Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do qüinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Presidente Getúlio Vargas pelo transcurso do qüinquagésimo terceiro aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2007 - Página 39040
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, ELOGIO, DIGNIDADE, VIDA PUBLICA, EMPENHO, MODERNIZAÇÃO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, TRANSFORMAÇÃO, ECONOMIA, INFRAESTRUTURA, BRASIL, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL (CSN), COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ACELERAÇÃO, PROCESSO, URBANIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, VIABILIDADE, FORMAÇÃO, CLASSE, TRABALHADOR, CLASSE MEDIA, ALTERAÇÃO, PADRÃO, GOVERNO, REPUBLICA.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são passados 53 anos da trágica morte daquele que foi, sem dúvida, o maior estadista brasileiro do século que passou. Aliás, eu poderia dizer o maior brasileiro da História do Brasil: o Presidente Getúlio Vargas.

            Estamos aqui reunidos para prestar nossa homenagem a um homem público extraordinário, que, por vinte anos, com muita lucidez e competência, comandou este País.

            Getúlio Vargas teve uma vida movimentada. Aos 42 anos, em 1930, liderou uma revolução vitoriosa contra os dois mais poderosos Estados da Nação que vinham se sucedendo na Presidência da República. No poder, levou adiante as alterações no campo social e no da economia que acabaram por mudar a face deste País.

            Quando Vargas assumiu o poder, no início da década de 30, a pecuária contribuía com 40% da produção nacional contra apenas 10% da indústria. Quando ele deixou o Governo, em 1954, a indústria já respondia por 30% da produção nacional.

            Vargas faleceu tragicamente, levado ao gesto extremo por uma impiedosa campanha de difamação, que foi movida pelos grupos golpistas da imprensa e da política e por militares. Falava-se, naquela época, que estaríamos mergulhados num verdadeiro mar de lama. Dizia a imprensa que havia grossa corrupção no governo do Dr. Getúlio.

            Agora, com a passagem do tempo, acresçamos a necessária isenção para analisar aqueles fatos históricos. Sabe-se hoje que tais denúncias eram falsas, pois devo dizer que foram mais do que comprovadas a honra, a dignidade e a decência do Dr. Getúlio Vargas. Do mar de lama, ficou provada a honradez do Dr. Getúlio.

            Ele foi, durante 20 anos, Presidente da República. Quando se abriu seu inventário, ele tinha, nos seus bens, metade do que seu pai lhe tinha deixado. Seu pai era muito rico, fazendeiro de São Borja. Metade do que ele recebeu, deixou para os filhos. Ele não tinha uma casa onde morar no Rio de Janeiro - 20 anos como Presidente da República - nem em Porto Alegre. Ele não tinha casa em lugar nenhum, a não ser a de São Borja, do seu pai.

            Quanto à acusação contra ele, a imprensa nacional nunca aceitou sua volta ao poder. Nunca aceitou! E a oposição era de um radicalismo total. O crime cometido é que o Banco do Brasil deu um empréstimo para o Sr. Samuel Wainer fundar um jornal, A Última Hora. Aí sim, Samuel Wainer, um homem que não tinha tradição, àquela época os jornais eram todos de história de famílias de grande potencialidade, O Correio da Manhã, o JB, O Estadão, daqui a pouco aparece um jornal mais moderno nas mãos de um cidadão que não tinha história, que não tinha biografia. Isso não perdoaram.

            E um guarda-costas do Dr. Getúlio, que veio com ele de São Borja, fazia recomendações à “a”, “b” ou “c”, gente de segunda categoria do ponto de vista da economia, que poderia ter levado algum dinheiro do Banco do Brasil. Absolutamente nada!

            Quando vemos agora as acusações, a decisão de ontem do Supremo com relação ao que houve a respeito desse Governo, quando vemos o que houve com relação ao Governo anterior, vemos a dignidade, a honestidade, a seriedade do Presidente Getúlio Vargas.

            Nem um membro do seu Governo, nem um membro da sua família, nem um membro de coisa nenhuma teve qualquer tipo de envolvimento. No entanto, Lacerda e a grande imprensa praticamente o demoliram. Tanto que a revolta foi tão intensa que ele preferiu a renúncia ao confronto.

