Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão do apagão aéreo e da falta de investimentos do governo em segurança no setor aéreo. Manifestação de solidariedade aos familiares do Deputado Júlio Redecker, vitimado no acidente da TAM.

Autor
Marconi Perillo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Marconi Ferreira Perillo Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a questão do apagão aéreo e da falta de investimentos do governo em segurança no setor aéreo. Manifestação de solidariedade aos familiares do Deputado Júlio Redecker, vitimado no acidente da TAM.
Aparteantes
Delcídio do Amaral, Eduardo Azeredo, João Tenório.
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/2007 - Página 27764
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DEPUTADO FEDERAL, LIDER, MINORIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ELOGIO, VIDA PUBLICA, SOLIDARIEDADE, FAMILIA.
  • ANALISE, COMPARAÇÃO, ACIDENTE AERONAUTICO, REGIÃO AMAZONICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, SEGURANÇA, AERONAVE, AEROPORTO, COBRANÇA, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TRANSPORTE AEREO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • COMPARAÇÃO, SEGURANÇA, AEROPORTO, PAIS ESTRANGEIRO, COBRANÇA, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, PROTEÇÃO, EMERGENCIA, DENUNCIA, NEGLIGENCIA, AGENCIA NACIONAL, AVIAÇÃO CIVIL, AERONAUTICA, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, DESPREPARO, TECNICO, PRESIDENTE, AGENCIA NACIONAL, AVIAÇÃO CIVIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, NEGLIGENCIA, EMPRESA, FABRICAÇÃO, AERONAVE.
  • DEFESA, REFORÇO, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, ESCOLHA, QUALIFICAÇÃO, TECNICO.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, SENADO, PARTICIPAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA DEFESA, PRESIDENTE, AGENCIA NACIONAL, AVIAÇÃO CIVIL, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO), DEBATE, SITUAÇÃO, CRISE, TRANSPORTE AEREO.
  • QUESTIONAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, RESPONSABILIDADE, ACIDENTE AERONAUTICO, APOIO, ESCOLHA, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA DEFESA, COBRANÇA, VERBA, TRANSPORTE AEREO.
  • CRITICA, DESVIO, VERBA, CORRUPÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO), IRREGULARIDADE, LICITAÇÃO, SUPERFATURAMENTO.

            O SR. MARCONI PERILLO (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou tratar de um tema que tem sido muito caro para os cidadãos brasileiros, sobretudo nos últimos meses, e diz respeito ao apagão aéreo. Há muitos apagões no Brasil, sobretudo na infra-estrutura: o apagão portuário, o apagão aeroportuário, o apagão ferroviário, o apagão rodoviário, mas eu gostaria de falar um pouco hoje sobre o apagão aéreo.

            Preliminarmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de render aqui a minha homenagem e a minha solidariedade a todos os familiares do nosso querido e saudoso Líder da Minoria na Câmara, Deputado Júlio Redecker.

            Quando cheguei à Câmara, em 1995, chegava também o Deputado Júlio Redecker de uma linhagem extremamente sólida no Rio Grande do Sul. Empresário, jovem, talentoso, inteligente, preparado para a função parlamentar, idealista, convicto em relação às idéias que defendia. Foi, certamente, um dos maiores ícones e um dos maiores responsáveis pela criação da CPI do Apagão Aéreo na Câmara. Júlio Redecker verberou e reverberou com muita firmeza a favor da CPI do Apagão Aéreo. Ele próprio foi aos aeroportos coletar assinaturas de populares e usurários do transporte aéreo para dar força ao pedido de CPI na Câmara. De modo que, por ironia do destino, quis Deus que o Deputado Julio Redecker fosse vítima do apagão aéreo, justamente um tema ao qual ele tanto se dedicava nos últimos dias de sua vida. Então, fica aqui a minha homenagem póstuma ao nosso Líder Julio Redecker, que com certeza ainda teria muito a acrescentar ao Brasil e ao Rio Grande do Sul. Eu não tenho dúvida de que Julio Redecker seria, brevemente, Senador da República e Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Enfim, ele tinha todo um futuro pela frente e sua vida foi ceifada com pouco mais de cinqüenta anos de idade naquele trágico acidente com o avião da TAM.

