Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do qüinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do qüinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2007 - Página 29038
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, EMPENHO, MODERNIZAÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, INCLUSÃO, DIREITOS SOCIAIS, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, EDIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), PROTEÇÃO, TRABALHO, FUNDAÇÃO, PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), INSTRUMENTO, TRABALHADOR, DEFESA, DIREITOS, VALORIZAÇÃO, CIDADÃO, GARANTIA, CIDADANIA, RESPEITO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
  • LEITURA, CARTA, TESTAMENTO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros que assistem à TV Senado ou ouvem a Rádio Senado, neste dia, realizamos sessão de homenagem a Getúlio Vargas tendo em vista o 53º aniversário de sua morte, que ocorreu no dia 24 de agosto. Esta homenagem devia ter sido realizada naquele dia, mas, por razões superiores, foi transferida para hoje.

            Há muitas formas de se reverenciar a figura histórica de Getúlio Vargas, personagem central da nossa experiência republicana, tendo nela desempenhado um papel até hoje não comparável ao de qualquer outro personagem. Ele encerra múltiplas características, algumas das quais, naturalmente, contraditórias. Assim, dependendo do ponto de vista e dos interesses, são inúmeras as possibilidades que ele oferece à análise de qualquer um.

            Quanto a mim, prefiro enfatizar o que classifico de mais profunda e imorredoura contribuição getulista à construção do Brasil moderno. Reporto-me ao fato de ter sido ele o maior responsável pela introdução, em nosso País, do que modernamente chamamos de direitos sociais.

            Com efeito, a histórica exclusão que sempre acompanhou nossa trajetória, estruturada desde os primórdios da colonização, não sofreu abalos consideráveis ao longo do tempo sequer com a nossa independência. Basta lembrar que, assegurada a separação da colônia de sua antiga metrópole portuguesa, de que decorreu o surgimento do Estado nacional brasileiro, manteve-se o abjeto regime da escravidão, demonstração cabal e irrefutável do caráter excludente de nossa formação social. Como se sabe, foi preciso que chegássemos ao século XIX para que, depois de tanta procrastinação, de tantos debates e de tanto esforço para que essa terrível chaga continuasse a manchar a Pátria, a Lei Áurea fosse assinada pela Princesa Isabel.

            Todavia, também é prudente não esquecer que, por mais bem intencionada que fosse a Princesa Isabel, por melhores que fossem seus sentimentos - e não estou aqui colocando em dúvida os bons propósitos da Regente -, a Lei Áurea apenas tornou ilegal, sob o ponto de vista jurídico, a escravidão no País. Dela não decorreu nada, absolutamente nada, que permitisse a efetiva inclusão, sobretudo em termos socioeconômicos, desses ex-escravos na sociedade nacional. Eliminava-se formalmente o instituto da escravidão, mas assegurava-se, pela omissão e pelos costumes, a permanência de grande parte da população brasileira na miséria e no desamparo, apartada de tudo que pudesse significar minimamente o que chamamos hoje de cidadania.

            Por fim, e é importante frisar isso, a República, instaurada em 15 de novembro de 1889, foi incapaz de alterar esse quadro de frontal desigualdade. Não por outra razão, as idéias que incendeiam o País nos anos 20 do século passado, das quais o movimento tenentista se tornaria porta-voz, combatem radicalmente o estado de coisas em que o regime republicano se transformara: palco da mentirosa urna, calcada nas recorrentes fraudes eleitorais, no clientelismo mais deslavado e no coronelismo asfixiante. Ao cabo, essa República oligárquica constituiu-se em autêntico esteio de sustentação dos mais flagrantes mecanismos de exclusão.

     Foi contra tudo isso que se fez a Revolução de 30, comandada por Getúlio Vargas. Foi empalmando a bandeira da moralidade política e da modernização dos costumes que o movimento se fez vitorioso e permitiu ao líder Getúlio Vargas chegar ao poder. Começava ali um novo capítulo da História do Brasil. Tinha início o amplo, complexo e difícil processo de modernização do País, a verdadeira modernização do País, ao qual o político gaúcho entregou-se - sem exagero - de corpo e alma.

     Para um País acostumado a conviver tão-somente com uma democracia formal, Vargas foi o passo à frente. Ainda que convivendo com o mais grave cenário da crise que o século XX conhecera até então - iniciado com a falência do modelo liberal de capitalismo que a Grande Depressão pós-1929 escancarara, e culminado com o esgotamento dos regimes políticos liberais -, Getúlio compreendeu, com a clarividência que somente os grandes estadistas costumam possuir, a necessidade de incorporar ao novo Brasil que se pretendia construir as massas populares até então marginalizadas por completo.