            Quando o Dr. Tancredo, Ministro da Justiça, naquela célebre reunião de madrugada de 24 de agosto, quando o General Zenóbio, Ministro da Guerra, que traiu o General Getúlio, Ministro da Guerra, que queria conversar com os ministros militares para fazer um entendimento para ele se licenciar, para apurar o que quisesse apurar e depois ele voltaria, se ele não tivesse provado nada, eles disseram: “Não, os militares exigem a sua renúncia; não tem volta”. O Dr. Tancredo, jovem, trinta e poucos anos, disse: “Presidente, o senhor me designa Ministro da Guerra, que eu mando lá meia dúzia, prendo aquela gente e garanto-lhe que terminou o conflito”. O Dr. Getúlio, alquebrado, magoado, machucado, já estava com a idéia da morte, não aceitou e foi ao suicídio.

            Por ocasião de seu suicídio, milhões de pessoas saíram às ruas para lamentar a perda do grande líder. Em Porto Alegre, guri, estudante, lembro dos esforços que eu fiz para conseguir uma passagem, uma carona e fui a São Borja. Lembro-me do fantástico discurso de Tancredo Neves e de Osvaldo Aranha, seus dois ministros. Foram os discursos mais bonitos que ouvi na minha vida e a empolgação que tomava conta do Brasil.

            Engraçado como é a sociedade e como é o povo... Vinte e quatro horas antes da morte, Lacerda tinha empolgado todos os rádios e havia um ambiente de ódio contra a corrupção imensa que havia no Brasil. Quarenta e oito horas depois, quando as coisas vieram à tona e se publicou o que realmente existia, o quebra-quebra, em Porto Alegre, foi impressionante. A sede da UDN foi depredada, queimada; as sedes dos jornais de Oposição foram dilapidadas. No Rio, em São Paulo, uma revolta nunca vista na morte de um Presidente. Os brasileiros mais humildes foram os primeiros a entender a grandeza do grande Presidente.

            O que posso destacar hoje, passados mais de 50 anos daquele trágico episódio é que, infelizmente, a corrupção está crescendo entre nós. Basta uma simples leitura dos jornais para comprovar o que digo. Basta o resultado da sessão histórica do Supremo Tribunal, hoje, para verificarmos que chegamos ao fundo do poço.

            Claro que o Supremo Tribunal está no momento mais empolgante da sua história, e ficarão marcados para sempre a sessão, a Presidente, os membros. Mas considero que, a partir da decisão do Supremo, nós, Congresso Nacional, Lula e o Poder Executivo, e o Poder Judiciário temos que fazer uma profunda reflexão: entendermos que todos temos que mudar a partir de agora.

            Vejamos a vida de Vargas. Deputado Estadual, elegendo-se pela primeira vez aos 27 anos de idade, já eleito Deputado Federal, Ministro da Fazenda; em 1928 assumiu o Governo do Estado, no qual permaneceria até a Revolução de 1930; foi Presidente da República, em quatro situações diversas, por duas décadas; de 1930 a 1934, foi Presidente do Governo Provisório; de 1934 a 1937, foi eleito, democraticamente, pela eleição de 1934, numa eleição indireta; de 1937 a 1945, foi o Presidente do Estado Novo, num período que se pode entender, de certa forma, porque foi um período negro na história da humanidade: o comunismo na Rússia, o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha e, aqui no Brasil, a luta entre os integralistas fascistas e os comunistas com dois movimentos tentando dar um golpe e assumir o País.

            Em 1935, os comunistas; em 1937, Plínio Salgado. Inclusive, avançaram e fizeram um tiroteio com o Presidente da República no Palácio do Catete, onde o próprio Getúlio Vargas e sua filha mais velha, de armas na mão, lutaram para defender o Catete. Com isso, não estou querendo defender a justificativa do Estado Novo - sempre achei ruim, não quero dizer nada -, mas houve uma circunstância em que o mundo inteiro parece que estava caminhando para esse lado.

            De 1950 a 1954, governou com o mandato que lhe foi dado pelo povo, sem esquecer que ele foi derrubado em 1945 e, logo depois, quando todas as forças se reuniram em torno de uma figura ilustre, que era o Brigadeiro Eduardo Gomes, Dr. Getúlio indicou - parece até que debochando de nós - para candidato a Presidente da República o Ministro Militar, Sr. Dutra. E quem coordenou, quem fez o golpe, quem o chefiou foi exatamente o General Dutra, que foi eleito pelo povo Presidente da República; isso nem o Brigadeiro, nem a UDN, nem as forças retrógradas, nem os militares comprometidos com aquela linha de pensamento aceitaram.

