Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do quinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do quinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2007 - Página 29036
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, DETALHAMENTO, HISTORIA, GOVERNO, ELOGIO, EMPENHO, CRIAÇÃO, JUSTIÇA ELEITORAL, ADOÇÃO, SISTEMA PROPORCIONAL, REPRESENTAÇÃO POLITICA, ENTREGA, JUDICIARIO, LEGITIMIDADE, LEGALIDADE, PROCESSO ELEITORAL, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), MINISTERIO DO TRABALHO INDUSTRIA E COMERCIO, JUSTIÇA DO TRABALHO, ORGANIZAÇÃO, SINDICATO, REFORMULAÇÃO, RELAÇÃO DE EMPREGO, TRANSFORMAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, BRASIL, IMPLEMENTAÇÃO, CODIGO DE AGUAS, INSTITUTOS DE PREVIDENCIA, DEPARTAMENTO NACIONAL DO CAFE, INSTITUTO BRASILEIRO DO SAL (IBS), INSTITUTO NACIONAL DO PINHO (INP), INSTITUTO NACIONAL DO MATE (INM), FABRICA NACIONAL DE MOTORES S/A (FNM), Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), TERRITORIOS FEDERAIS, CONSELHO NACIONAL DO PETROLEO (CNP), COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL (CSN), COMPANHIA NACIONAL DE ALCALIS, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), INCENTIVO, CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DEMONSTRAÇÃO, APREENSÃO, FUNDAMENTAÇÃO, INFRAESTRUTURA, PAIS.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador João Vicente Claudino, Senador Epitácio Cafeteira, Senador Mozarildo Cavalcanti, quero cumprimentar especialmente os trabalhistas nesta data e neste ensejo em que falamos de Getúlio Vargas, da sua vida e das suas glórias. Quero agradecer a gentileza do Senador Mão Santa pela permuta.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais que uma lembrança, mais que um tributo, mais que uma reverência! E por mais justas e fundadas que sejam as homenagens que prestamos à memória do ex-Presidente Getúlio Vargas elas estarão sempre aquém de sua inestimável contribuição à história política do País.

            Trata-se do brasileiro que, à exceção de Pedro II, durante mais tempo governou o País.

            Se governar fosse o maior de todos os méritos a que pode almejar qualquer homem público, ele teria sido não mais que um entre os trinta e dois dos Presidentes da República que, em caráter não-transitório, tiveram essa honra. Por essa peculiar circunstância, ele transcende, por seu papel preponderante, por sua ação predominante e pela repercussão permanente de seus atos como Chefe de sucessivos governos, em três ocasiões diferentes, a dimensão humana e a expressão cívica, sem demérito para nenhum deles, tanto dos que o antecederam quanto dos que o sucederam. Sr. Presidente, isso é o que distingue o estadista que ele foi do político que tantos, antes e depois dele, apenas conseguiram ser.

            “O homem é o homem e suas circunstâncias”, escreveu o filósofo espanhol Ortega y Gasset.

            Getúlio, Srªs e Srs. Senadores, foi maior, sem dúvida, do que as suas próprias circunstâncias. E essa foi somente uma de suas reconhecidas virtudes.

            Derrotado nas urnas pelas práticas que ele prometeu banir e efetivamente expurgou da vida pública brasileira, conseguiu fazer do regime já decadente uma democracia. Discricionariamente, com poderes absolutos assumidos como chefe de uma revolução armada, mas sem sangue, ele plantou a semente da qual surgiu a frondosa árvore à sombra da qual hoje frutifica aquela que um de seus maiores e mais ilustres adversários, Otávio Mangabeira, um dia chamou de “plantinha tenra que ainda não dá sombra nem frutos”. A instituição da Justiça Eleitoral e a adoção do sistema de representação proporcional, que ainda hoje subsistem como esteio, fundamento e alicerce de nossa cambiante democracia, constituem, ainda hoje, a garantia que sepultou setenta e cinco anos de eleições manipuladas, de votos fraudados, de contrafação eleitoral e de chicanas e acordos espúrios que garantiram a formal estabilidade institucional do período que os historiadores convencionaram chamar de República Velha.