            Então, nas preliminares, Sr. Presidente, eu quero - creio que falo em nome de todos os Parlamentares do PSDB - homenagear esse grande líder de convicções sólidas, democrata, um republicano que muito fez pelo Brasil atuando como Líder da Oposição na Câmara.

            Outro assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Existe uma fronteira inequívoca entre o historiador e o ficcionista, apesar de os dois se valerem de recursos da narrativa de eventos e episódios, porque este não tem compromisso com a verdade, enquanto o historiador se guia pelo objeto precípuo de reconstruir o passado recente ou longínquo na forma mais fidedigna possível.

            Pois bem, nos últimos 10 meses da vida nacional, todos nós brasileiros temo-nos defrontado com a tarefa de escrever uma das páginas mais tristes da história da aviação brasileira. Atônitos e perplexos, queremos entender os fatores concorrentes para os acidentes com o Boeing da Gol e o Airbus da TAM que arrebataram a vida de centena de pessoas.

            Muito se tem falado e especulado nos meios de comunicação de massa, com participação de pilotos, especialistas e autoridades ligadas ao setor aeronáutico. Por isso, ao ocupar a tribuna, não poderíamos pretender chamar para nós qualquer desejo, por menor que o fosse; qualquer pretensão, por mais simples que o seja, de assumir o papel de arauto da verdade absoluta.

            Todavia, não só na qualidade de Senador da República, mas também na condição de cidadão brasileiro, queremos trazer aqui algumas reflexões sobre os acidentes recentes, porque rejeitamos a idéia de sucumbir diante do poder do Estado e da mídia, que, deliberadamente ou não, parecem ofuscar alguns aspectos fundamentais sobre a responsabilidade do Estado, dos fabricantes de aviões e das empresas de transporte aéreo.

            Assim é que trazemos alguns pontos para a reflexão com o intuito de contribuir para a construção não só da História, mas também da verdade, o maior legado para as futuras gerações. Que se diga aqui, Sr. Presidente, sem refolhos ou brocardos, hoje temos uma crise que se revela, antes de tudo, como um apagão de inverdades ou um apagão de meias verdades.

            O que há, Sr. Presidente, de comum entre o acidente com o Boeing da Gol, ocorrido no ano passado, e o acidente com o Airbus da TAM, além de um ter sucedido o outro como a pior tragédia da aviação brasileira?

            Por mais que se pretenda lançar a culpa em pilotos, controladores ou nos equipamentos das aeronaves, por mais que se jogue mácula nos procedimentos de vôo ou em transponders, manetes, spoilers, nenhum dos dois acidentes teria ocorrido se o Estado tivesse cumprido com a tarefa precípua e inarredável de garantir a segurança de vôo e as condições de aterrissagem e decolagem, ou seja, a principal preocupação deve ser com a segurança. Esse é o foco.

            No caso específico do Boeing da Gol, o impensável ocorreu e continua a ocorrer, apesar do esforço descomunal e até irresponsável das autoridades governamentais em negar: há buracos negros nas condições de fonia em determinados pontos do espaço aéreo brasileiro, que podem deixar as aeronaves sem comunicação com a torre de controle por infindáveis minutos, repentina e repetidamente.

            Se as CPIs do Senado e da Câmara que investigam o apagão aéreo fizerem um levantamento das notificações e comentários de pilotos referentes às falhas de comunicação com as torres de controle, é bem provável que os Parlamentares se surpreendam, porque, decerto, sempre existiram e continuam a existir. As condições de fonia e dos radares brasileiros precisam ser detalhadamente investigadas por esta Casa, sobretudo pela CPI em curso, para que nova colisão não venha a acontecer.

            No acidente da Gol, não é admissível que, em última instância, tenha se atribuído falha à conduta dos controladores de vôo, que continuam a trabalhar sob forte estresse e mal remunerados, mesmo depois de o problema ter sido debatido na mídia de forma insistente. Não é possível que a recente tragédia em Congonhas já tenha ofuscado os detalhes das circunstâncias do acidente em Mato Grosso, porque os familiares continuam a chorar, Sr. Presidente, sem explicações convincentes.

