Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de uma reforma educacional, passando para a esfera federal as atribuições da realização dos concursos públicos e a definição dos salários da carreira de professor.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa de uma reforma educacional, passando para a esfera federal as atribuições da realização dos concursos públicos e a definição dos salários da carreira de professor.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/2007 - Página 32407
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, MOBILIZAÇÃO, BRASIL, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, IMPLANTAÇÃO, REPUBLICA, DEFESA, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, NECESSIDADE, EMPENHO, SOCIEDADE, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, SISTEMA DE EDUCAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, ESTUDANTE, AUMENTO, OPORTUNIDADE, EMPREGO.
  • DESAPROVAÇÃO, MODELO, SOCIALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, INSUCESSO, IGUALDADE, EDUCAÇÃO, LIMITAÇÃO, OPORTUNIDADE, POPULAÇÃO, COMENTARIO, HIPOTESE, BRASIL, ADAPTAÇÃO, IDEOLOGIA, PADRONIZAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, RESPEITO, LIBERDADE PESSOAL, POSSIBILIDADE, MELHORIA, CLASSE SOCIAL.
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, MODELO, EDUCAÇÃO, POSSIBILIDADE, INTEGRAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, ESTUDANTE, FAMILIA, PROFESSOR, IMPORTANCIA, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, SUGESTÃO, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, CURTO PRAZO, ESCOLHA, MUNICIPIOS, COMENTARIO, SITUAÇÃO, LONGO PRAZO, AUMENTO, ABRANGENCIA, SISTEMA, ACOMPANHAMENTO, SUCESSÃO, GOVERNO, GARANTIA, AUTO SUFICIENCIA, ENSINO.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, MUNICIPIOS, OBJETIVO, DIVULGAÇÃO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, FAVORECIMENTO, PROGRESSO.
  • DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, SALARIO, CONCURSO PUBLICO, PROFESSOR, NECESSIDADE, PADRONIZAÇÃO, NIVEL, EDUCAÇÃO, BRASIL, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim aqui preparado para fazer um discurso lembrando que hoje é o Dia do Portador de Deficiência, aquele que precisa de atendimento especial para ter a mesma chance dos outros, mas, depois de ouvir o discurso do Senador Marco Maciel, creio que seria equívoco meu não seguir sua liderança no tema que trouxe.

Vou tentar, independentemente de depois fazer um discurso sobre os portadores de deficiência, trazer o debate que o Senador Marco Maciel fez aqui, agarrando uma idéia, Senador Mão Santa: a de que, no lugar do movimento “Cansei”, façamos o movimento “Despertei” neste País. Todos falam que cansaram, há um movimento organizado. E o despertar? Quando é que vamos despertar não apenas para a realidade brasileira, mas também para os caminhos para resolver os problemas da sociedade brasileira?

Creio que, por razões que dificilmente sabemos quais são, cada um de nós desperta em algum momento. Uns despertam e dizem que a saída é a reforma agrária; outros dizem que a saída é o desenvolvimento; outros dizem que a saída é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); outros dizem que a saída é uma ponte. Creio que, por algumas circunstâncias - certamente, entre essas, está a leitura de Joaquim Nabuco -, desde a minha juventude, aos poucos, tive um processo de despertar para que o caminho de hoje, no lugar do abolicionismo, que cumpriu seu papel em 1888, fosse o educacionismo. Tentamos a abolição; houve o republicanismo, o independentismo, o desenvolvimentismo, o democratismo; fizemos as lutas todas de que este País precisava e tivemos êxito. Senador Gilvam Borges, tivemos êxito, não fracassamos em nada dos objetivos: a abolição foi conquistada, a república foi conquistada, a independência foi conquistada, o desenvolvimento foi realizado, a democracia está aí.