           Penso residir, Sr. Presidente, justamente nesse ponto o maior feito de Vargas: ao mesmo tempo em que eram dadas as condições para que o Brasil se industrializasse, incorporando-se efetivamente ao dinamismo e às exigências da economia mundial contemporânea, também haveria de oferecer-se ao capitalismo brasileiro algo que nunca conhecera, ou seja, uma face humanizada, incluindo aí o trabalhador.

            Daí dizer-lhes: há uma lógica extraordinária a imprimir e a moldar as ações da Era Getulista. Tão importante quanto lançar as bases da indústria pesada no País, de que a Companhia Siderúrgica Nacional seria o emblema incontestável, seria dotar a Nação de uma bem elaborada legislação social, pela qual fosse oferecida ao mundo do trabalho a proteção de que tanto carecia.

            Assim, não se trata de mera coincidência a simultaneidade do contexto histórico em que surge a usina de Volta Redonda, marco insofismável da decolagem brasileira em relação ao futuro, e a Consolidação das Leis do Trabalho, a reconhecida CLT, que vige até o dia de hoje.

            Imagine, Sr. Presidente, a notável diferença, a monumental mudança de percepção do valor do trabalho e de quem dele se ocupava. Enquanto na Primeira República, pela frase tão esclarecedora quanto denunciadora atribuída a Washington Luiz, “a questão social era caso de polícia”, com Vargas, ao contrário, reconhecia-se a dignidade do trabalho. Longe de mera retórica tratou-se de envolvê-lo com a adequada rede de proteção, a começar pelo indispensável conjunto de normas legais.

            Por fim, mas não menos importante, registre-se a decisão política tomada em 1945, em meio ao ambiente turbulento que culmina com seu afastamento da Presidência da República. Ao preparar o País para a fase democrática que se avizinhava, Getúlio tratou de criar o Partido Trabalhista Brasileiro, o nosso glorioso PTB, de tanta história e ao qual eu tenho a honra de pertencer.

            A criação desse Partido, rigorosamente distinto de todos os demais da época, expressava a exata compreensão dos novos tempos vividos pelo Brasil e pelo mundo. Tempos verdadeiramente novos, nos quais o proletariado passava a ter presença cada vez mais ativa no campo político. Em vez de caudatário das lideranças políticas tradicionais, no mais das vezes expoentes de elites distantes de seus interesses específicos, a nascente classe operária brasileira passava a contar com uma agremiação partidária que lhe dizia respeito diretamente, sem a necessidade da intermediação alheia - de quem quer que fosse.

            Ademais, com o PTB, era oferecida às camadas mais simples da população, para as quais as condições de vida eram muito mais difíceis, a possibilidade de contar com um instrumento de ação político-eleitoral próprio, plenamente identificado com as condições brasileiras e afastado das correntes ideologicamente radicalizadas.

            É esse o Vargas que fica, o Vargas que coloca o Brasil no compasso econômico do mundo moderno, que nos apresenta a contemporaneidade, que nos ensina a ser a cidadania muito mais que a simples oportunidade de votar e de ser votado, que os direitos fundamentais da pessoa humana não se restringem, muito menos se esgotam, no âmbito da política.

            Enfim, o Vargas que antecipa o futuro e que, ao dotar o País - de forma inédita, pioneira e profunda - dos direitos sociais, nos faz mais brasileiros e mais cidadãos. 

            Sr. Presidente, para encerrar o meu pronunciamento, quero ler a Carta-Testamento que Getúlio, em homenagem aos brasileiros, principalmente aos trabalhadores, escreveu de próprio punho antes de dar um tiro no seu peito, tirando, portanto, a própria vida.

            Palavras da Carta-Testamento:

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se às dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam [vejam bem, naquela época] até 500% ao ano. Nas declarações de valores de que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a forme bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação.

Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será vossa bandeira de luta. Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna.

Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do meu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

            Sr. Presidente, quero concitar a todos os brasileiros e brasileiras que nos ouvem e nos vêem pela Rádio e TV Senado, para que, numa homenagem a Getúlio Vargas, tão deixado de lado de propósito por governantes, seja homenageado por meio de uma mobilização nacional de filiação ao novo PTB - que nós queremos começar.

            Muito obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2007 - Página 29038