Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato sobre atividades da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, que realizou visitas aos estados do Maranhão e Pará, objetivando o combate ao trabalho escravo.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Relato sobre atividades da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, que realizou visitas aos estados do Maranhão e Pará, objetivando o combate ao trabalho escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/2007 - Página 30338
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, COMISSÃO, ESTUDANTE, DIREITO, ESTADO DA PARAIBA (PB), SENADO.
  • APRESENTAÇÃO, RELATORIO, SUBCOMISSÃO, REALIZAÇÃO, VISITA, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DO PARA (PA), OBJETIVO, APURAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, AÇAILANDIA (MA), MARABA (PA), DISCUSSÃO, PROBLEMA, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, CAMPUS AVANÇADO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA (UFPA), CONTINUAÇÃO, DISCUSSÃO, AUTORIDADE, ENTIDADE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, LEITURA, CARTA, COMPROMISSO, ENUMERAÇÃO, PROVIDENCIA, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, REGIÃO.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pela Liderança. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, antes de iniciar o meu pronunciamento, quero registrar a presença, na tribuna de honra desta Casa, de uma comissão de estudantes de Direito da Paraíba, especialmente da grande e valorosa cidade de Campina Grande, estudantes da Universidade Estadual da Paraíba e da Unesc, que, na data de hoje, visitam o Senado Federal.

            Sr. Presidente, venho a esta tribuna para comunicar a este Plenário e a todos os que estejam nos assistindo que, no período compreendido entre 22 e 25 de agosto, a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, realizou uma série de visitas aos Estados do Maranhão e do Pará, com o objetivo de verificar e discutir a questão do combate ao trabalho escravo nesses dois Estados, que são atualmente os recordistas em registros de trabalhadores em condições análogas à escravidão.

            Além de mim, que integrei a comitiva na condição de Presidente da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, dela também fizeram parte o Exmº Sr. Senador Inácio Arruda, Vice-Presidente da Subcomissão; os Deputados Federais Paulo Rocha, do Pará, e Domingos Dutra, do Maranhão; o Subprocurador-Geral do Trabalho, Dr. Luís Antônio Camargo, que representou a Conatrae - Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo; o Secretário de Direitos Humanos do Maranhão, Dr. Sálvio Dino; a Coordenadora do Cejil - Centro pela Justiça e o Direito Internacional, Drª Beatriz Affonso; o Presidente do Forem - Fórum pela Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão, Dr. Ubirajara do Pindaré, além de várias autoridades e representantes de entidades governamentais e não-governamentais que se juntaram à Comitiva em cada uma das cidades visitadas.

            Iniciamos nossa peregrinação pela cidade de São Luis do Maranhão, onde tivemos a honra de sermos recebidos pelo Exmº Sr. Governador Jackson Lago, cuja atuação no combate ao trabalho escravo tem se revelado contumaz e exemplar.

            Aproveito a oportunidade, Sr. Presidente, para agradecer a forma gentil, hospitaleira com que fomos recebidos pelo Governo do Maranhão durante o trabalho da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo.

            O Estado do Maranhão, Srªs e Srs. Senadores, saiu na frente em se tratando de medidas legislativas para coibir a ocorrência de trabalho escravo. Além de criar a Coetrae - Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, o Governo maranhense lançou, no último mês de julho, o Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo. Mas é também no Maranhão, senhoras e senhores, que se encontra uma das mais tristes estatísticas sobre essa questão: dos 37 Municípios brasileiros constantes como locais de nascimento dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo, 24 Municípios são maranhenses, ou seja, 65%.

            E um dos Municípios maranhenses com maior registro de trabalho escravo ou análogo à escravidão é o de Açailândia, e, justamente por isso, foi esse o segundo destino da nossa comitiva. Também nessa cidade, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, encontra-se uma das entidades que mais têm combatido essa terrível chaga em nosso País. Trata-se do Centro em Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, coordenado pela brava companheira Carmem Bascarán, que, ao lado de outros corajosos combatentes, não têm se deixado intimidar pelas constantes ameaças recebidas de grandes fazendeiros ou grandes empresários, que nada mais são que modernos escravagistas que querem, à custa da superexploração e da degradação dos trabalhadores, lucrar de forma exorbitante, fugindo a toda e a qualquer obrigação legal e moral.

            Em Açailândia, realizamos, juntamente com as autoridades locais - Prefeito Ildemar Gonçalves, Vereadores, representantes de várias entidades ligadas aos trabalhadores e aos direitos humanos, como o Centro em Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, a Comissão Pastoral da Terra, a Igreja, o Movimento dos Sem-Terra, sindicatos de Trabalhadores, um seminário sobre as ações realizadas na região para combater essa vergonha que, lamentavelmente, após quase 120 anos da Abolição da Escravatura, ainda assola o nosso País.