            Desde a posse de Getúlio até a sua morte, foi uma rebelião só, foi uma conspiração só, permanente e constantemente: no Congresso, a UDN, com a banda de música; o Lacerda, com a imprensa de todo o Brasil; e os militares, Cordeiro de Farias e tantos outros, na linha do golpe, que conseguiram dar.

            Getúlio teve uma visão pública, uma vida pública que se estendeu por quatro décadas, desde a sua eleição para a Assembléia do Rio Grande do Sul, em 1909, até seu trágico falecimento, em 1954. Não existe até hoje - repito - uma restrição que seja à sua biografia. Foi um homem público digno. Há o episódio do Estado Novo - que lamento, mas justifico -, mas, com relação à sua dignidade e à sua seriedade, ninguém pode dizer nada.

            Essa unanimidade de que estou falando agora, porém, só veio com a passagem do tempo, com o fim dos rancores.

            Lembro que ele morreu em 1954 e, em 1955, houve eleição; eleição para Governadores, eleição para o Parlamento... E a eleição era feita toda em cima da figura de Vargas, PST e PTB defendendo Vargas e UDN combatendo Vargas.

            Agora é fácil elogiar Vargas. Todos os grandes veículos de comunicação do Brasil exaltam com freqüência sua gestão. Os acadêmicos mais respeitados do País vêem nele o administrador público que fundou o Brasil moderno. A verdade é que, sem as obras que ele fez na economia, na legislação trabalhista e na infra-estrutura, o Brasil não seria a grande nação que é hoje.

            Muita gente diz que em muitos aspectos se pode analisar o Brasil antes de Vargas e o Brasil depois de Vargas. O Brasil antes de Vargas era um país-colônia, que não dava passo nenhum rumo ao desenvolvimento. Quando ele largou, o Brasil era um país em plena busca do progresso e de uma vida mais moderna.

            Getúlio Vargas foi o Presidente que impulsionou uma legislação trabalhista, muito avançada para a época, ao criar a Consolidação das Leis do Trabalho. Eu digo o seguinte: um homem que estava no poder com força total, com autoridade total, teve a visão de fazer uma legislação para os trabalhadores muito além do que eles imaginavam. Eu até digo que algumas coisas não foram positivas para a formação do espírito do povo brasileiro: essa é uma. Nos Estados Unidos, cada uma das leis (da legislação social) foi conquistada na marra, na luta, na briga dos trabalhadores com os policiais. Na Europa, a mesma coisa. No Brasil, não! Os trabalhadores ganharam praticamente de graça a lei das oito horas, salário mínimo, aposentadoria, pensão... Tudo isso eles ganharam sem lutar. E, até hoje, eu digo que, de certa forma, os trabalhadores não se compenetram de que a isso se deve dar a devida responsabilidade.

            É o que eu tenho dito: o Brasil foi descoberto por acaso; não tivemos luta de independência - tivemos a Inconfidência Mineira que não deu em nada! A Independência foi um rei que disse: “Bota essa coroa na sua cabeça antes que um outro pegue”. Foi de pai para filho. A República foi um golpe de Estado! Não que ela não seja importante, mas a maneira como ela foi adotada... O povo não sabia! O povo não participou! Não houve um movimento pela República... Não houve! De repente, saiu; os generais entraram, com um Presidente da República doente, gasto e envelhecido; a Princesa Isabel sem o controle da situação... Saíram por ali e proclamaram a República: um golpe de Estado.

            Dentro desse contexto é que eu digo que está na hora de nós lutarmos. O povo brasileiro agiu muito bem quando saiu às ruas exigindo “Diretas Já!”. E eles conseguiram ir às ruas lutar pelas “Diretas Já”. A classe política não tinha conseguido isso, nem iria conseguir.

            Quando caiu a emenda Dante de Oliveira neste Congresso, no Rio Grande do Sul, companheiros riam e batiam na minha cara: “Está vendo? E agora? O que vocês vão fazer? Vocês não diziam que não seria preciso luta civil, guerra civil, guerrilha, luta, nada, que com democracia, nas ruas, o povo iria conquistar as eleições diretas e afastar os militares? Olhe aí, terminou”.