            Foi na qualidade de chefe do Governo Provisório instalado em outubro de 1930, investido de poderes discricionários, que Getúlio cumpriu algumas das promessas de sua frustrada campanha eleitoral, entre as quais a criação da Justiça Eleitoral, entregando ao Poder Judiciário a legitimidade e a legalidade dos pleitos eleitorais e, por conseqüência, dos governos emanados da livre e soberana manifestação das urnas.

            Ao lado desse passo decisivo de nossa evolução política, alinha-se o Código Eleitoral de 1932, implantando a primeira versão no País do sistema proporcional, marco da superação do arcaico princípio do voto majoritário, praticado ainda hoje em poucos países, com os vícios e as deformações que a representação distrital acarreta, em face da aberração que na velha Inglaterra ficou conhecida como “burgos podres”.

            A legislação trabalhista, que mais tarde culminou com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e da Justiça do Trabalho, a organização sindical e a modernização das relações de trabalho urbano foram as conquistas que sepultaram de vez o desprezo e o preconceito contra o tratamento dispensado pela República Velha contra a “questão social” que alguns teriam dito ser um caso de polícia, como ainda hoje muitos acreditam ser.

            Acrescente-se a esses passos decisivos na senda das transformações sociais, o avanço representado pela preocupação em superar o velho modelo econômico que ruiu em 1929, com a sexta-feira turbulenta da quebra da Bolsa de Nova Iorque e convocação da I Conferência Econômica Mundial, que deu nova feição ao capitalismo. As conseqüências danosas para o Brasil, até então prisioneiro do modelo exportador, reminiscência do velho mercantilismo que nos transformou em uma economia agrária, monocultora, foram terríveis e duradouros. Os primeiros anos do Governo Provisório implicaram no espetáculo dramático da queima de milhões de sacas de café como último recurso para enfrentar a perda do valor aquisitivo da moeda, a deterioração dos preços de nosso principal receita de comércio exterior e a suspensão do serviço da dívida externa, avassaladora desde o primeiro empréstimo externo, em 1825, sem remissão por mais de um século.

            Getúlio, o candidato derrotado nas urnas pela manipulação, chefe vitorioso da Revolução sem sangue de 1930, foi, sem dúvida, o homem que venceu as próprias e adversas circunstâncias de sua retumbante vitória. Estas, contudo, viriam a agravar-se ainda mais e a torná-lo prisioneiro de seu próprio destino.

            Restaurada a legitimidade democrática com a Constituinte de 1934, resposta cívica à oposição que em São Paulo se valeu - como nas palavras de João Neves da Fontoura - do “prélio pacífico das urnas”, transformado no “prélio terrível das armas”, outros embates estavam por vir. A “era dos extremos”, como a denominou o historiador inglês Eric Hobsbawn, faria aqui também suas vítimas. A epopéia da Aliança Libertadora Nacional transbordou seus propósitos na jornada de 27 de novembro de 1935, de tão trágicas e inomináveis conseqüências. As feridas então abertas fariam sangrar o País ainda por muitos anos e terminariam por arrastar o País às agruras primeiro do Estado Novo, do Tribunal de Segurança Nacional, do fechamento do Congresso e, logo em seguida, do putsch integralista de 1938. 

            Getúlio, o político, estava novamente sob o domínio das circunstâncias que desta vez não conseguiu domar. E a solução do regime de força, que no Brasil repetiu a alternativa polonesa do Marechal Pilsudski, marcou indelevelmente um dos piores retrocessos de nossa história política. Não foi o primeiro; e no regime republicano, reconheçamos, não seria o último, nem o mais duradouro.

