Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a violência no Estado do Rio de Janeiro.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com a violência no Estado do Rio de Janeiro.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Mário Couto.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2007 - Página 30934
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SUPERIORIDADE, VITIMA, CRIME, ACIDENTE DE TRANSITO, INSUFICIENCIA, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, SEGURANÇA PUBLICA, MELHORIA, SITUAÇÃO, APREENSÃO, TRAFICO INTERNACIONAL, DROGA, CONTROLE, COMUNIDADE, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CONTINENTE, AFRICA, MOTIVO, GUERRILHA, DEMONSTRAÇÃO, SUPERIORIDADE, CRISE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GRAVIDADE, FALTA, SEGURANÇA.
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DEMONSTRAÇÃO, INCENTIVO, ECONOMIA NACIONAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, DESEMPREGO, ECONOMIA INFORMAL, IMPORTANCIA, PROGRESSIVIDADE, IMPOSTO DE RENDA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS, POSSIBILIDADE, RECONDUÇÃO, SOCIEDADE, CONTENÇÃO, VIOLENCIA.
  • CRITICA, IMPRENSA, OMISSÃO, DIVULGAÇÃO, DESEQUILIBRIO, ECONOMIA.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srªs e Srs. presentes neste plenário, minhas saudações! Sejam bem-vindos a esta Casa. Saúdo também os telespectadores da TV Senado e os ouvintes da Rádio Senado.

            Há quase 200 anos, reunimo-nos aqui sob tantas pressões, sob as paixões e ódios arrogados aos políticos no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadores, venho a esta tribuna hoje para tratar da violência no Rio de Janeiro.

            Sinto-me profundamente preocupado em viver numa cidade, junto com meus conterrâneos, em um Estado em que trezentos mil crimes são cometidos por ano.

            Vivi, como missionário, por dez anos na África. Passei pelo Quênia, por Uganda. Meu Deus, quando morei em Moçambique, este era o país mais pobre do mundo, segundo a Organização das Nações Amigas. Moçambique era o país mais pobre do mundo, de Joaquim Chissano! Vivi em Angola (vinte e sete anos de guerra!), Madagascar, Lessuto, Suazilândia, África do Sul, Costa do Marfim, e, no entanto, nunca vi nestes lugares o que vejo no noticiário dos jornais do meu Estado. São trezentos mil crimes cometidos por ano; cento e dezessete mil lesões corporais dolosas; bêbados atropelando pessoas nas ruas; brigas de faca nas comunidades; balas perdidas. Cento e dezessete mil lesões corporais! Não há hospital, não há sistema de saúde que agüente isso, Senador Mozarildo! As emergências vivem lotadas sábados, domingos, segundas, terças, quartas, quintas. Se formos agora ao Souza Aguiar, teremos a impressão de estarmos entrando em um hospital de campanha de uma guerra no Oriente Médio. São cento e dezessete mil lesões corporais dolosas, mais de cinqüenta mil veículos roubados, setenta mil furtos, seis mil e oitocentos homicídios, por que não consideramos homicídios os mais de dez mil corpos encontrados ao relento, jogados na Baía de Guanabara, debaixo dos viadutos, à margem das rodovias, ou nos terrenos baldios. São mais de dez mil corpos que as estatísticas consideram como morte de população de rua. É suspeitíssimo um dado como este!

            O Rio de Janeiro precisa se reencontrar com a paz. Por isso, na última sexta-feira, dia 7 de setembro, realizamos o encontro de um milhão de pessoas, na Praia de Botafogo. Um milhão de pessoas foram fazer uma oração, pedir a Deus pela paz no Estado do Rio de Janeiro. Tive a oportunidade de entrevistar quatro senhoras, que deram o testemunho dos crimes bárbaros, das tragédias que aconteceram com seus familiares. Meu Deus do céu, não havia quem não chorasse naquela vigília.

            Que tristeza ver uma mãe contanto de uma filha, policial, que foi barbaramente assassinada porque os ladrões descobriram que ela fazia parte da polícia. E quando souberam que ela estava grávida, não só a mataram como atearam fogo, incendiaram o carro.