Por que estamos cansados? Estamos cansados da corrupção, da violência, da desigualdade, da desorganização, da ineficiência. Por quê? Estamos cansados, porque, mesmo com tudo isso feito, não deu resultado. Alguns ainda insistem em dizer que isso se dá por que não tentamos o socialismo, mas quero dizer que as experiências socialistas que existiram no mundo não são exemplos que devem ser seguidos aqui. Podemos inventar outro exemplo, mas não seguir aqueles. Enquanto não inventarem outro exemplo, o que nos despertará? O que traria para o Brasil a garantia da mesma chance para todas as crianças do País, desde o dia em que nascem até o dia em que se vão? O que traria isso?

Joaquim Nabuco, lembrado pelo Senador Marco Maciel, trouxe uma idéia que era determinante para garantir a mesma chance naquela hora. Naquela hora, a mesma chance viria com a não escravidão neste País. Era isso que dava a mesma chance a todas as crianças, porque elas se dividiam entre as brancas e as negras, entre as indígenas e as brancas. Se acabássemos com a escravidão, toda criança teria a mesma chance, mas esquecemos que uma criança, um ser humano, não é produto apenas do nascimento, da biologia, mas é produto também da formação, da educação. A gente esqueceu que não bastava acabar a escravidão para garantir a mesma chance. E aí alguns disseram: “Mas garantimos a mesma chance pelo crescimento econômico, que vai dar emprego, e todo mundo terá um salário e, pelo salário, será igual”. Erramos. Erramos, não porque estávamos errados, mas porque o mundo mudou, e hoje não há mais emprego para todos. Os que existem são para quem tem qualificação. Erramos. Erramos acertando, isso é que é interessante. Acertamos com a abolição, acertamos com o desenvolvimento, mas eles eram insuficientes.

Senador Adelmir Santana, o mundo mudou, de tal maneira que, hoje, o desenvolvimento não gera emprego suficiente e, quando gera, serve para quem tem formação. Na época em que era o escravo que tinha emprego, eram necessários tantos escravos, que tínhamos de mandar buscá-los na África. E o escravo chegava aqui sem nunca ter visto uma enxada. Colocava-se uma enxada em suas mãos, e ele trabalhava imediatamente. Zero de formação e de educação! Depois, nossa geração vinha do Nordeste para São Paulo - já não era mais da África para Pernambuco -, e não bastava colocar uma máquina fresadora na frente deles; eles tinham de passar pelo Senai, que o Senador Adelmir Santana conhece tão bem! Nossos nordestinos chegavam a São Paulo, eram agarrados e levados para um emprego sem qualificação, faziam um pequeno curso e viravam operários especializados. Saímos dos braços escravos e caímos nas mãos dos operários.

           Não é mais tempo de operário. Hoje, o proletariado não é mais a categoria que era. É tempo de operadores com os dedos. Eram os braços que produziam, passaram a ser as mãos, e, hoje, são os dedos que apertam digitalmente as coisas para que o mundo mude. Bastam os dedos, não mais a força das mãos ou dos braços! Só que há uma diferença: para usar os dedos, é preciso formação intelectual qualificada. É a formação, é a educação que é capaz de fazer com que as pessoas tenham um emprego de operadores, já que poucos serão os empregos de operariado.

Por isso, agarro o mote do Senador Marco Maciel. Nós nos conhecemos - não vamos dizer há quantas décadas - desde as lides estudantis pernambucanas.

O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE. Fora do microfone.) Desde os anos 60.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Desde os anos 60? V. Exª foi modesto. Nós nos conhecemos desde o começo dos anos 60.

Agarrando o mote de V. Exª, Senador Marco Maciel, creio que, hoje, o abolicionismo seria o educacionismo. O capitalismo, o socialismo e o desenvolvimentismo, se querem construir um mínimo de utopia, não mais a utopia da igualdade plena que o socialismo prometeu - essa, além de falsa, não é necessária -, deverão dar a mesma chance para que alguns utilizem seu talento, sua persistência, sua vocação, e alguns serão mais do que outros, mas nenhum vai ser excluído na hora em que a educação for igual para todos.