            No caso do acidente com o Airbus da TAM, o desfecho poderia ter sido completamente diferente se as condições de segurança, no sentido estrito do termo, tivessem sido garantidas, se a pista de Congonhas tivesse grooving e, sobretudo, se houvesse uma área de escape como a de outros aeroportos no Brasil e também no exterior.

            Em 2 de agosto de 2005, em Toronto, no Canadá, um Airbus A340-300 preparava-se para fazer uma escala em vôo procedente de Paris, quando encontrou condições de tempo extremamente desfavoráveis no procedimento de aproximação, que acabaram levando o avião a pousar além do ponto necessário para a aeronave ter condições de frear e parar dentro dos limites da pista. E o que aconteceu, Sr. Presidente? Havia uma extensa área de escape, e os pilotos tiveram condições de avaliar a situação e conduzir os procedimentos de emergência até pararem a aeronave, que pegou fogo e foi completamente destruída. Antes, porém, os 297 passageiros e doze tripulantes já haviam sido evacuados.

            Em 2004, um Airbus do mesmo modelo acidentado em Congonhas e com o reverso travado, ao tentar pousar no aeroporto de Taipei, teve o mesmo problema que o avião da TAM. O relatório com a transcrição da comunicação entre os tripulantes do avião acidentado no aeroporto de Taiwan mostram o momento em que o piloto pousa e percebe que não consegue parar. Seguem-se segundos dramáticos, em que ele grita por cinco vezes: “No break” (sem freios) e “no break at all” (nenhum freio). Enquanto isso, o avião sai da pista principal e percorre a área de escape, até finalmente encontrar as valas de drenagem, onde os trens de pouso atolam. O avião pára. A partir daí, as frases registradas pela caixa-preta, embora ainda tensas, são cheias de alívio. O piloto pede à torre ajuda do pessoal de terra, e um tripulante dirige-se ao microfone para falar aos passageiros. Informa que o avião saiu da pista, pede desculpas pelo susto e diz que a situação é segura agora.

            Concedo, com muito prazer, um aparte ao ilustre Senador João Tenório.

            O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador Marconi Perillo, V. Exª traz, mais uma vez, este que é um tema que está presente no cotidiano brasileiro, sobretudo depois desse terrível desastre que afetou duzentas famílias no País. Coisa que preocupa, sobretudo nesse tema, além de todos os fatos dramáticos que aconteceram, é a constatação e a percepção de que o Governo não deixou de gastar dinheiro nessa área. Talvez tenha sido, da infra-estrutura brasileira, um dos setores mais contemplados com recursos, haja vista que se identifica investimento em qualquer aeroporto do País, seja ele grande ou pequeno. O que parece é que essas aplicações foram feitas de maneira errada, ou seja, construíram-se muitos shoppings nos aeroportos, como se costuma dizer, e foram deixadas de lado, completamente, as questões de segurança de pistas e equipamentos, de modo geral. O exemplo é Maceió, onde foi feito recentemente o aeroporto de Maceió, absolutamente desnecessário, é bom que se diga, apesar de que foi bom para o meu Estado, porque foi dinheiro para lá. Gastou-se da ordem de 250 milhões de recursos no aeroporto, que ficou belíssimo, é bom que se diga. Mas uma aeronave, à noite, se tiver qualquer ameaça de chuva, não pode descer, porque não há quase nenhum equipamento de orientação, de segurança para que isso aconteça. Então, para mim, está muito claro que o que aconteceu foi muito investimento, é bom que se diga, mas para dar um aparente conforto ao público, sobretudo construção de muitas lojas, muitos shopping, e aquilo que é fundamental para a vida, para a segurança do usuário, foi absolutamente abandonado. Parece-me que esta é a questão: não foi falta de recursos, foi uma orientação indevida da aplicação desses recursos.

            O SR. MARCONI PERILLO (PSDB - GO) - Muito obrigado, Senador João Tenório. V. Exª tem inteira razão. Investiu-se muito em perfumaria nos últimos anos e muito pouco em segurança para os controladores, para os passageiros e, sobretudo, para os tripulantes. Incorporo o aparte de V. Exª a este pronunciamento, com muito prazer.