            E não fomos nós, mas os estudantes que lotaram a praça, que nos cercaram... Convenceram o Dr. Ulysses, que era contra, contra, contra o colégio eleitoral, que tínhamos que ir ao colégio eleitoral. Fomos à Arena, e rachou a Arena. E um grupo que estava lá fechado, numa boa, entrou numa aventura que poderia dar certo - mas o normal é que desse errado.

            É o que eu acho que deve ser feito agora: o povo deve ir à rua; os jovens devem ir à rua. Não para lutar, mas para exigir e cobrar do Congresso as reformas que devem ser feitas e, do Supremo, agilidade naquilo que começou ontem.

            Com Vargas o Estado brasileiro virou promotor do desenvolvimento econômico. Foi a administração comandada pelo estadista gaúcho que impulsionou o avanço da nossa economia por muitos anos, com índices extremamente elevados.

            Vargas fundou a Petrobras com um golpe de genialidade, porque a imensa maioria da classe burguesa era contra. Ele enviou para esta Casa um projeto que previa a criação da Petrobras. Mas não era monopólio. Soube-se depois que o Dr. Getúlio combinou com um Deputado da UDN da Bahia, exatamente da UDN, não do PTB ou do PSD, e depois o Getúlio mandou votarem uma emenda, e criou a Petrobras.

            Criou o BNDES. Vamos ver a história da economia brasileira para ver o papel do BNDES. Criou a Companhia Siderúrgica Nacional.

            A história conta que o Presidente Roosevelt veio ao Brasil quando os nazistas afundaram os navios na costa brasileira. Muita gente hoje fica a se perguntar por que os nazistas fizeram aquilo, se o Brasil não estava na guerra, como a Argentina, que não ficou nem de um lado nem do outro até o fim, vendendo comida para o americano, o inglês, o italiano e o alemão até o fim. A Argentina saiu milionária da guerra. Tinha barras de ouro que é uma coisa fantástica. O Brasil não estava na guerra. Por que o Hitler mandou derrubar os navios brasileiros? Aí o Brasil entrou na guerra. Não digo nada, mas é um episódio que até hoje não está esclarecido.

            Quando Roosevelt veio aqui, a Natal, assegurar com o Dr. Getúlio que o Brasil entraria na guerra - parece brincadeira, mas é verdade -, o americano se comprometeu com a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. E foi aí que o Brasil começou a fabricar aço. A primeira grande empresa da História do Brasil, a Companhia Siderúrgica Nacional, nasceu de um tête-à-tête do Presidente com o Presidente americano. Os americanos não queriam dar. Não saía, e era capaz de levar não sei quantos anos sem sair. Saiu na troca, já que o Brasil tinha que entrar na guerra. Botaram uma faca no peito do Brasil, pois a imprensa nacional estava demolindo com os nazistas, que tinham derrubado os nossos navios, assassinado a nossa gente. Aí veio a Companhia.

            Criou a Companhia Vale do Rio Doce. Lá atrás ele previu a importância e criou a Vale do Rio Doce, que o Governo passado vendeu por 3,5 milhões. Hoje ela vale 80 bilhões. Não estou defendendo a criação de uma força para reestatizar a Vale do Rio Doce. Não digo isso, meu nobre companheiro Mercadante, mas digo que um dia nós teremos que debater, analisar e fazer a vistoria do preço pelo qual ela foi vendida. Isso nós vamos ter que fazer, não tenham nenhuma dúvida. Mais dia menos dia essa auditoria vai ter de ser feita, e aí vamos pedir na Justiça o que estão nos devendo, que não nos deram na época. Criada por Getúlio a Companhia Vale do Rio Doce!

            Com a substituição de importações, ele alavancou a nascente indústria nacional a fim de reduzir a alta dependência brasileira de produtos vindos de fora. O Brasil não produzia nada! O que se queira imaginar vinha do exterior.

            E a atuação do Presidente Vargas na área social? Antes de sua chegada ao Governo Central, nossa atividade econômica era centrada na produção agrícola. Os fazendeiros detinham o poder político e qualquer questão social era resolvida com o tratamento policial. Questão social era questão de polícia. A partir de 1930, a questão social passou a ser uma preocupação de Estado.

            Com o acelerado processo de urbanização e industrialização, surge na política internacional uma nova entidade: o operariado. Começa a formar-se no País uma classe média. Antigamente havia apenas o rico e o pobre; sem nenhum intermediação. A partir da industrialização, passamos a ter o operariado e a classe média passa a existir no Brasil.

