Discurso durante a 161ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a diminuição da pobreza no País e o combate à seca no Piauí pelo Governo Federal. Preocupação com a praga da cochonilha do carmim, cultivada em laboratório da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária, que está infestando as plantações da palma forrageira, importante fonte de alimentação dos rebanhos.

Autor
Efraim Morais (DEM - Democratas/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Considerações sobre a diminuição da pobreza no País e o combate à seca no Piauí pelo Governo Federal. Preocupação com a praga da cochonilha do carmim, cultivada em laboratório da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária, que está infestando as plantações da palma forrageira, importante fonte de alimentação dos rebanhos.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2007 - Página 32268
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), COMENTARIO, SITUAÇÃO, CLIMA, REGIÃO NORDESTE, PREJUIZO, POPULAÇÃO, DURAÇÃO, SECA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, NEGLIGENCIA, ATUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, REGIÃO SUL.
  • APREENSÃO, OCORRENCIA, PRAGA, ALIMENTAÇÃO, ANIMAL, IMPORTANCIA, VIDA, PERIODO, SECA, COMENTARIO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • REGISTRO, APREENSÃO, CRIADOR, INFLUENCIA, PRAGA, REDUÇÃO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, SOLICITAÇÃO, EMPENHO, BANCADA, SENADOR, REGIÃO NORDESTE, SENADO, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, PROVIDENCIA, CONTENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, como tínhamos dois pronunciamentos e para que não usemos tanto tempo na tribuna em função do número de oradores, peço que sejam publicadas na íntegra.

No primeiro, havia duas notícias, ambas publicadas na edição de ontem do Correio Braziliense, que exibem abordagens distintas para uma mesma e crônica questão nacional, qual seja, a pobreza do País. E fala exatamente do Estado de V. Exª no que diz respeito a Municípios que estão em prolongada estiagem. Na minha Paraíba são exatamente 137 dos 223 Municípios.

Lamentavelmente, a situação da seca no Estado de V. Exª não é privilégio dos piauienses, pois todo o Nordeste se encontra na mesma situação. O que estamos observando é aquilo que falou o vaqueiro Salvador, lá do Piauí: “a ajuda aos flagelados é vagarosa, lenta, como o burro que leva, no lombo, os barris e o galão de água”.

Então, eu faço um pronunciamento nesse sentido, e vou pedir a V. Exª que o considere como lido.

O outro assunto também diz respeito à seca, mas, em especial, a uma praga que esta chegando no nosso Nordeste.

Srªs e Srs. Senadores, sabemos todos, por contato direto ou pela imprensa, o quanto é dura a luta pela sobrevivência dos nordestinos que habitam o semi-árido.

Meu caro Senador Garibaldi Alves Filho, eu bem queria que a pressa do Governo para atender a estiagem do Sul fosse a mesma para o Nordeste. Para os nossos irmãos do Sul - e nada tenho contra a que cheguem os recursos -, quando sofrem uma estiagem de 30 dias, o Governo já está pronto para atender. Nós já estamos há cinco meses e, lamentavelmente, continuamos com a nossa seca e, o pior, sem perspectivas para os nossos irmãos nordestinos.

Se, normalmente, a escassez de vários tipos de recursos já traz dificuldades para a população, Sr. Presidente, essas dificuldades são exacerbadas nos períodos das secas. Que cidadão brasileiro deixa de se impressionar com as agruras enfrentadas pelos sertanejos durante as estiagens prolongadas?

Pois bem, Sr. Presidente Mão Santa, V. Exª que é conhecedor e é nordestino, apesar dos esforços privados ou públicos para melhorar as condições de produção e de vida no semi-árido nordestino, há uma série ameaça de que essas condições se tornem ainda mais árduas e difíceis nos próximos anos. Trata-se de uma verdadeira calamidade econômica e social que se anuncia e se avizinha, uma vez que duas das mais importantes fontes de renda da população sertaneja - e, quando falo em sertanejo e nordestino, trato aqui do Cariri, do Curimataú, de todas as regiões atingidas pela seca - estão tendo sua continuidade seriamente ameaçada.