            Nem esse intervalo entre 1930 e 1937, denso, dramático e, sob muitos aspectos, sinistro, foi capaz de abater a força renovadora que o movimento de 1930 e a geração que a liderou, Getúlio à frente, tinham desencadeado no País letárgico, conformado e submisso de pouco anos antes. Getúlio Vargas tinha a volúpia de transformar e de modernizar o Estado, uma chama votiva que nele nunca se apagou. Medidas como o Código de Águas, a criação dos Institutos de Previdência, as agências econômicas como o Departamento Nacional do Café, o Instituto Brasileiro do Sal, a Fábrica Nacional de Motores, o Instituo Nacional do Mate, o Instituto Nacional do Pinho, além do Instituto do Açúcar e do Álcool, a criação dos Territórios Federais, do Conselho Nacional do Petróleo, da companhia Vale do Rio Doce e, mais tarde, da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Nacional de Álcalis, mais do que marcos, foram símbolos de um País que tinha a ânsia de crescer, impulsionado pelo ânimo de um governo que tinha a necessidade de se afirmar.

            Os compromissos decorrentes dos acordos firmados pelo Brasil em Washington, no mundo então conflagrado por um dos piores e mais devastadores conflitos armados, marcaram o fim da dubiedade do político que se acreditava inclinado à contemporização e à passividade ante as ameaças externas estimuladas por condições internas extremamente adversas a que se somavam parcelas ponderáveis e importantes de correntes imigratórias dos países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão -, notadamente em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

            O tributo de sangue pago pela presença da Força Expedicionária Brasileira no teatro de operações da Itália, tornou inevitável as manifestações internas pelo fim de um regime que não fincou nem poderia plantar raízes no país de tantas e tão reiteradas manifestações de inconformismo e de insubmissão.

            Deposto no dia 27 de outubro de 1945, o ex-Presidente foi eleito, no pleito de 2 de dezembro do mesmo ano, nas eleições por ele mesmo convocadas, quando ainda ditador, Deputado por sete Estados e Senador por dois outros. A soma de seus votos era superior ao eleitorado de cada uma das unidades da Federação isoladamente, exceto o de Minas Gerais. Longe estava o país, seguramente, como longe devia estar ele de supor que, pela primeira vez em sua vida, depois de sua única ascensão ao poder pelo voto, ia cumprir-se o vaticínio de Ortega y Gasset em que o homem terminaria vencido por suas próprias circunstâncias. As “forças terríveis” que, segundo sua Carta Testamento, se desencadearam sobre ele, na foram capazes de impedir a nova leva de realizações no curto período que vai de sua posse, em 31 de janeiro de 1951, a 24 de agosto de 1954, data de sua morte. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, a Petrobrás, o Banco do Nordeste do Brasil e os alicerces da Eletrobrás, são demonstrações de sua permanente preocupação com os fundamentos de que o Brasil ainda hoje carece para a montagem de sua infra-estrutura que teve continuidade com o binômio preferencial de Juscelino Kubitscheck, “Energia e Transportes” e seu Programa de Metas.

            Entre os incidentes que precederam o clamor que se levantou contra o Presidente, em escala jamais vista, é preciso não esquecer o “Manifesto dos Coronéis”, instrumento político-militar em que seus signatários protestavam pelo fato de ter o salário mínimo de Cr$380,00, congelado com este valor desde 1º de dezembro de 1943, ter sido reajustado, em 1º de janeiro de 1952, para Cr$1.200,00, e, dois anos depois, em 4 de julho de 1954, ter dobrado de valor para atingir Cr$2.400,00, Senador Mão Santa. Cinqüenta e um dias depois, sob ameaça de deposição, Getúlio Vargas saía da vida para entrar na História.

            No dizer de sua neta, hoje lastimavelmente afastada das atividades que com tanto brilho exerceu desde que fundou o CPDOC, da Fundação que leva o nome de seu avô, e dirigiu o Arquivo Nacional, morreu não só o estadista, mas o empreendedor, título com que, com procedente justiça, ela ornou o artigo que escreveu na edição de 21 deste mês no jornal O Globo, para lembrar a vida e a morte de um dos maiores e, seguramente, o maior e mais popular Presidente que o Brasil já teve.

            Sr. Presidente, muito obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2007 - Página 29036