            Getúlio Vargas surge no cenário nacional ao derrubar a República Velha, ao pôr fim à política do café-com-leite, que consistia no revezamento na Presidência da República de homens saídos dos dois mais populosos Estados: Minas e São Paulo.

            Aliás, a República teve um início lamentável entre nós: os partidos não existiam e as eleições eram fraudadas. Sucediam-se sem cessar as sublevações nos Estados, onde governavam as oligarquias que haviam se formado durante o Império.

            Interessante salientar que a Revolução de 30 foi feita contra a chamada dupla café-com-leite. A eleição não tinha partido, não tinha nada que tivesse peso. Era a política dos governadores. O Presidente da República fazia uma consulta e depois se dirigia aos Governadores pedindo que cada um dissesse o que queria. E o Presidente sempre saía de Minas e São Paulo.

            Quando chegou a vez de Minas indicar seu Governador, São Paulo, cujo Governador, Washington Luís, era paulista, quis manter-se no Governo, quis que o próximo Presidente da República, em vez de ser o Governador de Minas, fosse o Governador de São Paulo. Então, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul se rebelaram e fizeram a Revolução de 30, contra a bipolaridade Minas-São Paulo.

            Agora não há bipolaridade. Agora é São Paulo, sempre São Paulo. É claro que não é café; agora é café, automóvel, avião, tudo que se quiser, pois São Paulo produz de tudo. Mas o Presidente da República é sempre de São Paulo: Fernando Henrique duas vezes e Lula duas vezes. Agora estão dizendo que chegou a vez do Serra.

            Essa é uma questão que vamos ter que discutir. Será que, depois de dezesseis anos, não temos que fazer uma alternância com outro Estado? Com Minas Gerais, por exemplo, que está há tanto tempo fora.

            É interessante destacar que Vargas comandou o Brasil durante três das décadas mais sangrentas do século XX, época de extremismos políticos, de fanatismo ideológico e uma guerra devassadora.

            Durante os anos de Vargas no poder, ganharam terreno o nazismo, o fascismo, Hitler, Mussolini, o franquismo na Espanha - eu já estava me esquecendo da luta de Franco na Espanha, com uma ditadura violenta que durou uma infinidade - e o stalinismo da então União Soviética.

            O Brasil não escapou dessas paixões. Houve aqui, repito, uma tentativa de levante comunista, em 1935, e uma outra, de direita, com o ataque dos integralistas, em 1937, ao Palácio da Guanabara.

            Para muitos que acompanharam sua trajetória, Vargas não se deixava arrebatar por paixões políticas ou ideológicas. Era sereno, como querem alguns, ou frio, como dizem outros. Segundo os que conviveram com ele, era homem de poucas palavras. Nem mesmo seus auxiliares mais próximos sabiam o que lhe passava pela cabeça. Mascarava suas reações e sabia manipular até mesmo os políticos mais experimentados.

            Contam que havia, na época, uma dissidência longa, uma briga entre João Neves da Fontoura e Osvaldo Aranha. Eles eram os grandes líderes da Revolução de 30, que estavam com Getúlio no Governo do Rio Grande do Sul e que vieram para cá e estavam no Governo. Dizem as más-línguas que o Dr. Getúlio meio que simulava um com o outro, para que nenhum dos dois ganhasse a supremacia.

            Então, Osvaldo Aranha estava almoçando com o Dr. Getúlio no Catete e começou a falar mal do João Neves, e o Dr. Getúlio dizia: “Tu tens razão. Tu tens razão”. Foi assim o tempo todo. Daí a uma semana, o Dr. João Neves estava almoçando com o Dr. Getúlio no Catete e falava mal do Osvaldo Aranha, e Getúlio dizia: “Você tem razão. Você tem razão. Você tem razão”. Saíram, e a esposa do Dr. Getúlio disse: “Eu não entendo, Getúlio! O Neves veio aqui, você deu toda a razão para ele! O Osvaldo veio aqui, você deu toda a razão para ele! Eu acho isso errado”. Dr. Getúlio vira-se para sua esposa e diz: “Sabe que você também tem razão!”

            O Presidente Vargas, bem-humorado, sabia apreciar as piadas que faziam a seu respeito e se divertia com as charges no jornal. Era a época célebre do teatro de comédia, em que 99% dos comediantes faziam piadas e charges do Dr. Getúlio, e ele dava gargalhadas: ria, gostava delas e não tinha nenhuma preocupação com isso. Não era homem de guardar mágoas ou rancores.