            Um menino de 18 anos, recém formado na Academia da Polícia, que estava no desabrochar da vida, com os olhos fitos no futuro para rasgar nos horizontes a perspectiva iluminada do seu destino, morre em uma poça de sangue que se escoa pelas valas de uma rua do Rio de Janeiro. Isso é doloroso, isso é triste, isso traz uma angústia tremenda, e me faz pensar nos princípios republicanos brasileiros em que estabelecemos esta Federação.

            Um Estado que hoje tem uma arrecadação de mais de R$30 bilhões e que conta com a Força Nacional de Segurança não consegue conter o avanço, o ímpeto dessa turba que já envolve milhares e milhares de pessoas. Cada uma das mais de 800 comunidades carentes do Rio de Janeiro está sendo comandada pelo narcotráfico, e a população vive sob regras impostas pelas facções. Uma criança não pode estudar em uma comunidade de facção diferente, não pode ir ao posto de saúde de uma comunidade de facção diferente.

            Ontem, os Ministros foram alvejados à bala quando passavam de trem! Meu Deus, que horror! Coisas que nunca vi nos anos que passei na África. E olhem que a África, quando passou por seu processo de descolonização, sofreu um processo de balconização, houve uma guerra tremenda. Naquele momento, Senador Paulo Paim, havia líderes africanos, jovens formados na Europa, na Rússia, na Alemanha Oriental, que voltaram para a África com a idéia, talvez com a pior doutrina política que a Europa já concebeu, a teoria das nacionalidades.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Marcelo Crivella, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - Já concedo o aparte a V. Exª, só um instantinho.

            Então, voltaram os jovens líderes africanos, e, em cada espaço geográfico deixado pelo colonizador, queriam formar um estado. Mas o homem africano, Senador Paulo Paim, sempre foi o homem da sua tribo, da sua família, da sua etnia, que devia, basicamente, primariamente, responsabilidade e dever ao seu líder tribal. De tal maneira que não existia o sul-africano, existia o sutho, o xhosa, o tswana, o pedi, o shangane, o suázi. Era o homem da sua tribo. E, de repente, temos negros contra negros. A África era agropecuária, mas chega o líder que quer formar o estado, tem despesa, tem ministério, tem polícia, tem um monte de coisa, e se vê a guerra entre o produtor de riquezas e o produtor de poder.

            E os conflitos começam, para querer se ter um Estado em que as pessoas não se sentem assim. As pessoas são da sua nação, da sua língua, da sua tradição, da sua cultura, da sua comida, da sua roupa, da sua região. Biafra, Nigéria, e vai por tantas outras guerras terríveis, que nós acabamos presenciando e sofrendo.

            O Rio de Janeiro é pior que tudo isso.

            Eu ouço o nobre Senador pelo Pará, Mário Couto.

            O Sr. Mário Couto (PSDB - PA) - Senador Marcelo Crivella, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. Aliás, não é a primeira vez que V. Exª ocupa a tribuna para falar da violência em seu Estado. V. Exª tem a minha admiração porque, por duas ou três vezes, veio mostrar a violência em seu Estado. Eu também, Senador, já ocupei várias vezes a tribuna para mostrar a violência em meu Estado. Sabe qual é a minha grande preocupação? É que a violência no Rio de Janeiro e no Estado do Pará - e somos nós os que mais reclamamos, acredito eu, pelo que tenho visto nesta Casa - já está incontrolável. Esse é meu grande receio. O que aconteceu agora com o trem em que estavam os Ministros é um exemplo de que a situação está realmente sem controle. E isso me preocupa muito. Como vamos conseguir, como o Governo vai conseguir controlar a violência no Rio de Janeiro e no Estado do Pará? Senador Marcelo Crivella, por muito mais vezes, precisamos chamar a atenção do Governo Federal para a violência. Estou muito preocupado, repito. Os bandidos demonstram tanta força às autoridades, que são capazes de intimidá-las. A força dos bandidos é tão grande, que eles têm capacidade de intimidar ministros. Olha aonde chegamos, Senador! Olha aonde chegamos! Não há ninguém seguro neste País. É uma intranqüilidade geral. Mas a sua cidade e o meu Estado, o Pará, realmente, estão entre os mais violentos do País. São os locais, eu acredito, mais violentos do País. Em seu Estado, o Rio de Janeiro, a situação se tornou insuportável e incontrolável, é esse meu grande receio. Por isso, Senador, tenha todo o meu apoio na decisão e no questionamento que V. Exª desejar tomar. Eu estou ao lado de V. Exª.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - Muito obrigado, Senador Mário Couto. Agradeço a V. Exª por se solidarizar comigo no sofrimento do povo do Estado do Rio de Janeiro.