            Ainda relembrando alguns acidentes históricos, nas Filipinas, em 1998, a história foi semelhante. Sabem por quê? Nas Filipinas, onde o acidente ocorreu com tempo seco, a pista tem 2.100 metros e se abre para uma área de várzea, onde havia alguns barracos que formavam uma ocupação irregular. Em Taipei, a pista de pouso é maior: tem 2.600 metros, mais 160 metros de área de escape. A extensão das pistas e as áreas de escape possibilitaram que, em ambos os casos, o erro dos pilotos pudesse ser corrigido a tempo - antes de se transformar em tragédia. No acidente com o vôo 3054, nem a tripulação, nem os passageiros tiveram a mesma sorte, porque o Poder Público não garantiu a estes o simples direito de errar e àqueles a proteção devida em casos de emergências.

            É lamentável, mas as condições do aeroporto Congonhas - sem grooving e área de escape - transformaram-no numa verdadeira arapuca, uma verdadeira armadilha, sem direito à correção de qualquer erro. A Anac sabia disso, a Aeronáutica sabia disso, o Governo sabia disso, mas, agora, ninguém tem a hombridade de vir a público e assumir os erros. Aliás, este Governo nunca sabe de nada. O Presidente Lula ignora as vaias, como se fechasse os olhos para o óbvio. Seu governo tem sido marcado pela falta de gestão pública.

            O pior, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é querer colocar a culpa no sistema de agências nacionais reguladoras, criado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que seguiu o exemplo dos países desenvolvidos. Se fossem utilizadas como deveriam ser, as agências trariam modernidade e estabilidade para o Brasil; modernidade, se as diretorias fossem essencialmente técnicas e não políticas como agora. Vergonhosamente, são as culpadas. Estabilidade, se o objetivo fosse buscar a criação de marcos regulatórios, pelos quais tanto luta o Senador Delcídio neste Parlamento. Ou seja, agências independentes, agências que tenham autonomia, agências que possam contar com efetivos marcos regulatórios.

            E o Governo está na contramão, na minha opinião, neste momento, quando insiste em investir em um projeto que trata do contrário, que trata de tirar forças das agências reguladoras.

            Mas, sobretudo no caso específico da Anac, há um verdadeiro aparelhamento no Estado, com inversões de papéis, troca de favores e gentilezas excessivas entre quem investiga e quem deveria ser investigado.

            Para se ter noção da gravidade do problema, basta fazer um recorte comparativo entre os perfis e os currículos dos chefes das agências que regulam o setor no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo, conforme matéria publicada na revista Época: 

            Roy Mcnult, Chefe da Autoridade de Ação Civil no Reino Unido, foi Presidente da Associação de Companhias Aeroespaciais da Grã-Bretanha, Chefe do Serviço Nacional de Tráfego Aéreo e do Departamento de Comércio e do Comitê da Indústria da Aviação no Reino Unido;

            Marion Blakey, Chefe da Agência Americana de Aviação, foi Chefe da Aviação, foi Chefe da Agência de Segurança dos Transportes, Administradora do Departamento de Segurança dos Transportes Terrestres e Consultora na Área de Segurança de Tráfego;

            Com todo o respeito ao Dr. Milton Zuanazzi, o que é que ele foi, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Foi Presidente da Companhia Rio-grandense de Telecomunicações, Secretário de Turismo e Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul e Secretário Nacional de Políticas de Turismo. Portanto, sem as condições mínimas necessárias e técnicas exigidas para quem vai ocupar uma função tão relevante como esta de Presidente da Agência Nacional de Aviação Civil.

            Sem querermos ser excessivamente duros ou donos da verdade, o Sr. Milton Zuanazzi não tem o perfil técnico adequado ao cargo que ocupa, e ponto final. Não dá para discutir este assunto aqui com outro viés que não seja o viés técnico.

            Mas, neste pronunciamento, queremos também para chamar a atenção para outros aspectos em relação à aviação no Brasil e no exterior: já é hora de se tirar a verdadeira burca que encobre os procedimentos relacionados tanto ao treinamento das tripulações quanto à manutenção das aeronaves, ambos ditados por manuais, instruções e salvaguardas dos fabricantes.