            Na ocasião, foi denunciada a dificuldade das entidades de combater o trabalho escravo, seja pela escassez de recursos que lhe são destinados, seja pela falta de ação ou lentidão dos órgãos federais e estaduais ao receberem as denúncias que lhes são levadas ao conhecimento pelas entidades. Na maior parte dos casos, são para entidades como o Centro em Defesa da Vida e Direitos Humanos (CDVDH) e a Comissão Pastoral da Terra que se dirige grande parte dos trabalhadores escravizados que, ao conseguirem fugir das fazendas, corajosamente se dispõem a denunciar seus algozes.

            Srªs e Srs. Senadores, não obstante o incansável e destemido trabalho realizado por essas entidades para acolher esses trabalhadores e para levar às autoridades responsáveis as denúncias que recebem diariamente, a maior parte das denúncias acaba não sendo fiscalizada. Segundo a coordenadora do Centro de Direitos Humanos, 30 denúncias recebidas pelo Centro no período de março a agosto de 2007 ainda esperam a devida fiscalização por parte das autoridades responsáveis.

            É bem verdade, Sr. Presidente, que houve avanços, como a criação da Conatrae e do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Entretanto, ainda estamos muito, muito distantes da erradicação desse terrível problema.

            Impressiona e choca, Srªs e Srs. Senadores, saber que, embora mais de 25 mil trabalhadores tenham sido libertados nos últimos 10 anos, outros mais de 25 mil, pelo menos, ainda continuam sobrevivendo em condições análogas à de escravo.

            E é extremamente preocupante, senhoras e senhores, a constatação de que esses números não conseguem recuar, acenando, muito ao contrário, com uma tendência de crescimento, tal qual evidenciam as últimas estatísticas feitas pelos órgãos e entidades ligados ao combate do trabalho escravo no País.

            O terceiro destino da nossa comitiva, Sr. Presidente, foi o Município de Marabá, onde inclusive V. Exª, recentemente, participou de um audiência pública para discutir questões atinentes à divisão territorial daquela parte do Estado.

            Em Marabá, Sr. Presidente, estão localizadas as mais variadas empresas paraenses que constam da chamada “Lista Suja”, uma lista publicada a cada seis meses, para divulgar a relação de empresas onde foi constatada a existência de trabalhadores em condições análogas à de escravidão. Das 192 empresas constantes da última lista suja, nada menos que 50 estão localizadas no Estado do Pará, o que representa 26% do total em todo o País, envolvendo um total de mais de dois mil trabalhadores.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Em Marabá, visitamos a Subdelegacia Regional do Trabalho, onde nos reunimos com a Subdelegado Regional do Trabalho no Pará, a Subdelegada em exercício, representantes da Ordem dos Advogados do Pará e membros do Grupo Móvel de Fiscalização, que, por sinal, acabavam de finalizar uma operação da qual foram libertados 49 trabalhadores que viviam em situação análoga à de escravos naquele Município e em suas proximidades.

            Na ocasião, foi ressaltada a necessidade premente de contratação de novos auditores fiscais do trabalho já aprovados em concurso público e da realização de novos concursos, uma vez que a demanda de trabalho é infinitamente superior à capacidade dos atuais auditores. Essa é uma situação que a Drª Rosa Maria Campos Jorge, Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, que se juntou a nossa comitiva a partir de Marabá, tem enfatizado reiteradamente, inclusive com um apelo veemente e uma denúncia emocionada e indignada na audiência pública realizada na Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo no último dia 9 de agosto.

            Da DRT, Sr. Presidente, seguimos para a Comissão Pastoral da Terra, onde a Comitiva se reuniu com representantes dessa entidade e mais diversas autoridades da região - Procuradores do Trabalho, Auditores Fiscais - e de outros Estados, além de trabalhadores egressos do trabalho escravo, resgatados pela CPT de Marabá.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Naquele dia, tive a oportunidade, Sr. Presidente, de estar frente a frente com um trabalhador que vive, atualmente, em regime de proteção, após ter conseguido, a duras penas, fugir de uma fazenda no Pará, onde, Srªs e Srs. Senadores, viveu por nada menos que 17 anos em uma situação que em nada se diferencia da escravidão. Contou-me, em um depoimento sigiloso, que trabalhava de sol a sol, sob a mira e a ameaça constante de jagunços, sem receber absolutamente nada, porque tudo que consumia - alimentos, remédios e até mesmo instrumentos de trabalho - era descontado de um suposto “salário” que nunca chegou a receber.

            Confesso, Srªs e Srs. Senadores, que já vi muita coisa triste em minha caminhada de militante pelos direitos sociais, entretanto, poucas vezes fiquei tão completamente chocado e desmoronado como ao fim do depoimento desse pobre jovem trabalhador. E como ele, certamente, ainda existem muitos mais pelo Brasil afora, sobretudo nos Estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde a cada dia se tem mais e mais notícias da existência dessa vergonha que, após 120 anos da abolição da escravatura, ainda persiste em nosso País.

            Em Marabá, fechamos a atividade com um seminário realizado no campus da Universidade Federal do Pará, onde também demos continuidade à discussão com autoridades e entidades sobre a situação atual, as necessidades e as estratégias de atuação a adotar.