É do movimento educacionista que precisamos, um movimento que diga que a educação é o instrumento, o vetor, o motor que vai levar o País a construir-se, como queria Joaquim Nabuco, como queria Getúlio Vargas, como queria Juscelino Kubitschek, como queriam aqueles mais próximos que lutaram pela democracia, como Ulysses Guimarães. Todas aquelas lutas, hoje, a meu ver, seriam coroadas com a idéia do educacionismo.

É óbvio que esse educacionismo garantiria a mesma chance entre classes, mas, na crise atual, é preciso um movimento para garantir a mesma chance entre gerações, porque, se educarmos todos os brasileiros hoje, sem cuidarmos do meio ambiente, daqui a trinta anos, vamos estar todos fritos - desculpe a expressão - pelo aquecimento global. São de duas pernas do educacionismo que precisamos: a perna da mesma escola para o pobre e para rico. Por isso, é utópico, é radical.

Não se deve apenas melhorar a educação, como esse Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que está aí, a merenda e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) ajudaram. Não, não se trata apenas de dar um pequeno passo. É preciso a radicalidade, Senador Adelmir Santana, de dizer que, neste País, ao nascer, nenhuma criança terá, em relação a qualquer outra criança, uma escola pior ou melhor. Isso é radical, mas é um radicalismo que não desapropria nada, que não põe a educação de cabeça para baixo, que não ameaça os privilégios que aí estão, mas que vai exigir que se estude para se ter privilégio no futuro. É uma revolução que não precisa de armas, em que não se precisa tomar nada de ninguém, em que não se precisa estatizar nada. Defendo que até a escola pode ser pública sem ser do Estado, administrada pelos pais e pelos professores, com a ajuda das crianças, sobretudo no ensino médio. Pode ser gerenciada pelo setor privado, mas cumprindo as metas que a gente quer, para que a qualidade seja a mesma, independentemente da classe e da cidade.

O Brasil tem desigualdades brutais na educação: por classe social, os filhos dos ricos e os filhos dos pobres; por cidades, as cidades pequenas dos Estados pobres - por coincidência, são os Estados dos Parlamentares que aqui estão; pelo menos, são os nossos Estados de origem - e as cidades ricas dos Estados cujos Prefeitos, por tradição, sobretudo, dão importância à educação, como é o caso dos Estados do Sul.

O educacionismo e a ecologia bem trabalhados são, Senador Mão Santa, as pernas de um Brasil onde as chances sejam iguais para todas as crianças, para todas as pessoas, que é o que Nabuco queria. Mas, no tempo dele, repetindo, bastava acabar com a escravidão, que a chance era igual para todos. No nosso tempo, a escravidão continua sob formas disfarçadas, porque os 16 milhões de brasileiros adultos que não sabem ler vivem na escravidão: a escravidão de tomarem um remédio sem saber se é o certo, porque não sabem ler a palavra “aspirina”; a escravidão de sentarem à mesa de um restaurante - e isso ocorre só se alguém pagar para eles, porque os analfabetos dificilmente comem em restaurantes com seus recursos - e de pedirem a comida só por que alguém leu para eles; a escravidão de quererem encontrar a rua onde mora o irmão e de terem de acreditar que a rua onde estão é aquela que consta da placa que alguém lê para eles. São escravos nos tempos de hoje os que não sabem ler, sendo adultos; são escravos os que não terminam o ensino médio com qualidade, salvo raras exceções de pessoas geniais que existem, que não precisam de educação formal e que, mesmo assim, dão um salto - essas são exceções.

O abolicionismo hoje seria a escola igual para pobre e para rico. A Lei Áurea da nossa Legislatura - até perguntei ao Senador Marco Maciel qual seria hoje -, a Lei Áurea da nossa geração não é mais uma lei com um artigo, como aquela assinada em 13 de maio de 1888 pela Princesa, e com outro artigo que dizia “cumpra-se esta lei a partir de hoje”. Não! Hoje, a Lei Áurea vai exigir muitas leis, muitos artigos, muito tempo. Não vai ser no dia seguinte, no dia 14 de maio, que vamos ter essa chance, pois, para alcançarmos isso, levaremos 15 anos, talvez mais de 15 anos.

