Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do quinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.

Autor
Epitácio Cafeteira (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MA)
Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do quinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2007 - Página 29033
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, DETALHAMENTO, HISTORIA, GOVERNO, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIALIZAÇÃO, BRASIL, INCLUSÃO, DIREITOS SOCIAIS, EMPENHO, CRIAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL (CSN), COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS), LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, EDIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), GARANTIA, PROTEÇÃO, TRABALHO.

            O SR. EPITÁCIO CAFETEIRA (Bloco/PTB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao iniciar meu pronunciamento nesta sessão destinada a reverenciar a memória do Presidente Vargas, desejo expressar, antes de qualquer outra consideração, minha perplexidade ante o descobrimento de figura tão central da História brasileira por parcela considerável de nossa população. Digo isso, Sr. Presidente, porque um médico perguntou-me, há mais ou menos 15 dias: “Senador Cafeteira, o que foi mesmo que Getúlio Vargas fez pelo Brasil?” Ainda mais grave que o fato em si, que já seria motivo de justa consternação, é a certeza de que se generaliza entre nós o desapreço em relação ao passado, perigoso fenômeno que atinge, preferencialmente, os mais jovens.

            Tem-se a sensação de que tudo conspira para que as pessoas - repito, sobretudo as mais jovens - suponham viver um permanente presente, como se o passado não tivesse importância e como se o futuro não estivesse em nossas cogitações. Essa realidade, desumanizadora por excelência, acaba por incentivar atitudes de acirrado individualismo, meio caminho andado para a visão egoísta da vida e do mundo.

            Em que falhamos, Sr. .Presidente? Será que a escola não está conseguindo cumprir um de seus mais importantes papéis, ao ensinar aos alunos que o viver é uma experiência coletiva, socialmente partilhada, e é justamente isso o que confere sentido à vida? Ou será que nós, homens públicos, Partidos políticos e instituições, também fracassamos sob esse aspecto? Quem sabe os meios de comunicação, hoje tão mais desenvolvidos, tão mais imprescindíveis do que ontem, esqueceram que sua missão é também formativa?

            Não tenho pronta resposta para tais questões. Mas o fato é preocupante e deveria merecer a atenção de todos nós. No caso presente, quando homenageamos a figura de Getúlio Vargas, mostra-se inconcebível, imperdoável mesmo, que personagem tão decisivo de nossa História seja hoje simplesmente desconhecido de boa parte de nossa população. Nunca é demais lembrar a velha máxima, que jamais perde atualidade: povo que desconhece sua história está condenado a repeti-la, especialmente quanto aos seus desacertos.

            Sr. Presidente, há 53 anos, o Brasil amanheceu sob o impacto de uma notícia trágica. Numa época em que o País se informava quase que exclusivamente pelo rádio, com absoluto destaque para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a voz possante e respeitada de Heron Domingues comunicava o suicídio do Presidente Getúlio Vargas.

            Naquele 24 de agosto de 1954, morria o homem, nascia o mito.

            À possível exceção de D. Pedro II, com seus 49 anos à frente do governo imperial, ninguém mais entrou tão profundamente na História do Brasil. Os 15 anos que se sucederam à tomada do poder em novembro de 1930, acrescidos dos quase 4 anos que governou a partir da vitória eleitoral de 1950, deram a Vargas a possibilidade de impor sua marca indelével na trajetória da República brasileira.

            Como todo grande personagem histórico, Getúlio se presta a qualquer tipo de análise. Aos que sempre o combateram e jamais o perdoaram pelo que fez e pelo que foi, será reiteradamente esgrimida a imagem do homem frio e calculista, aparentemente adverso a emoções, centralizador e autoritário, que desvelou no Estado Novo a dimensão máxima de uma vocação ditatorial ou mesmo totalitária.

            Aos demais, justamente aqueles que identificam na ação administrativa a razão suprema para incensá-lo, Vargas é o construtor do Brasil moderno, o estrategista que soube criar condições favoráveis ao desenvolvimento de que o País carecia na difícil conjuntura da Grande Depressão. O estadista, enfim, que, inteligente e patrioticamente, vislumbrou na Segunda Guerra Mundial a chance de ouro para que a industrialização brasileira tivesse seu início efetivo.

            Acima de tudo, porém, aos que louvam Vargas haverá sempre o motivo decisivo para o fazer: foi com ele que a Nação conheceu os direitos sociais, em especial no que concerne ao conjunto de leis de proteção ao trabalho. Para um Brasil recém-saído da Primeira República, cujo elitismo antidemocrático e excludente poderia ser sintetizado na infeliz frase atribuída a Washington Luís, segundo a qual a questão social era caso de polícia, as medidas de cunho social assumidas por Vargas feriam de morte a velha e arraigada cultura política oligárquica. Atingia-se uma ordem historicamente assentada no multissecular complexo de Casa Grande, mantenedora de privilégios e reprodutora de desigualdades.