            É fundamental observar que, infelizmente, há um elo entre o acidente do Fokker 100, em 1996, e do Airbus A320, ocorrido agora: as tripulações parecem ter sido induzidas ao erro pelos computadores de bordo ou por falta de instrução adequada para uma situação de emergência que deveria ter sido prevista nos manuais ou tratada em salvaguardas emitidas, no caso, pela Fokker e pela Airbus. Mas isso não foi feito por nenhuma das duas fabricantes. A Fokker está fora do mercado aeronáutico. Mas vale recuperar o que ocorreu à época, conforme matéria publicada pelo Jornal O Globo:

            Segundo o Relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) durante a decolagem, o reverso do motor direito do Fokker 100 abriu sem que nenhum tipo de alarme fosse acionado na cabine de comando, pegando de surpresa uma tripulação que jamais fora treinada para esse tipo de situação.

            A matéria continua dizendo:

            A Aeronáutica revelou que a Fokker enviara, em 28 de julho de 1995, após consulta prévia da TAM, carta informando que não era necessário treinar os pilotos para esse tipo de emergência, porque simplesmente era impossível que o reverso do Fokker se abrisse durante a decolagem.

            Sr. Presidente Alvaro Dias, eu peço apenas mais dois minutos para encerrar este pronunciamento.

            É preciso repetir, Sr. Presidente: a Fokker afirmou que era impossível o reverso se abrir durante a decolagem.

            No caso da Airbus, a conduta é questionável também, porque houve dois acidentes idênticos ao ocorrido com o Airbus A320 em Congonhas, em que os aviões tinham um dos reversos travados e as tripulações acabaram por não conseguir parar as aeronaves dentro dos limites das pistas. Embora os acidentes anteriores, tanto nas Filipinas quanto em Taiwan, não tenham acabado em tragédia, seria razoável e desejável que os pilotos de todo o mundo fossem alertados para o problema. Entretanto, a Airbus não emitiu qualquer salvaguarda para alertar os pilotos, tampouco o DGAC, a ANAC da França, pressionou a empresa para que o fizesse. Esse tipo de conduta, da Fokker e da Airbus, precisa ser questionada pelo Governo Brasileiro nos fóruns internacionais, porque não nos bastam as explicações de que os fabricantes consideraram as aeronaves seguras.

            Sr. Presidente, o Congresso Nacional tem atuado de forma decisiva em diversos assuntos da vida do País e, em hipótese nenhuma, pode deixar de persistir na busca da verdade sobre os recentes e nefastos episódios da aviação brasileira. Mas, se o desejo for o de perseguir a fidelidade, será necessário extremo distanciamento crítico e acuidade para não se deixar levar, nem pelo aparato da mídia, nem pelos truques do Governo, mestre em cultivar a imagem e ludibriar a opinião pública.

            A verdade histórica de uma tragédia não é fácil de ser reconstruída, porque a derrota e o fracasso nascem órfãos, e ninguém quer assumi-los, porque é mais fácil culpar os mortos, porque os mortos não falam, não se defendem, não se explicam.

            Mas a verdade sobre o caos aéreo no Brasil está viva e não quer calar: brava, urra, e vaia...

            Com todo o prazer, concedo o aparte ao Senador Delcídio Amaral.