Uma delas, que todos conhecemos muito bem, é a palma forrageira, que constitui uma das principais fontes de alimentação dos rebanhos bovinos, caprinos e ovinos do semi-árido. A outra fonte de renda consiste obviamente na própria pecuária, uma atividade econômica fundamental para o sertão e para o agreste, para todas as regiões atingidas pela seca nordestina e a mais importante fonte de proteína de sua população.

A contribuição da palma forrageira para a nutrição dos rebanhos, Sr. Presidente, torna-se decisiva e imprescindível nos períodos de seca, aos quais a planta resiste muito bem. Além de ser uma excelente fonte de energia, fornece água, que corresponde a mais de 90% de sua composição, e nutrientes essenciais, como a vitamina A, o ferro e o cálcio.

Essa importância ainda é maior para as pequenas propriedades de agricultura familiar, pela facilidade de cultivo dessa cactácea, que se apresenta em três espécies no Nordeste: a palma gigante, a redonda e a palma miúda ou doce.

Os proprietários rurais que cultivam a palma podem utilizá-la para alimentar seus próprios rebanhos ou vendê-la, chegando a obter entre R$ 1,8 mil e R$ 2 mil pela produção de um hectare, nos períodos de seca. Nesses mesmos períodos de escassez, a palma também tem sido utilizada, em proporções ainda reduzidas, para a própria alimentação humana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que se planejava, com base em diversos estudos, aumentar a participação da palma na nutrição dos rebanhos e incentivar também o seu consumo humano, um infausto acontecimento veio reverter essa tendência e passa a ameaçar o futuro da população do semi-árido.

Atentai bem, Senador Mão Santa! Em 1998, a Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária - IPA iniciou uma pesquisa que visava ao aproveitamento econômico no semi-árido nordestino de um inseto originário do México e do Peru, a cochonilha do carmim. Atentai bem, V. Exª, quando esteve no México, conheceu a cochonilha do carmim, utilizada nesses países para a produção do ácido carmínico, matéria-prima de alto valor comercial, utilizado pela indústria de bebidas, alimentos, tecidos e outros.

No entanto, a notícia ruim, Senador Mão Santa, é que o inseto escapou, em pouco tempo, do controle dos técnicos do IPA, ou seja, da Empresa Pernambucana de Pesquisas Agropecuária, e passou a se alastrar pelas áreas rurais dos Municípios de Pernambuco, da Paraíba e, em menor proporção, do Rio Grande do Norte. A vítima imediata de sua expansão foi justamente a palma forrageira, que serve de alimento tanto para a larva como para o inseto adulto, resultando na morte da planta em poucos meses.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a capacidade de disseminação da cochonilha pelo interior do Nordeste superou as mais pessimistas previsões. Quem não se lembra do famoso bicudo? Senador Mão Santa, é pior do que o bicudo. Estima-se que, hoje, a cochonilha já tenha destruído mais de 100 mil hectares de lavoura da palma nos Estados de Pernambuco, Paraíba e, em menor escala, no Rio Grande do Norte, do Senador Garibaldi Alves Filho, e no Ceará.

Muitos criadores estão se antecipando ao risco da escassez de alimentos para rebanhos, vendendo seus animais para corte, o que tem acarretado a diminuição da produção do leite. Para concluir o quadro desalentador, constatou-se que o inseto disseminado não se presta à obtenção do carmim para exploração comercial.

Meus caros companheiros Senadores e Senadoras, recebi recentemente um ofício circular do Secretário de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca na Paraíba. Nesse documento, o Secretário Francisco de Assis Quintans expressa sua preocupação com a “verdadeira catástrofe” econômica e social vivenciada na Paraíba e em Pernambuco em razão da infestação dos palmais. Ao pedir providências que auxiliem no combate à praga da cochonilha do carmim, única saída para salvar a atividade pastoril no semi-árido, o Secretário adverte que a praga prossegue avançando por vários Estados da nossa região.