            Afora as inúmeras qualidades e os possíveis defeitos que sempre o caracterizaram, Getúlio dominava como ninguém os códigos da política. Nascido em fins do século XIX, na fronteira gaúcha, recebeu e assimilou os fundamentos do Positivismo, corrente de pensamento que encontrou no Rio Grande do Sul terreno fértil para consolidar-se. Homem da Primeira República, tendo sido Deputado, Secretário e Ministro de Estado, além de Governador, foi hábil o suficiente para sepultar as “carcomidas” instituições da “República que não houve” sem, contudo, destruir as pontes que ligariam o Brasil do futuro a ser construído e o passado que se pretendia escorraçar.

            A própria montagem da chapa majoritária oposicionista no pleito de 1930, Sr. Presidente, foi obra de extraordinária engenharia política, arquitetada com o esmero que a amadores não é dado conceber. Para neutralizar o poderoso Estado de São Paulo, de onde viera o Presidente Washington Luís e de onde sairia o candidato situacionista Júlio Prestes, Vargas assegurou, em primeiro lugar, o imprescindível apoio de Minas Gerais. Escolheu, no Nordeste, o paraibano João Pessoa para a Vice-Presidência. A previsível vitória da situação - possibilidade assegurada pela ilegitimidade do processo eleitoral, com suas recorrentes fraudes - encontrava, dessa vez, forças políticas mobilizadas e dispostas a não se submeter à farsa de eleição a bico de pena.

            Utilizando-se do assassinato de João Pessoa, cuja motivação, diga-se, passava ao largo das questões políticas, Vargas liderou o movimento militar que, iniciado a 3 de outubro de 1930, precisou não mais de um mês para apear do poder o Presidente Washington Luís. Ao receber a chefia do Governo das mãos de uma Junta Militar, Getúlio procedia ao ato inaugural de uma nova era para o País. E o fazia, nunca é demais lembrar, sob os efeitos arrasadores da Crise de 1929, sobretudo a Grande Depressão, que já contabilizava milhões de vítimas.

            Getúlio enfrentou - e venceu - o embate conduzido por São Paulo em 1932. A vitória militar, todavia, não o impediu de reconhecer a impossibilidade de prorrogar o caráter provisório de seu Governo. Criou-se a Justiça Eleitoral e convocaram-se as eleições para a Assembléia Constituinte. A Carta de 1934 introduziu o Brasil no novo contexto histórico advindo do fim da Primeira República e que, internacionalmente, era assinalado pela crise do Estado Liberal e o conseqüente avanço dos regimes totalitários.

            O Brasil não ficou imune ao clima de polarização ideológica do período. O confronto entre Esquerda e Direita, que monopolizava as atenções pelo mundo afora, também se fez presente entre nós. A fracassada tentativa de golpe de grupos comunistas - a Intentona de 1935 - e a ação cada vez mais ostensiva dos radicais de direita, acobertados pela Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, que viria a padronizar sua Intentona em 1938, deram a Vargas o pretexto para interromper a normalidade institucional.

            Fazendo uso de cartilha política produzia por um integralista, o Capitão Olímpico Mourão Filho - o mesmo personagem que, como general, iniciou a movimentação das tropas que levaria à queda de João Goulart, em 1964 -, Vargas comunicou ao País a iminência de nova ação golpista dos comunistas. Para debelá-la e manter a ordem pública, alterou radicalmente a fisionomia do regime. Era o Estado Novo que surgia naquele 10 de novembro de 1937. O Brasil adormecia sob a longa noite da ditadura, que permaneceria por oito anos.

            Não há como negar, Sr. Presidente: retórica alguma poderá subtrair do Estado Novo sua característica essencial, qual seja, a de uma ditadura, com fortes tons totalitários. Desapareceram os Partidos políticos. O Poder Legislativo deixou de existir. Criou-se tribunal de exceção. O tradicional federalismo republicano sucumbia ante o Estado unitário, decisão simbolicamente retratada na cerimônia de queima das bandeiras estaduais. A polícia política agia continuamente, com toda a carga de violência e de arbitrariedade que lhe era própria. A censura atuava de maneira implacável. Acima de tudo e de todos, sem a necessidade de instâncias mediadoras que a aproximassem do povo, pairava a figura do grande líder, sistematicamente construída e transmitida à sociedade.

            Nascia o Getúlio “pai dos pobres”!

            Mas também foi no Estado Novo que emergiu a figura do estadista que sabia tirar proveito - para o País, frise-se, jamais em benefício pessoal - das circunstâncias geradas pela Segunda Guerra Mundial. Convicto de que o futuro do Brasil requeria o salto profundo no caminho da industrialização, Vargas negociou o uso militar de áreas no território nacional pelos Estados Unidos e decidiu romper relações diplomáticas com os países do Eixo, vencendo resistências no interior do próprio Governo. Passo seguinte, levou o País a participar diretamente do conflito, sendo o único latino-americano a fazê-lo. Dessas negociações, resultou a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e a construção da Usina de Volta Redonda, parceria de capitais estatais, privados nacionais e norte-americanas. É nessa perspectiva que se compreende, também, a criação da estratégica Companhia Vale do Rio Doce.