Mas podemos fazer isso rapidamente, por cidades. Escolhemos um conjunto de cidades e, em um ano ou dois anos, nós as revolucionamos, garantindo que terão a mesma escola para todos os seus filhos crianças, porque os adultos já não vão conseguir acompanhar isso igualmente; não há milagre. Em dois anos, fazemos isso. Se podemos fazer isso em uma cidade em dois anos, podemos fazê-lo em 200 cidades em dois anos; podemos fazê-lo em mil cidades em quatro anos - mais que isso, não acredito -; podemos fazer isso em 5.561 cidades em 15 anos ou em 20 anos. Na hora em que algum Governo fizer com que mil cidades tenham todas as escolas com a mesma qualidade, com suas praças voltadas para a educação, com um pequeno teatro, com uma orquestra, com uma biblioteca - a cidade inteira educacionista, atendendo ao educacionismo -, não pararemos mais. E os outros Governos continuarão a fazê-lo, como todos os Governos continuaram a construção de Itaipu, como todos os Governos continuaram a construção e a consolidação de Brasília, como todos os Governos continuaram a respeitar a Constituição.

Há, sim, no Brasil, coisas que se mantêm respeitadas. Há 50 anos, lutamos para conseguir a auto-suficiência do petróleo. Quantos Governos foram! E um depois do outro, um depois do outro, todos foram cumprindo, dando passos necessários para chegarmos a essa tal de auto-suficiência. Por que não podemos fazer o mesmo com sucessivos Governos, construindo a auto-suficiência intelectual, a auto-suficiência da educação igual para todos? Isso é possível.

Agradeço-lhe, Senador Marco Maciel, porque eu vinha falar de uma coisa e desviei para falar desse assunto. Quero lhe dizer que esse educacionismo só vai para frente, como foi o abolicionismo, se aqui houver educacionistas, como houve os abolicionistas.

Olhei no dicionário - o senhor é da Academia Brasileira de Letras, preciso falar até com respeito - e vi que não está escrito “educacionismo” nem “educacionista”; está escrito “educador”. Mas educador, Mão Santa, é aquele que sabe fazer a escola em que ensina boa. O educacionista é aquele que luta politicamente para fazer todas as escolas boas no País inteiro e até no mundo inteiro. A gente precisa despertar para o educacionista, precisa despertar para o educacionismo e caminhar como educacionistas.

E é por isso que, mais uma vez, tirando proveito da fala do Senador e dando continuidade a ela, quero dizer que tenho muito orgulho de pertencer a esta Casa, de estar aqui nesses debates, de fazer parte dessas falas. Mas, hoje, o que mais me orgulha mesmo como Senador é o que estou fazendo fora daqui, indo de cidade a cidade, como educacionista; é o que estou fazendo, indo de cidade a cidade, caminhando no centro, carregando uma bandeira em que está escrito “educação é progresso”.

Foram 36 cidades, Senador Marco Maciel, em que caminhei nesses últimos meses, desde 25 de março. Começamos a caminhada em Fortaleza, porque o Ceará foi o Estado que aboliu a escravidão em primeiro lugar, em 1881, antes do resto do Brasil. A segunda caminhada foi em Redenção, uma cidade próxima a Fortaleza, que fez a abolição antes dela, em 1881. Fortaleza fez a abolição em 1884. E ali fizemos as duas primeiras caminhadas. De lá para cá, foram 36. Amanhã, vamos caminhar em Indaiatuba, no Estado de São Paulo. Na segunda-feira, caminharemos em Macaé, no Rio de Janeiro. Em cada uma dessas cidades, o que fazemos é debater o assunto de que, hoje, o abolicionismo se escreve com “e” de “educacionismo”, de que o abolicionista hoje é o educacionista e de que precisamos fazer com que esta Casa perceba que, se não trabalharmos essa ou outra idéia, ninguém, Senador Marco Maciel, daqui a 120 anos, vai fazer um discurso, como o senhor fez hoje, lembrando Nabuco; ninguém vai fazer um discurso, lembrando, como o senhor fez hoje, o 13 de maio de 1888, no século XIX, porque não vamos deixar marca. Ou será que alguém vai fazer um discurso, daqui a 120 anos, lembrando que prorrogamos a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)? Ou será que alguém vai fazer um discurso, daqui a 120 anos, lembrando que fizemos uma sessão secreta? Só se for para falar mal de nós, mas não para nos glorificar.