Não se deve, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, evidentemente, estigmatizar a prestigiosa Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária pelo acidente ocorrido, embora não esteja afastada a possibilidade legal de uma indenização, pelo Governo de Pernambuco, dos prejuízos dele decorrentes.

Ouço o aparte do Senador Garibaldi Alves Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador Efraim, o setor da pesca vem atravessando uma situação muito difícil e vem sofrendo golpes sucessivos pela falta de sensibilidade, sobretudo daqueles dirigentes do Ibama que, muitas vezes, estão extrapolando suas atribuições, impedindo a atividade da pesca, como se ela não fosse tão fundamental não apenas para os pescadores, mas para a própria economia do Nordeste e do País. Aquela providência solicitada com relação à indenização dos compressores, de todo aquele instrumental que estava sendo utilizado pelos pescadores, tudo isso que o Governo prometeu, em forma de medida provisória, infelizmente, o Presidente da República ainda não sancionou o projeto de lei de conversão. E há mais um agravante: essa medida da pesca está contida no projeto de lei que diz respeito ao crédito “indenização por aquisição de insumos para a agricultura”. Portanto, faço um apelo ao Governo Federal para que sancione esse projeto de lei, nascido dessa medida provisória. Congratulo-me com V. Exª, que, mais uma vez, dá demonstração da sua sensibilidade para com os problemas não apenas da Paraíba, mas da nossa região.

O SR. EFRAIM MORAIS (DEM - PB) - Agradeço a V. Exª. Não resta dúvida, Senador Garibaldi Alves Filho, de que a situação da pesca também precisa da nossa atenção. Ela precisa da união das nossas Bancadas para, juntos, combatermos a necessidade de mais incentivo a esses que vivem da pesca - seja a pesca profissional, seja a artesanal -, que é fundamental.

Voltando, Senador Garibaldi Alves Filho, à questão que diz respeito à palma - esse alimento, sem dúvida, fundamental para os nossos rebanhos -, devo dizer, Sr. Presidente, que o momento exige, muito mais do que isso, a união dos Estados nordestinos para combater, incansável e eficazmente, a expansão da praga da palma, que, na realidade, ainda não chegou ao Estado de V. Exª. Esperamos combatê-la antes de chegar. Para essa luta, devem ser mobilizados todos os recursos humanos, tecnológicos e financeiros disponíveis e necessários, contando-se com o apoio imprescindível da União.

Paraíba e Pernambuco, os Estados mais atingidos, vêm procurando unir seus esforços e competências para enfrentar esse grande desafio. Pesquisadores e técnicos das Secretarias de agricultura e pecuária de ambos os Estados, da Embrapa Semi-Árido e dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário têm procurado traçar uma estratégia comum de ação, com o objetivo de prevenir e controlar a praga. Uma campanha de mobilização pretende envolver nessa luta lideranças dos produtores rurais, prefeituras, instituições de pesquisa e de extensão rural dos Estados, além de diversas entidades federais.

A minha preocupação, Srs. Senadores, é que se começa a fazer muitas reuniões, muitos estudos, muitos planejamentos, e a praga vai avançando, e, daqui a pouco, não haverá a menor possibilidade de controlá-la, da mesma forma que ocorreu com o bicudo, quando chegou e dizimou toda a nossa produção de algodão no Nordeste brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, algumas relevantes pesquisas voltadas para o manejo e controle da praga da cochonilha do carmim vêm sendo realizadas por instituições estaduais e federais. A Emepa, Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba, descobriu que o uso de sabão em pó e detergentes biodegradáveis tem um excelente resultado para reduzir a população de insetos na palma, conhecimento que vem sendo difundido entre os produtores.

A Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária, por sua vez, identificou dez variedades da palma miúda que apresentam alta resistência à praga e já distribuiu milhares de raquetes dessas variedades. Infelizmente, a palma miúda ou doce tem menor capacidade de sobrevivência nas secas mais prolongadas, o que restringe os benefícios obtidos com essa forma de controle.