            O Sr. Delcídio Amaral (Bloco/PT - MS) - Senador Marconi Perillo, ouço atentamente o discurso de V. Exª. Nós estamos num momento de extrema relevância para a discussão do papel das agências reguladoras e desse triste acidente ocorrido em Congonhas, o qual encheu de luto o coração de todos os brasileiros. Eu não poderia deixar de fazer algumas observações que entendo pertinentes até com relação ao discurso que V. Exª hoje faz. Primeiro, a maneira primitiva como nós estamos discutindo esse problema, esse acidente aéreo e essa crise da aviação civil brasileira. O primeiro ponto que eu entendo fundamental é que, em função desse acidente, nós descambamos para uma discussão contra as agências, que é um discurso absolutamente fora de nexo. Infra-estrutura não tem ideologia; infra-estrutura, ou se tem ou não se tem. Eu acho que o foco desse debate precisa ser muito mais voltado talvez para a qualificação, quer dizer, há a exigência de nós estabelecermos um rigor maior na escolha de diretores de agências e também criar mecanismos de acompanhamento que devem passar pelo Congresso, sob o risco de nós voltarmos ao antigo Dnae ou ao antigo DNC - e todos nós sabemos o papel que desempenharam, a despeito dos bons técnicos que sempre essas instituições tiveram. Portanto, acredito que essa discussão deve ser levada com mais seriedade e não ao sabor dos fatos. Precisamos ter serenidade para avaliar o problema. E o discurso de V. Exª é muito pertinente com relação a essas questões. Precisamos aperfeiçoar o marco regulatório da aviação civil. Há anos, nas reuniões do Conac, o Ministro Viegas já alertava para essa situação. Hoje, acompanhando as notícias, percebemos, primeiramente, a preponderância do papel das agências. No entanto, o que ocorreu foi uma somatória de erros, de equívocos, de desvios. São fatos que já vinham se arrastando há muito tempo, como a falência da Varig e a necessidade de as companhias aéreas ocuparem o espaço, os slots deixados pela Varig, o que não é fácil, até pela capilaridade da empresa não apenas no Brasil, mas também nos aeroportos internacionais. Depois, veio o choque, em pleno ar, do Boeing da GOL com o Legacy da Embraer, que precipitou outra crise, que levantou outra questão: o problema de navegação aérea e o problema dos controladores, que não é recente e que já se arrasta há um bom tempo. Depois, começamos a suscitar a questão da infra-estrutura aeroportuária, haja vista os aeroportos com problemas, com dificuldades. E V. Exª enumerou essas razões com muita objetividade. Por último, mas não menos importante, é a questão das agências. Na verdade, um acidente da gravidade do que ocorreu é resultado de uma somatória de problemas. Ele não tem uma razão única que explica tudo o que ocorreu. E, como complicador nessa lamentável degravação das caixas pretas, há algo inusitado em termos de investigação de um acidente aéreo: a publicidade dada sem uma análise mais ampla, a despeito de toda a cautela da Aeronáutica com relação a isso. E quanto ao problema dos manetes, talvez seja uma questão de se acrescentar uma sinalização ótica e sonora para alertar os pilotos. Não poderia deixar de destacar também para V. Exª esse acidente do Fokker 100. Na verdade, trata-se de um erro de projeto mesmo, que não apresentava nenhum tipo de intertravamento para que os reversores não entrassem com o avião decolando. Isso foi corrigido. Entretanto, na cabeça da Fokker, jamais poderia passar que um reverso operasse na decolagem de um avião. É interessante, Senador Marconi Perillo: de todos os pilotos que fizeram testes com o reversor entrando na decolagem, nenhum conseguiu salvar o avião. V. Exª imagina o que é para um piloto, em questão de segundos, entender o que está acontecendo e tomar uma atitude que salvaguarde o vôo. Portanto, é muito pertinente. Esse assunto tem de ser discutido com profundidade. É um assunto amplo, e nós não podemos reduzir essa discussão a uma questão primária. É uma questão complexa, e nós não podemos banalizar os debates no Congresso Nacional e junto à opinião pública brasileira, de um acidente tão lamentável como esse que aconteceu em Congonhas. Muito obrigado, Senador Marconi Perillo.

            O SR. MARCONI PERILLO (PSDB - GO) - Agradeço a V. Exª, Senador Delcídio Amaral, pelo aparte, pela contribuição técnica que traz a este pronunciamento, pela vasta experiência técnica acumulada ao longo de sua vida, e, sobretudo, por ser um especialista no tema das agências reguladoras e dos marcos regulatórios, já que preside aqui a Subcomissão dos Marcos Regulatórios, num trabalho muito competente, diga-se de passagem.

            Eu, como V. Exª, tenho convicção da importância do fortalecimento das agências reguladoras, dos órgãos reguladores, fortalecimento com autonomia, com independência, com escolha de técnicos qualificados para ocupá-las. De modo que comungamos dessa mesma preocupação.

