Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do jornalista Joel Silveira. Homenagem ao jornalista Cláudio Abramo, falecido há 20 anos.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do jornalista Joel Silveira. Homenagem ao jornalista Cláudio Abramo, falecido há 20 anos.
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/2007 - Página 27770
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORNALISTA, ESTADO DE SERGIPE (SE), ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, IMPRENSA, COBERTURA, FORÇA EXPEDICIONARIA BRASILEIRA (FEB), SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, PUBLICAÇÃO, LIVRO, PREMIO LITERARIO.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, JORNALISTA, SAUDAÇÃO, FAMILIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, POLITICA, OPOSIÇÃO, REGIME MILITAR, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está na mesa um requerimento de pesar pelo falecimento do jornalista Joel Silveira, que morreu, ontem, na madrugada de 15 de agosto, aos 88 anos, de causas naturais, enquanto estava em seu apartamento, no Rio de Janeiro, em Copacabana.

            Gostaria, nesta tarde, de prestar homenagem a dois extraordinários jornalistas que teriam, se vivos estivessem, idade próxima: Joel Silveira, nasceu, em Sergipe, em 1918, chegou ao Rio de Janeiro, em 1937, e teve o seu primeiro emprego no jornal literário Dom Casmurro, de Álvaro Moreyra. Logo nos seus primeiros anos de trabalho, seus textos já chamavam atenção e eram objeto de comentário de Manuel Bandeira, que definiu sua maneira de escrever como “muito pessoal (...), uma punhalada que só dói quando a ferida esfria”. Graças a seu estilo e brilhantismo, trabalhou na revista Diretrizes, de Samuel Weiner e, depois, nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Foi escolhido entre muitos repórteres que desejavam ser escalados para cobrirem a presença da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra, entre 1944 e 1945, ocasião em que acompanhou os soldados por lugares inóspitos durante 11 meses. Nessa época, foi apontado como o “maior repórter brasileiro” e viveu o ponto alto de sua carreira.

            Publicou cerca de 40 livros, a maioria deles com memórias e coletâneas de suas reportagens. Dentre suas obras, em parceria com seu amigo Geneton Moraes Neto, estão Nitroglicerina Pura, Hitler/Stalin - o pacto maldito e suas repercussões no Brasil, que falava de intelectuais brasileiros de esquerda que atuaram como colaboradores de uma revista nazista. Também publicou livros de ficção como Dias de Luta.

            Trabalhou nos jornais Última Hora, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias, Correio da Manhã e na revista Manchete. Recebeu, pelo conjunto de sua obras, em 1988, o prêmio “Machado de Assis”, da Academia Brasileira de Letras, além do “Jabuti” e do “Líbero Badaró”. Também foi homenageado em congresso internacional organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - ABRAJI.

            Joel Silveira está sendo cremado neste instante, no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Era casado com Iracema e pai de três filhos.

            Aos 27 anos, quando regressou da guerra, contava ter voltado com 80 anos. “O que a guerra nos tira, quando não tira a vida, não devolve nunca mais”, afirmou inúmeras vezes. Se fizermos a conta, Joel, pela sua sensibilidade, por suas experiências e pela brilhante carreira, morreu então com mais de 100 anos.

            Eu gostaria também, nesta oportunidade, de prestar homenagem a Cláudio Abramo, porque, nesta semana, faz 20 anos que faleceu.

            Cláudio Abramo foi um extraordinário jornalista, um irmão de tantas pessoas. Aqui quero saudar todos os membros de sua família: Radhá Abramo, o seu filho Cláudio Weber Abramo, Berenice, Bárbara, Maria e todas as netas e netos de Cláudio Abramo, que foi um ser humano excepcional.

            Ele nasceu em 1923. Começou no jornalismo trabalhando na propaganda aliada durante a Segunda Guerra Mundial e, sucessivamente, na Agência Meridional, na Agência Press Parga, no Diário da Noite. Foi convidado, em 1948, para trabalhar em O Estado de S. Paulo, por Paulo Duarte e Sérgio Milliet, e ali se tornou, convidado por Júlio de Mesquita Filho, em 1952, o responsável pela secretaria do Estadão. Começou, com Luiz Vieira de Carvalho Mesquita, Ruy Mesquita, Juca Mesquita e Júlio de Mesquita Neto, a reforma do jornal, realizando modificações de extraordinária repercussão.