Quanto à atuação do Governo Federal, seja pela Administração Direta ou Indireta, consideramos que ela tem sido tardia e ainda insuficiente, ressalvadas exceções como a da Embrapa Semi-Árido.

Aproveito, Senador Mão Santa, a oportunidade para destacar que a própria imprensa do País, com exceção da nordestina, vem mostrando pouco interesse em noticiar um acontecimento de tamanha gravidade como é a infestação dos palmais do semi-árido por uma praga devastadora.

Daí o meu apelo também aos companheiros da imprensa nacional para que possamos nos unir a essa questão, para que seja divulgada, porque sabemos da importância de quando a imprensa abraça uma causa dessa natureza para que o Governo Federal acorde, para que o Governo Federal tome as providências e para que salve essas plantações e evite que a praga se estenda. Daqui a pouco, estará atingindo todos os Estados, principalmente Pernambuco e Paraíba, por serem divisas; mas amanhã vamos passar para o Rio Grande do Norte, vamos chegar ao Piauí, Maranhão, enfim, a todo o Nordeste, em todas as regiões em que é feito o plantio da palma.

O apoio do Governo Federal, como já afirmei, é imprescindível e decisivo para que os Estados do Nordeste vençam a praga da cochonilha do carmim. Esse apoio deve ocorrer nos âmbitos normativo, técnico-científico, informativo, executivo e financeiro.

Não há dúvida, Srªs e Srs. Senadores, de que os Estados nordestinos e o País têm como vencer a praga da palma forrageira, que já se constitui em sério empecilho às atividades econômicas do semi-árido e ameaça tornar ainda mais difícil a luta do seu povo pela sobrevivência. Esse povo, Sr. Presidente, que enfrenta tantas dificuldades e desafios com bravura, merece um empenho decidido dos governos da União e dos Estados para salvar a palma e os rebanhos que dela se alimentam.

Portanto, Sr. Presidente, deixo aqui este alerta e um pedido ao Governo Federal, ao Ministério da Agricultura: que amanhã não venham dizer que não foram avisados, que amanhã não venham dizer que a praga contra a palma não foi combatida porque técnicos ou a classe política, ou governadores ou quem quer que seja se esqueceu de fazer essa advertência. Faço a advertência, sim, porque tenho certeza de que, caso contrário, nossos rebanhos estarão dizimados também com o final da palma, principalmente na época da seca.

Agradeço a V. Exª pela tolerância, e peço a V. Exª que, na condição de Parlamentar nordestino, se una a esta causa para que, principalmente neste momento, nós, paraibanos e pernambucanos, possamos vencer essa praga da cochonilha, que já chegou ao Rio Grande do Norte e, amanhã, poderá ir para o Ceará e atingir todo o Nordeste brasileiro e, quiçá, todos os lugares do Brasil onde haja algo semelhante. Precisamos de providências do Governo Federal e dos Governos estaduais.

Muito obrigado a V. Exª.

Sr. Presidente, eu queria solicitar a V Exª que nosso primeiro pronunciamento, que trata exatamente da questão crônica do nosso Nordeste, que é a pobreza, fosse dado como lido.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EFRAIM MORAIS.

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O SR. EFRAIM MORAIS (PSDB - MS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, duas notícias, ambas publicadas na edição de ontem do Correio Braziliense, exibem abordagens distintas para uma mesma - e crônica - questão nacional: a pobreza no país.

A primeira, com base em dados da Fundação Getúlio Vargas, informa que ela diminuiu. Seis milhões de brasileiros deixaram a linha da miséria em 2006, o que representa queda de 15% em relação ao ano anterior.

É, segundo o jornal, o melhor resultado desde 1992, ano em que a Fundação Getúlio Vargas iniciou esses estudos - e seria reflexo das políticas públicas que beneficiam a parcela mais pobre da população, como a expansão do Bolsa-Família e os aumentos do salário mínimo.

Como brasileiro e nordestino, não posso deixar de exultar com esses números. A pobreza, afinal, é a maior inimiga de minha região, responsável pelas múltiplas dificuldades que enfrenta.