Costumo lembrar a oportunidade do 13 de maio, que foi a última vez que jogaram flores das galerias nos Senadores. Isso se deu em 13 de maio de 1888. Hoje, se não fosse a competência dos nossos seguranças, estavam jogando ovos e pedras em nós, mas, em 1888, jogaram flores. As atas mostram isso.

Qual é a nossa Lei Áurea, que não será uma lei mas um conjunto de leis, uma proposta? Se não formos capazes de ter a competência política para elaborar esse conjunto - às vezes, uma boa idéia chega na hora errada, muito cedo ou muito tarde -, se não formos capazes de transformar uma idéia em ato político, pelo menos debatamos o assunto, pelo menos falemos do assunto, pelo menos levantemos a bandeira - e defendo a do educacionismo -, levantemos a militância - e defendo a do educacionista -, para que possamos, se não deixarmos aqui a marca de políticos competentes para transformar idéias em fatos, pelo menos deixar a marca de lançarmos as sementes, para que as próximas gerações...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Mão Santa, permita-me concluir o pensamento. Que lancemos as sementes, para que as próximas gerações sejam capazes de mudar nossas idéias ou de trazer outras melhores - porque as nossas podem ser falhas -, mas, sobretudo, de transformar idéias em atos! Esse, sim, é o desafio de uma casa política.

Nesse caso, apesar de até concordar com o Senador Mão Santa quando diz que este é um dos melhores Senados que já existiu - de vez em quando, concordo com isso, mas, às vezes, não, Senador Mão Santa; depende do dia em que passo aqui -, de qualquer maneira, espero que um Senado que não demore muito, alguma Legislatura nova seja capaz de merecer, daqui a 120 anos, elogios, lembranças, como fez o Senador Marco Maciel em relação ao nosso “pernabucano”, como eu disse, Joaquim Nabuco.