            Pensando numa discussão mais prolongada, mais aprofundada, mais técnica da questão da infra-estrutura aeroportuária no Brasil, Senador Delcídio - e falo a V. Exª porque V. Exª é o Vice-Presidente da Comissão de Assuntos de Infra-Estrutura -, agendamos para quarta-feira próxima, e já há confirmação por parte do Exmº Sr. Ministro da Defesa, Dr. Nelson Jobim, do Presidente da Anac, do Presidente da Infraero, um amplo debate, uma audiência pública para discutirmos, com profundidade, o apagão aeroportuário. E não só isso, mas para discutirmos os gargalos, as soluções. Enfim, vamos dar uma contribuição, por meio da nossa Comissão, a esse debate, que, na minha opinião, é tão pertinente e tão oportuno para o Brasil nos dias atuais.

            Encerrando, Sr. Presidente Alvaro Dias, eu gostaria de dizer que o Presidente Lula seria mais humilde, mais digno, mais galante e humano se, diante da opinião pública, tivesse a coragem de assumir a responsabilidade pela crise por que passa a aviação brasileira; se, diante dos parentes dos acidentados com o Boeing da GOL, o Airbus da TAM, tivesse forças para pedir desculpas ao povo e à Nação.

            Sou forçado a reconhecer, Srªs e Srs. Senadores, que algumas providências foram tomadas, e a escolha do Ministro Nelson Jobim para o Ministério da Defesa é acertada. Nós, da Oposição, temos a obrigação de reconhecer quando o Governo acerta.

            Este Governo precisa usar menos o verbo, e mais as verbas, direcionadas a ações concretas para se recuperar a confiança perdida no transporte aéreo brasileiro. Caso contrário, o risco, o medo e a insegurança, repito, a insegurança latente, continuarão a se colocar como nuvens sombrias nos céus do País.

            Concedo, com prazer, caso me permita o Presidente Alvaro Dias, aparte ao ilustre Senador Eduardo Azeredo.

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - É rápido o aparte, Senador Marconi Perillo.

            O SR. MARCONI PERILLO (PSDB - GO) - Já concluindo.

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Exatamente. Apenas para também dar aqui minha opinião de que as questões precisam avançar mais um pouco. Diz bem V. Exª quando fala que o Governo acertou, sim, na escolha do Ministro Nelson Jobim. Está aí a atuação dele mais rápida. Entretanto, alguns pontos não estão ainda atacados. Eu diria que a questão específica do tamanho dos aviões para aeroportos centrais precisa ser enfrentada. É assim no mundo todo: os aeroportos centrais do mundo não operam com aviões de grande porte, e sim, com aviões de até 100 passageiros, no máximo, ou coisa parecida. E essa questão não foi abordada ainda. Da mesma maneira, o desembolso financeiro, a execução orçamentária ainda não teve sinais de que vá ser mais efetiva. Os números são absurdos. O que se investiu na área de proteção ao vôo é sempre menos de 50% do que estava previsto. Então, a descentralização também é muito importante. É importante que tenhamos outros aeroportos operando com vôos diretos no Brasil.

            O SR. MARCONI PERILLO (PSDB - GO) - Agradeço ao Senador Eduardo Azeredo pela contribuição que traz a este pronunciamento, ele que tem uma enorme experiência no Executivo e aqui no Legislativo.

            Encerrando, Sr. Presidente, gostaria de acrescentar um ingrediente a mais. Além de tudo isso que foi abordado, ainda temos um problema grave que precisa ser enfrentado: o desvio de verbas, a corrupção. A Infraero precisa efetivamente mudar completamente a sua rotina em relação aos procedimentos licitatórios, em relação à priorização de obras de infra-estrutura aeroportuária, que efetivamente mereçam receber esse carimbo de prioridade. O aeroporto de minha cidade, pelo qual lutei tanto, está embargado pelo Ministério Público Federal, nesse momento, por conta de superfaturamento na sua licitação, ou por licitação viciada.

            De modo que essa é uma outra questão que precisa ser abordada, que precisa ser tratada com a máxima acuidade possível. Não dá mais para aceitar que a Infraero continue com esse tipo de prática, ou seja, de permitir vício nas licitações, corrupção, superfaturamento nas obras.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente Alvaro Dias.

            Obrigado pela tolerância. Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/2007 - Página 27764