Não há quem, de boa fé, possa deixar de apoiar medidas que a combatam.

Surpreende-me, no entanto, a notícia seguinte - que, aliás, foi manchete dessa mesma edição do Correio Braziliense.

Refere-se (aspas) “à pior seca dos últimos 24 anos”, tendo por cenário o sertão do Piauí.

Nada menos que 137 dos 223 municípios daquele estado padecem dos rigores da prolongada estiagem, que já dura cinco meses, vitimando, segundo o Correio Braziliense, 1 milhão de pessoas.

Paisagem, personagens e circunstâncias são as mesmas que imortalizaram obras literárias de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida e tantos outros escritores nordestinos.

A diferença é que aquelas obras se referem ao Brasil de 70, 80 anos atrás. E a matéria do Correio Braziliense - belíssima e comovente reportagem da jornalista Paloma Oliveto - trata do Brasil de hoje: do Brasil de setembro de 2007.

O mesmo Brasil que a Fundação Getúlio Vargas garante estar reduzindo os seus índices de miséria.

Diz a repórter que a ajuda aos flagelados é vagarosa, lenta “como o burro que leva no lombo os barris e galões de água”, que o vaqueiro Salvador - um dos personagens de sua reportagem - abastece no que restou de um poço, distante 24 quilômetros de sua residência.

A Secretaria de Defesa Civil do Piauí diz que, sem os recursos federais, é impossível combater o flagelo da seca. E os recursos federais - hoje, como no tempo de Graciliano Ramos e José Américo de Almeida - não chegam.

Em junho passado, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, anunciou que liberaria R$3 milhões para alugar carros-pipa - quantia absolutamente inexpressiva para uma catástrofe de tais proporções, que atinge 1 milhão de pessoas.

Representam R$3,00 por pessoa - e mesmo assim não chegam. O estado da região é de emergência - e não é necessário ser técnico para constatá-lo.

O governo federal sabe que o quadro é crítico, caótico, dramático - e exige urgência. Afinal, o que está por trás dos números e das estatísticas oficiais são seres humanos famintos e sedentos.

Nem por isso, a burocracia estatal parece sensibilizar-se. O jornal informa que os ínfimos e insuficientes R$3 milhões - que representam R$3,00 por flagelado - não têm data prevista para chegar ao destino. Foram prometidos há três meses - e, ainda que fossem enviados no lombo de um burro, daqui de Brasília para o Piauí, já teriam chegado.

Mas foram remetidos à burocracia - e não têm prazo nem para sair, quanto mais para chegar.

Estão neste momento na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), que pretende com eles construir poços artesianos.

Em vez de destiná-los diretamente aos necessitados, com o mínimo de burocracia possível, o Ministério optou inversamente por direcioná-los a uma teia labiríntica digna de uma trama de Kafka.

Vejamos o que sucederá com o dinheiro - a mixaria de R$ 3 per capita, que o Ministério da Integração destinou às vítimas da catástrofe, que o jornal classifica como “a pior seca dos últimos 24 anos”.

O dinheiro originalmente destinava-se à celebração de convênios com o estado, mas o estado está inadimplente - e, desse modo, não pode celebrar convênios com o governo federal.

Estava, pois, estacionado, até que a inadimplência em algum momento fosse resolvida. Nesse ínterim, porém, agrava-se a seca.

Indiferente a ela, a burocracia estatal traça a seguinte e inacreditável estratégia para o encaminhamento dos recursos aos flagelados: inicia um processo de licitação, que depende de licença ambiental prévia (a ser obtida em prazo imprevisível), para, somente após, publicar edital de licitação da obra - que, por sua vez, aguardará ainda mais 45 dias para ser iniciada.

Até lá, quantas mortes e enfermidades serão contabilizadas? Quanto lágrimas serão vertidas?

Até aqui, a ajuda aos flagelados restringe-se a cestas básicas. Quem pode - e poucos podem - paga pelo serviço dos pipeiros, que buscam água em mananciais e barragens, e cobram até R$80,00 pelo galão, suficiente para um mês apenas.