Eu teria terminado meu discurso, mas passo a palavra ao Senador Mão Santa, que pediu um aparte.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, há uma admiração muito grande por V. Exª. V. Exª pensa bem, agora tem de agir bem. V. Exª é Senador da República e engrandece este Senado. V. Exª revive João Calmon, Pedro Calmon e Darcy Ribeiro. Mas atentai bem para o que vi em um programa político recentemente! Ontem, eu estava indignado. Che Guevara, da nossa geração, médico como eu, disse: “Se és capaz de tremer de indignação contra uma injustiça, em qualquer lugar do mundo, és companheiro”. E, ontem, eu estava com um jornal na mão e li que a Prefeita de Fortaleza, que é do PT, paga R$700,00 a um médico. Paga R$700,00 a um médico! Então, tremi de indignação. Sou companheiro de Che Guevara; Luiz Inácio não o é, porque não sabe dessas coisas. São R$700,00! Trabalhei nesse pronto-socorro como acadêmico. Fiz concurso. Aliás, tirei o primeiro lugar como acadêmico. Era o quinto ano ou o sexto ano. Na ditadura, Murilo Borges, um prefeito militar que havia lá, dava um salário e meio para mim, acadêmico. É o que os médicos ganham hoje. Mas isso chega a V. Exª, para que trema de indignação e parta para a ação! Vi um programa político - estou até pensando em sair para esse Partido - que dizia: “E as professoras?”. Ganham a metade dos médicos! Ora, se os médicos estão com um salário de R$760,00, elas ganham um quarto do salário do soldado, um vigésimo do salário do pessoal da Justiça. V. Exª sabe que aqui nos curvamos, debruçamo-nos contra uma tsunami que passou aqui: o povo da Justiça está lá em cima no nível salarial; os professores, lá embaixo. Então, vamos igualar. E quero lhe dizer que estamos aqui e que este é um dos melhores Senados da República. E digo o porquê: em mais de 180 anos, nunca este Senado abriu nas sextas-feiras, e nós estamos aqui. Quis Deus estivesse na Presidência o Senador Marco Maciel, o Joaquim Nabuco de hoje! Está ali, figura respeitadíssima. Ontem, houve um evento: este Senado foi ao Rio de Janeiro, na Bienal. Lançaram um livro do nosso Paulo Duque, em que ele faz um estudo sobre eloqüência, sobre oratória, e busca alguns pronunciamentos. Está lá o de Marco Maciel, o que não nos surpreende, porque ele é da Academia Brasileira de Letras; a surpresa foi a de ele incluir um discurso que fiz sobre a maior data da história do País, a Guerra do Jenipapo, quando enfrentamos os portugueses. Então, é um Senado que marca sua presença de ética e de dignidade. Mas vou dar um quadro para V. Exª. V. Exª é um líder. Quero ser seu liderado; quero ser o Cirineu de V. Exª. Lembro-me daqueles discos em 33 rpm. Não há mais aqueles discões, não é? Eram de rotação 33. Não havia rotação 45? V. Exª está na rotação 33, e quero lhe botar doidão, na de 78. Vou lhe dar um quadro. Quando eu era prefeitinho de Parnaíba, havia uma grande multinacional chamada Merck Darmstadt, de Manuel Merck. Era uma multinacional de medicamentos, e fui convidado para ir lá. Havia uma fábrica no Piauí, na minha cidade, Parnaíba. Fazia pilocarpina, do jaborandi. Aí botaram como intérprete meu o Professor Basedow, diretor químico da Merck, porque ele tinha andado aqui na América Latina. Aí, numa hora lá, ô Marco Maciel, virei para ele e disse: “Vem cá, ô Professor Basedow. Você não é diretor da Merck, poderosa, rica?”. Aonde eu chegava, nunca tive tanta mordomia! Foi bom! A Merck pagava, não é? Eram os melhores hotéis, os melhores teatros, os melhores restaurantes. Aonde ele chegava, diziam: “A mesa do Professor Basedow!”. Era a melhor mesa. No teatro, diziam: “Professor Basedow!”. E lhe era dada a melhor cadeira. Estava o trânsito complicado, diziam “Professor Basedow!”, e o trânsito se abria. Aquilo me impressionou, e eu disse: “Rapaz, você não é diretor químico da Merck?”. Ele disse: “É...”.

(Interrupção do som.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Está vendo? Até para defender o Professor, falta o som. Aí ele disse: “Uso o título de professor, porque é o título mais honroso, mais respeitável na Alemanha. E eu o uso com direito, porque fui professor de Heidelberg. Nos meus primeiros dez anos, fui professor de Química. Para usar o título, toda semana, vou lá dar uma aula de Química; não recebo, só o faço para poder usar esse título”. Ele era poderoso economicamente, diretor da Merck - V. Exª imagina! -, mas o título mais honroso, o que tem mais respeito na Alemanha, é o de professor. Então, vamos começar essa campanha logo de igualdade salarial. Os próprios magistrados têm de se mancar que são magistrados por que tiveram professores. Então, vamos começar uma campanha com uma lei: salário justo e igual para os pobres professores do Brasil. E que nossos brasileiros e brasileiras respeitem e aplaudam os professores, como ocorre na Alemanha!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço.

Senador Marco Maciel, considerando que é tão raro o debate aqui - em geral a gente tem discurso, não tem debate -, e uma sexta-feira é um dia mais tranqüilo, gostaria de ter mais tempo para poder debater um pouco o que o Senador Mão Santa trouxe. O senhor permite?