            Derrotada a Revolta de 32, ele soube aproximar-seda elite paulista, que lhe fizera forte oposição, mas que estava interessada em participar dos projetos econômicos que ele projetava para o País. Colocou sempre os objetivos nacionais acima de seus interesses particulares ou regionais.

            Isso é interessante. O Rio Grande do Sul teve dois Presidentes: Vargas, com 20 anos, e o Dr. João Goulart e teve mais o Geisel e o Médici no regime militar. Nenhum desses homens deu um copo d’água para o Rio Grande do Sul. Era uma vergonha fazer alguma coisa pelo Rio Grande. Dizem que, quando ele ganhou a Revolução de 30, dias depois veio toda a turma de São Borja, que foi a turma que alimentou, que deu o gado para os caras comerem, para uma reunião com o Dr. Getúlio. Aí, o Dr. Getúlio disse para o pessoal de São Borja: “Agora nós já ganhamos, agora nós estamos aqui. Vocês me digam o que eu posso fazer para ajudar São Borja”. Um fazendeiro mais novo, mais jovem, disse: “Dr. Getúlio, há a ponte com a Argentina”. E o Prefeito intendente de São Borja na época disse: “Cala a boca, rapaz. Dr. Getúlio, agora o senhor pensa no Brasil, de São Borja e do Rio Grande nós cuidamos”. Dito e feito, a ditadura militar, não sei quantos anos depois, é que foi fazer a ponte. Não saiu ponte nenhuma, porque o Dr. Getúlio Vargas não deu um copo d’água para o Rio Grande do Sul, porque o gaúcho tem uma espécie de pudor. Ele olha para o Brasil e acha que o Rio Grande deve se virar.

            Cá entre nós, Dr. Juscelino, um homem fantástico, mas Minas foi uma antes de Juscelino e outra depois de Juscelino, porque ele começou olhando para a casa dele: as estradas, as empresas, a energia elétrica, Furnas e Três Marias. Ele fez muito pelo Brasil. Juscelino fez muito mais pelo Rio Grande do Sul do que os presidentes gaúchos, mas fez mais pela terra dele.

            Com Getúlio Vargas, a atividade política passou a incorporar novas forças: o sindicato de trabalhadores, a classe média e a burguesia empresarial.

            O próprio serviço público passou a ser organizado com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público - Dasp -, iniciativa que não teve similar nos demais países latino-americanos.

            Repito: surgiram com Getúlio a Petrobras, a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional.

            Outra importante iniciativa de Vargas foi a criação das aposentadorias e pensões do INSS, que se constituem, hoje, num dos melhores sistemas de distribuição de renda do mundo inteiro.

            Cá entre nós, não se criou, depois, nenhum órgão semelhante ao BNDES, que continua o mesmo, uma grande instituição por meio da qual o Governo pode fazer justiça social.

            Não custa lembrar que foi Vargas quem estabeleceu o salário mínimo, a maior conquista de todos os tempos no Brasil da parcela mais desfavorecida da nossa população.

            Por isso, caso único que conhecemos na história no mundo inteiro, depois de ser deposto e passados quatro anos querendo-se liquidar com a imagem dele, Getúlio, em 1946, contribuiu para a eleição de Dutra e foi eleito Senador por dois Estados - naquela época, podia - e Deputado Federal por sete Estados.

            Ele foi para o Senado assumir sua cadeira, mas a Oposição demoliu-o, fazendo uma guerra tão grande que ele resolveu ir embora para São Borja e não voltar mais. Ele só voltou eleito Presidente da República. Seu segundo mandato - estou encerrando, Sr. Presidente - começou nos anos mais belicosos da chamada Guerra Fria, que dividiu o mundo em duas facções: uma pró-Estados Unidos e outra pró-União Soviética.

            Srªs e Srs. Senadores, encerro lembrando que, até Getúlio Vargas, este País havia tido um grande estadista: Dom Pedro II, que conseguiu levar o seu longo reinado num clima de concórdia e respeito. Mas a tarefa levada adiante pelo político sul-rio-grandense foi de tal magnitude, que, sem dúvida, ele merece seu lugar entre os grandes estadistas de nosso País.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2007 - Página 39040