A maioria não dispõe dessa quantia - e é obrigada a fazer como o vaqueiro Salvador, descrito pela repórter: andar quilômetros e quilômetros todos os dias, debaixo de sol causticante de 40 graus, para buscar a água em mananciais cada vez mais raros e distantes.

Esse trágico relato, que a nós nordestinos soa como repetitivo e rotineiro, reforça o apelo que temos feito - e reiterado - ao governo federal no sentido de promover, com a maior urgência possível, as obras de transposição das águas do Rio São Francisco.

É essa a chave para pôr fim ao flagelo multissecular da seca, torná-la tema do passado, confinado aos livros clássicos da literatura regional.

Sabemos, porém, que o projeto da transposição enfrenta resistências e incompreensões - umas decorrentes de desinformação, outras de má-fé e outras ainda das duas coisas somadas: desinformação e má-fé

Temos reconhecido e louvado, nessas oportunidades, a determinação pessoal do presidente Lula em não recuar. Como nordestino, sabe o presidente da importância e dimensão sócio-econômica dessa obra.

E sabe que está respaldada em sólida base técnica. Transpor bacias, sangrar rios, servir-se, em suma, com critério, da natureza para atender às demandas humanas mais essenciais - e nada é mais essencial que a água -, é algo que remonta aos primórdios da humanidade.

Há, hoje, em todo o mundo, cerca de 100 obras similares, até porque a escassez de água doce é um dos grandes desafios antevistos para a humanidade no milênio que se inicia.

O projeto da transposição das águas do Rio São Francisco, que já fora cogitado desde o tempo do Império, foi encaminhado à discussão pública desde o governo José Sarney, há duas décadas.

O projeto foi bem aceito pela sociedade, dada a relativa rapidez de resultados que pode proporcionar, a um custo razoável, tendo em vista as dimensões da obra.

Mas, como já disse, há obstáculos. Setores políticos dos estados doadores - Bahia, Sergipe e Alagoas - reagem como se estivessem sendo espoliados, privados de um bem ambiental, quando, obviamente, nada disso ocorrerá.

O Rio São Francisco não será danificado, nem deixará de banhar e abençoar os estados que têm o privilégio de tê-lo em seu território.

A transposição possibilitará apenas que estados vizinhos - e irmãos - compartilhem essas bênçãos, minorando o sofrimento de milhões de brasileiros, que, a exemplo dos piauienses descritos na reportagem do Correio Braziliense, padecem a tortura da estiagem prolongada, sem acesso a socorros emergenciais, condenados a submeter-se ao ritmo e à insensibilidade da burocracia estatal.

Há estudos ambientais seriíssimos viabilizando a transposição, garantindo seu aproveitamento conseqüente e consistente, sob a guarda das mais severas normas técnicas. Portanto, não há por que temer a obra. Ela é de interesse nacional - e não apenas regional.

Se inúmeros insumos e matérias-primas - como carvão, petróleo, algodão - transitam de um estado para outro da federação, fazendo circular riqueza e desenvolvimento, sem barreiras alfandegárias ou custos adicionais, por que não a água, que é o bem mais precioso da vida?

A Paraíba, meu estado, assim como o Piauí, descrito na matéria que aqui mencionei, e também Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Maranhão, anseiam por essa obra, que para milhões e milhões de conterrâneos, milhões de sofridos brasileiros, será o diferencial entre a miséria e a dignidade humana.

Entre a morte e a vida.

Nosso desejo - e isto está bem acima de divergências partidárias, ideológicas ou regionais - é que a redução da pobreza em nosso país seja uma constante. E que os próximos números da Fundação Getúlio Vargas sejam ainda mais expressivos que os de agora.

Nesse sentido, não temos dúvida de que as obras de transposição do São Francisco serão um marco histórico absolutamente vital na erradicação da pobreza em nosso país.

Por isso mesmo, não faz sentido a demora em iniciá-la. O Nordeste tem pressa, Presidente Lula. A fome e a sede não podem esperar.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2007 - Página 32268