            Ouço o Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Marcelo Crivella, todo brasileiro deve lamentar muito, realmente, ver, por exemplo, uma cidade...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - ...como o Rio de Janeiro, que é a cidade maravilhosa, a capital que orgulha todo brasileiro, pela beleza, pelo povo acolhedor, que tem sido vítima de tanta violência. Mas, Senador Marcelo Crivella, Rio, São Paulo e, segundo o Senador Mário Couto, Belém são vítimas da ausência de uma política de desenvolvimento regional. O Brasil nunca foi planejado para eliminar as desigualdades regionais; o Brasil nunca foi planejado para desconcentrar as ações do Governo. Pelo contrário, foram concentradas no Rio, inicialmente, por ter sido a Capital Federal, em São Paulo, em Minas Gerais, no Pará, o grande Estado da Amazônia. Mas não há investimento nas pequenas e médias cidades. Não há investimento sequer nos Estados mais pobres e periféricos como o meu, o Acre, o Amapá ou Rondônia. Enfim, é a seguinte política: sempre se investe mais em quem é mais rico. Assim, o mais rico fica cada vez mais rico e o mais pobre fica cada vez mais pobre. Com isso, vêm as mazelas sociais que V. Exª está tão bem denunciando daí.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma denúncia sobre o que penso ser a raiz de todas essas angústias que atormentam o cotidiano dos brasileiros no Pará, em Roraima, que é o Estado com menor população, e no Rio de Janeiro, que tem a segunda maior população. Quando V. Exª toca na concentração de poder e renda, penso que precisamos denunciar isso aqui. A mídia, que denuncia tanto os Senadores, que caça tanto os políticos, tem sido leniente ao falar da imensa concentração de poder e renda que existe na sociedade brasileira.

            Hoje, a dívida pública chega a algo em torno de R$1,2 trilhão. Senador Mozarildo Cavalcanti, 80% da dívida pública pertence a 15 mil famílias brasileiras. Quinze mil famílias brasileiras detêm 80% dos títulos da dívida pública, ou seja, mais de R$800 bilhões; 15 mil famílias vão receber, este ano, R$100 bilhões de juros. Será que é possível uma sociedade construir a paz diante de tamanha e abissal desigualdade? E são famílias que até gerariam mais empregos, se fizessem investimentos no setor produtivo. Mas todas investem em juros.

            Segundo estudos do Ipea, 30% da renda nacional é de juros, 8% ficam com os bancos e 22% com as grandes e ricas famílias oligárquicas brasileiras. Vinte e dois por cento da renda nacional são juros das grandes é ricas famílias!

            Quando assistimos a programas de televisão com grandes audiências, e ficam os apresentadores a incentivarem as pessoas a pegarem dinheiro emprestado, com juros a mais de 100%, a fazerem carnês naquelas tantas empresas-arapucas que garroteiam o povo brasileiro, fico pensando: Meu Deus do céu, como vamos construir uma sociedade mais justa, com menos crimes, com mais empregos, com mais crianças na escola, com menos favelas, com menos fome, neste País, se a nossa política econômica ainda é extremamente concentradora de poder e renda?