            Fica, ainda, do Vargas ditatorial, a extraordinária obra cultural e educacional conduzida pelo ministro Gustavo Capanema. Pela primeira vez, a Nação era apresentada a um verdadeiro sistema nacional da educação pública, cujos fundamentos atravessaram décadas. De igual modo, sob a liderança de Rodrigues de Melo Franco, o Brasil começava a descobrir seu imenso e riquíssimo patrimônio histórico. Por fim, e penetrando fundamente no tecido social, surgiu a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, que inaugurou, no Brasil, a modernidade em termos de proteção ao trabalho.

            O Estado Novo, Sr. Presidente, foi varrido pelos mesmos ares de liberdade e de democracia suscitados pela derrota dos regimes fascistas. Poucos meses separaram o fim da Segunda Guerra Mundial e a deposição de Vargas, oficializada em outubro de 1945. Em dezembro, eleições diretas anunciavam o novo tempo democrático que o País viveria.

            Cinco anos depois de deposto, tempo passado em larga medida no isolamento de sua estância gaúcha, pouco exercendo o mandato de Senador que o povo lhe conferira, Getúlio voltou à Presidência, agora pela vontade expressa do eleitorado. Diferentemente dos 15 anos nos quais exerceu o poder, o Vargas que tomou posse no início de 1951 era alguém mais velho, mais cansado, talvez mais amargurado e, certamente, bem mais vulnerável à crítica impiedosa que o regime democrático possibilitava.

            O Getúlio que retornou ao Catete precisava agora se submeter ao jogo das pressões políticas e aos códigos de convivência com um Legislativo na plenitude de suas prerrogativas. Precisava ceder, compor, negociar. Todavia, a presença de uma Oposição sistemática, ferrenha, aguerrida, não raro impiedosamente desumana, expressa particularmente pela ação da UDN, tornava cada vez mais difícil a tarefa de governar.

            Independentemente de erros e equívocos - como a desastrada e estúpida tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, conduzida sem o conhecimento do Presidente, mas que o comprometeu definitivamente pelo envolvimento de Gregório Fortunato, chefe de sua guarda pessoal -, Vargas sentiu na pele a reação dos setores atingidos por sua política nacional-desenvolvimentista.

            A celeuma em torno da criação da Petrobras e do estabelecimento do monopólio estatal do petróleo, concretizados em outubro de 1953, dá bem a medida do confronto que opunha seus apoiadores aos que defendiam a associação - em bases subalternas, certamente - da economia brasileira aos capitais internacionais. De igual modo, o projeto getulista de criação de outra estratégica empresa estatal, a Eletrobrás, foi, como ele próprio assinalou em sua Carta-Testamento, “obstaculizado até o desespero”.

            Por fim, mas não menos importante, o Brasil deve a Vargas o surgimento do trabalhismo como movimento político, doutrinariamente bem assentado e filosoficamente comprometido com o esforço de oferecer ao capitalismo brasileiro uma face mais humana.

            Esse sempre foi, historicamente, o sentido do Partido Trabalhista Brasileiro, o velho PTB, que, hoje, renascido e adaptado às novas condições históricas vividas pelo País e pelo mundo, busca cumprir condignamente sua missão. O mesmo PTB que tenho a honra de integrar e de cujo passado posso me orgulhar.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, registrar os 53 anos de morte do Presidente Vargas é dever de todos nós que amamos este País e em relação ao qual temos responsabilidades políticas. É data que convida à reflexão sobre os caminhos e descaminhos que percorremos na construção da República brasileira. Aprender com os erros, aprimorar as instituições e reconhecer o valor intrínseco da democracia é lição que fica para todos nós.

            Não vejo sentido em proceder ao julgamento de Vargas, no sentido de estabelecer juízo de valor a respeito de sua presença marcante na História do Brasil. Não acredito que a história deva se prestar a isso. Prefiro pensar, Sr. Presidente, que ela nos estimula a compreender - isso, exatamente isso, compreender - os atos e os personagens que marcaram o passado.

            No caso de Getúlio, ainda mais fortemente, o que se pede é o exame acurado de seus atos, vistos em sua ambiência e temporalidade. Fora disso, é grave a possibilidade de se incorrer no erro do anacronismo. Independentemente da posição que se tenha, de uma verdade não se pode afastar: Getúlio foi grande, até mesmo na hora e pela forma que escolheu para afastar-se do palco. Soube “sair da vida para entrar na História”. Mostrou-se estadista. Entendeu como ninguém os rumos da história.

            Por tudo isso, talvez mais do que todos, foi decisivo para a construção do Brasil moderno.

            Por tudo isso, talvez mais do que todos, conquistou espaço cativo no imaginário nacional.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cabe a nós do Partido Trabalhista Brasileiro termos a convicção de que esse Partido tem história, nasceu de convicções políticas certas. Não é apenas um Partido para receber votação, mas para seguir um caminho que nos foi dado por Getúlio Vargas.

            Por tudo isso, talvez mais do que todos, Getúlio merece ser lembrado e estudado.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2007 - Página 29033