            Ao final desse seminário, tal qual o fizemos em Açailândia, foi lida uma Carta Compromisso que, entre outras questões, Sr. Presidente, nos chama a atenção para um conjunto de tarefas e iniciativas, entre as quais destaco:

            1) a necessidade da votação e aprovação da PEC 438, de 2001, que prevê o confisco de terras, sem direito à indenização, em fazendas onde se comprove o uso de mão-de-obra análoga à escravidão;

            2) o compromisso do Governo Federal, dos Deputados Federais e Senadores na aprovação de orçamento e medidas legislativas para viabilizar o efetivo combate ao trabalho escravo;

            3) a criação de agências de empregos rurais (Sines Rurais) como agências oficiais de intermediação de mão-de-obra no campo;

            4) A implementação de programas de qualificação profissional e de educação de jovens e adultos, bem como o fornecimento gratuito dos documentos básicos de identidade da pessoa e do trabalhador;

            5) Apoio governamental ao Projeto Escravo nem Pensar, desenvolvido pela ONG Repórter Brasil, que capacita professores e lideranças sindicais na prevenção do aliciamento de mão-de-obra.

            Sr. Presidente, queria pedir um pouco mais de tempo. Sei que extrapolei, mas se compararmos ao brilhante pronunciamento feito, por 1 hora e 15 minutos, pelo Senador Delcídio Amaral, não é tanto o tempo que estou utilizando para falar de um grave, mas pouco discutido problema que assola o nosso País: o trabalho escravo. Peço a condescendência de V. Exª para me conceder mais tempo, para que eu conclua o meu pronunciamento.

            O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. Bloco/PTB - RR) - A Mesa já lhe concedeu o dobro do tempo permitido. Mas vamos continuar.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exatamente. Aqui se invoca muitas vezes, em determinadas condições, Sr. Presidente, o Regimento, como há pouco foi feito inclusive pelo Senador Renan Calheiros. Lembro a V. Exª que hoje mesmo ouvimos o brilhante pronunciamento do Senador Delcídio, por 1 hora e 15 minutos. Sem dúvida, com aquele pronunciamento, ganhou este Parlamento e ganhou o País.

            Sr. Presidente, a Carta Compromisso discutida nesses seminários, que deverá correr por várias partes do País, será assinada por inúmeros representantes de todas as entidades de Direitos Humanos que estiveram presentes nas atividades desenvolvidas durante essa visita, bem como pelas autoridades federais, estaduais e municipais engajadas no combate ao trabalho escravo em todo o País. Além disso, senhoras e senhores, foi aprovada nos dois seminários que realizamos em Açailândia e no Marabá, bem como na Assembléia Legislativa do Estado do Pará, a moção para que fosse realizado um ato nacional em Brasília, com data a ser definida, para sensibilizar as autoridades competentes a tomar as urgentes e necessárias medidas para erradicar, de uma vez por todas, essa triste chaga que ainda macula a história do nosso País.

            Finalmente, Sr. Presidente, terminamos a nossa peregrinação na cidade de Belém, onde a comitiva também realizou atividades com autoridades estaduais e municipais, entidades de Direitos Humanos e de proteção dos direitos dos trabalhadores, finda a qual nos dirigimos para uma audiência com a Governadora do Pará, a ex-Senadora Ana Júlia Carepa, que, igualmente, reafirmou que a luta pela erradicação do trabalho escravo constitui uma das grandes bandeiras de seu mandato. Anunciou-nos a Governadora Ana Júlia Carepa e a Secretária de Direitos Humanos do Pará, Drª Socorro Gomes, que está prevista para o mês de setembro, a criação da Coetrae - Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo, que, a exemplo do que existe no Maranhão, pretende somar esforços à Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo - Conatrae, para conseguir localizar e reprimir, com mais rapidez e eficiência, os focos de trabalho escravo na região. Comunicaram ainda que será lançado em breve o Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, que prevê uma série de ações, tanto de prevenção quanto de repressão e de atendimento aos egressos do trabalho escravo.

            Dessa forma, Srªs e Srs. Senadores, é com satisfação que podemos anunciar, com entusiasmo e esperança, um saldo bastante positivo das visitas feitas pela Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo aos Estados do Maranhão e Pará.

            Esperamos, da mesma forma, que todo o esforço que tantas entidades, autoridades governamentais e não-governamentais que atuam nessa luta possam contar também com o necessário e imprescindível respaldo daqueles que têm, efetivamente, a possibilidade de reverter esse quadro, a fim de que chegue o dia em que ouviremos falar desses tristes tempos de existência de trabalho escravo ou análogo à escravidão no Brasil, sem nenhuma saudade, sem nenhum orgulho, que não o de tê-lo erradicado definitivamente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era o nosso pronunciamento, com a certeza de que muito precisamos avançar, com o apoio desta Casa e de todos, do Governo e da sociedade que têm compromisso com a erradicação do trabalho escravo.

            Muito obrigado


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/2007 - Página 30338