado, que pode ser a própria vida. Um Estado que não discute, nem vota, a pena de morte: aplica-a, implacavelmente. 

O Direito é diferente, também, nos dois lados do muro da vergonha: de um lado, a justiça; do outro, a polícia. Não há o que comemorar, portanto, se atravessarmos os limites teóricos do direito, enquanto o rico, embora a corrupção, tem as leis aplicadas a seu favor, e o pobre, embora a fome, tem-nas nos limites mais draconianos. O pobre, a polícia alcança. Para o rico, a justiça descansa.

Neste quadro, eu acho que, mais que uma comemoração, é hora de luta. Mais uma vez, os defensores do direito, da liberdade e da soberania são chamados a construir a história. O Direito, agora separado pela cátedra da Filosofia e da Ciência Política, tem, novamente que somar esforços, não só com essas disciplinas, mas com a economia, a sociologia, a antropologia. Não há que se dividir a compreensão que se tem de todos os brasileiros, enquanto cidadãos e seres humanos.

O mercado privilegia a Economia. Há que se comprar, não importa se milhões sobrevivem do restolho. Não importa, não raras vezes, o Direito. E, é aí que, novamente, temos que reconstituir a nossa história. Há 180 anos, substituímos as receitas da metrópole, por um saber nacional, independente. Hoje, o saber nacional, novamente, se submete a um mercado que não respeita limites geográficos. E que se pauta pelos humores do mercado. É preciso que o direito volte a ditar o rumo da nossa história.

É preciso um combate, sem trégua, à impunidade. Principalmente dos brasileiros que se utilizam do passaporte da corrupção. Não é concebível que as leis, que são votadas e aprovadas neste Congresso Nacional, sejam aplicadas, se punitivas, somente para os excluídos; se indulgentes, somente para os incluídos. Como elaborar novas leis, e ensiná-las aos novos alunos dos cursos de Direito se, para aplicá-las, tem-se que perguntar: para quem? A partir de que interesses?

É preciso, também, que a lei não tenha preço. Principalmente, se esse mesmo preço equivaler à remuneração do advogado. O honorário advocatício não pode ser o cimento, ou o tijolo, do muro da vergonha. No Título dos Direitos e das Garantias Fundamentais, a Constituição Brasileira determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Mas, a realidade mostra que a lei é aplicada de forma distinta se o que a infringiu tem ou não o recurso financeiro estipulado pelo melhor advogado.

Pela Constituição Brasileira, no seu artigo 133, “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Portanto, se “todos são iguais, perante a lei”, os serviços advocatícios são indispensáveis para todos os brasileiros, sem distinção, inclusive, da qualidade da defesa dos direitos do cidadão. É por isso que, nesta data comemorativa, julgo um dever o nosso reconhecimento especial à Defensoria Pública. É o verdadeiro sacerdócio dos defensores públicos que impede, ainda mais, a extensão e a rigidez do tal muro da vergonha.

O 11 de agosto, mais que uma comemoração, é um dia de convocação. Mais uma vez, os defensores do direito são chamados a resgatar, para todos os brasileiros, a verdadeira concepção de cidadania, e para o País, o sentimento de soberania. O cidadão brasileiro tem que ser definido como um ser, e não pelo ter. O País tem que ser soberano, para definir os seus destinos, como nação independente.

Temos muitos exemplos a mirar. Talvez pudesse sintetizá-los na figura de Ruy Barbosa, que acompanha e vigia os nossos passos neste Plenário. Mas, não há como deixar de citar Sobral Pinto, Raymundo Faoro, Evandro Lins e Silva, Nelson Hungria, Joaquim Nabuco, Paulo Brossard, entre tantos outros, nomes que significam, para a nossa História, Justiça, Cidadania, Democracia, Soberania. Direito, enfim.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2007 - Página 27521