            Depois, há o segundo Brasil: os proprietários dos 20% restantes da dívida pública, R$10 milhões de brasileiros. Um tem um milhão, outro tem dois, outro tem três, nossos artistas, jogadores que foram ganhar dinheiro no exterior - suaram a camisa, tudo bem - e que têm hoje R$300 bilhões. Mas o terceiro Brasil me preocupa: são 170 milhões de brasileiros, 22 milhões de deficientes, trinta e tantos milhões de aposentados, 18 milhões de jovens, que não estudam nem trabalham, mais de 20 milhões de donas de casa, que trabalham muito, mas não estão na população economicamente ativa, o que sobra para trabalhar neste País são 80 milhões de brasileiros, nossa população economicamente ativa, 10% no desemprego aberto e 25% no subemprego, que são essas pessoas que vemos nas ruas, aos berros, tentando vender alguma coisa para sobreviver. Vinte e cinco por cento estão no desemprego aberto, com toda a política do Governo Lula, com todo o PAC, com todo interesse de se mudar a vida social do nosso País, fazer uma renovação social neste País, enquanto não vencermos essa brutal concentração de poder e renda.

            Quando se fala aqui em Imposto de Renda progressivo, parece que se está falando uma blasfêmia; quando se diz aqui que é preciso que os brasileiros mais ricos, sobretudo os que ganham fortunas em juros, paguem mais, parece que se fala uma blasfêmia. Isso não sai nos jornais. Esse pronunciamento amanhã não vai ocupar uma linha em qualquer jornal importante das capitais brasileiras. Mas um brasileiro comum paga 27,5% de Imposto de Renda; um grande banqueiro milionário, que este ano deve ganhar 10 bilhões de juros, vai pagar 15%, e se multinacionalizou seu capital e investe no Brasil, via empresa estrangeira, vai pagar 0% de Imposto de Renda, porque empresa estrangeira não paga Imposto de Renda sobre investimento financeiro no País.

            E não conseguimos vencer, e continuo como Senador do meu Estado, vendo crianças morrerem, favelas aumentarem, ministros levarem tiros no trem. É um horror, Sr. Presidente!

            Venho aqui, para fazer este desabafo diante do povo brasileiro e clamo à Nação, clamo ao Congresso: o Brasil precisa ser um País menos desigual! Essa é a principal discussão.

            Quando descer daqui, vários jornalistas certamente virão perguntar se vou cassar o Renan amanhã. Quero saber o seguinte: o voto vai ser aberto, o voto vai ser fechado, quem cassa e quem não cassa...

            Queria lembrar aqui um santo chamado... Santo Ambrósio.

            Santo Ambrósio viveu no século IV; era um Santo valente, foi o professor de Santo Agostinho. Santo Ambrósio foi uma vez inquirido por um imperador romano chamado Valentiniano. Ele disse: “Imperador, nas questões de fé não é o Imperador que julga o Bispo, é o Bispo que julga o Imperador.” E, de outra sorte, houve um episódio marcante na história da Igreja - o Imperador era Teodósio. Santo Ambrósio negou-se a ministrar uma eucaristia, porque Teodósio havia feito uma matança em Tessalônica - aquela Igreja que Paulo tinha aberto e para a qual enviou a Epístola aos Tessalonicenses . E Santo Ambrósio disse: “Os palácios são do imperador, mas a igreja é do sacerdote”. Santo Ambrósio foi o precursor da frase que mais tarde a humanidade popularizaria como “cada macaco no seu galho”.

            Cada macaco no seu galho. O Senador é para votar, para fazer leis; a imprensa é para divulgar. Quando o Senador vira vedete e sobe aqui para aparecer e fazer notícia de si mesmo, já não é mais um farol a iluminar um caminho escuro na imensidão negra do mar: é uma árvore de natal, que ilumina a si mesmo; não vale nada, o povo não lhe dá sequer valor. Quando a imprensa quer julgar e condenar, também a ela não se deve dar nenhum valor.

            Senador Paulo Paim, amanhã, cada um de nós cumprirá um dever cívico de imensa responsabilidade. Hão de iluminar a consciência de cada um as palavras de Salomão: maldito aquele que culpa o inocente, mas maldito também aquele que inocenta o culpado. E que se faça justiça nesta Casa, é o que peço a Deus. Que Deus ilumine o Senador Tião Viana, para que essa sessão trágica conduza o Brasil e os brasileiros a um amanhã melhor. 

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2007 - Página 30934