            Começou a chamar jovens jornalistas, inclusive nos cursos de filosofia, ciências sociais, matemática e física, dentre os quais Vlado Herzog. A reforma se completou no início da década de 60. Nessa altura, alguns grandes nomes do jornalismo atual trabalhavam na Redação, como repórteres ou redatores.

            Mas, em 1964, ficou desempregado por discriminação política. Foi, então, convidado, nos últimos meses, por Octávio Frias de Oliveira, para fazer análise na Folha do S.Paulo. Daí, em 1965, ingressou na Folha, como chefe de produção.

            Em 1967, assumiu a secretaria-geral da Folha, foi nomeado Diretor de Redação.

            Em 1975, foi preso, com sua esposa, Radhá Abramo, no Doi-Codi por subversão, mas depois voltou ao trabalho efetivo no jornal. Em 1975, foi quando Cláudio Abramo me convidou para também escrever na Folha de S.Paulo, onde, ao lado dele e de tantos outros, trabalhei de 1976 a 1980. Pude ver inclusive a criação da seção Tendências/Debates, para a qual ontem ainda colaborei, juntamente com Eder Jofre, com minha carta aberta ao Presidente Fidel Castro.

            Quero aqui assinalar, registrar e pedir que seja transcrito na íntegra o artigo, em Tendências/Debates, de Roberto Müller Filho, que escreveu “Cláudio Abramo, jornalista marceneiro”, destacando alguns momentos em que Cláudio Abramo, que também sabia fazer móveis, dizia que a ética do jornalista e a do marceneiro era a mesma, ou seja, só havia uma ética, a do cidadão.

            Diz Roberto Muller Filho:

Fazia o trabalho com extrema paixão. Participou de todos os embates políticos de seu tempo. Sempre do lado dos oprimidos. Foi vítima da ditadura como profissional e cidadão. Preso com sua mulher Radhá, manteve a altivez e a irreverência com os poderosos(...)

Mas Cláudio era, sobretudo, justo e combinava isso com generosidade. Gostava de recrutar jovens, aos quais ensinava pelo exemplo.

            Inclusive a mim, ele ensinou a enxugar as matérias e a escrever cada vez melhor os artigos na Folha de S.Paulo sobre economia, que depois levaram as pessoas a dizerem: “Eduardo, você precisa defender as suas idéias no Parlamento; seja um representante do povo”. Foi Cláudio Abramo quem também me estimulou, em 1978, a ser candidato a Deputado Estadual pela primeira vez. Ele esteve desde as sete e pouco até as seis da tarde na sede do meu comitê de campanha, organizando toda a equipe de voluntários que me ajudou no primeiro embate político.

            Senador Alvaro Dias, gostaria apenas de contar esse episódio, um testemunho de Roberto Müller que considero um retrato fantástico:

Testemunhei conversa tensa entre ele e Octavio Frias de Oliveira, uma de tantas, fruto de uma curiosa relação de respeito e farpas.

Cláudio tentava convencer Frias de que a Folha, que já se tornara o jornal de maior tiragem no Estado, precisava agregar influência. Recomendava a criação de uma ou duas páginas de opinião, com contribuição de jornalistas notórios e respeitáveis. Apresentou três nomes famosos. Ante a resistência inicial de Frias, saiu fechando abruptamente a porta.

Atônito, temendo pela reação que o gesto pudesse provocar, atrevi-me a sugerir paciência a Frias, argumentando que Cláudio era um tanto irascível, mas certamente um grande jornalista. Recebi mal-humorada resposta, mais ou menos nesses termos: “E você acha que, se eu não soubesse disso, toleraria tal temperamento?”

Depois, fui ter com Cláudio e argumentei que os três nomes que ele sugerira eram competentes, mas nem sempre falavam bem dele. E foi aí que me veio a lição, inesquecível como um bofetão: “Eu sei, mas são grandes jornalistas e têm direito ao trabalho”.

É por tudo isso que ele faz tanta falta.

            Como também Joel de Silveira.

                   Sr. Presidente, agradeço, então, se puder colocar para ser apreciado o requerimento de pesar por Joel Silveira, que li na íntegra. Quem sabe outros Senadores queiram também assiná-lo, uma vez que muitos já o fizeram.

            Obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/2007 - Página 27770