O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE) - Nobre Senador Cristovam Buarque, há outros oradores inscritos e o Senador Gilvam Borges está aí, pela ordem, aguardando uma oportunidade. Mas concedo a V. Exª mais dois minutos...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Está bom!

O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE) - ... para que V. Exª possa concluir. Depois, eu gostaria de fazer um breve comentário sobre o discurso de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Está bem!

Quero dizer, Senador Mão Santa, que essas idéias já estão elaboradas aqui dentro e correndo, porque, na idéia do “educacionismo”, defendo que o salário do professor brasileiro seja um salário federal, e o concurso para ser professor, federal também. Como no Banco do Brasil! O funcionário do Banco do Brasil ganha o mesmo salário, não importa a cidade aonde ele vai. Tem uns adicionais conforme o custo de vida, mas ele passa no concurso federal.

A carreira do professor tem que ser federalizada neste País. Agora, não dá para o Governo Federal adotar 2 milhões de professores. Sejamos realistas. Além disso, sem uma boa formação, esses professores não vão conseguir o salto educacional de que necessitam nossas crianças. Então, isso tem de ser feito por cidades.

Não tenho razão para defender a Prefeita de Fortaleza, mas ela talvez tenha dificuldades de pagar mais que isso. Muitos prefeitos não têm condições de pagar mais do que pagam. O senhor foi Prefeitinho e lembra como era difícil pagarmos salários muito maiores, como gostaríamos. É preciso haver a federalização da educação no Brasil! Essa é uma bandeira do “educacionismo”.

Já pensou se Nabuco defendesse que cada Estado abolisse ou não a escravidão conforme quisesse? Não, ele defendeu que o Brasil inteiro abolisse a escravidão.

A gente tem de defender que o Brasil inteiro tenha uma educação de qualidade, com a seriedade de dizer que levará quinze anos. Por isso, a gente escolhe cidades num processo, mas nacional a educação em cada uma dessas cidades.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Marco Maciel,...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu temo pelo tempo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - ...usando da tolerância de V. Exª, que é o senhor tolerância, mas é de interesse dos professores. Só queria dizer que estamos num retrocesso. Fui Prefeitinho justamente quando começava a nova Constituição, em 1989. A Prefeitura recebeu um dinheiro federal para complementar, antes dessa Constituição, salário de professor. Quer dizer, estão piorando a participação e a responsabilidade do Governo Federal para com os professores.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, para concluir, agradeço o seu discurso, que provocou o meu, e lembro o que falei aqui: em vez de cansar, está na hora de despertar o Brasil. Basta de gente cansada! Vamos despertar. E, depois de tantos fracassos para construir o Brasil que a gente deseja, por que não tentarmos esta idéia do “educacionismo” no lugar do abolicionismo de 120 anos atrás: toda escola igual, não importa a raça, não importa a classe social ou a cidade de onde veio a criança?

E convidar todos os que estavam cansados e que quiserem despertar para que se transformem em “educacionistas”, como Joaquim Nabuco foi abolicionista. E venham caminhar! Amanhã, vou caminhar em Indaiatuba. Quem for de lá venha caminhar também, dizendo ao Brasil inteiro: “Educação Já!”, como a gente disse, há alguns anos: “Abolição já!” e “Diretas Já!”.

O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Cristovam Buarque, desejo associar-me à manifestação de V. Exª e lembrar que Joaquim Nabuco tinha plena convicção de que a obra da abolição só se completaria com a da educação, pois entendia não bastar libertar o escravo. Ele disse várias e várias vezes em discurso que não bastava libertar o escravo. Era necessário dar-lhe o que hoje chamamos de inserção na sociedade, ou seja, condições de educação e soberania, de inclusão no mercado de trabalho, enfim, realizar-se como cidadão em toda a sua plenitude. Daí por que o discurso de V. Exª guarda - perdoe-me a expressão - completeza com a obra de Nabuco.

Aproveito a ocasião para lembrar que esse projeto de lei, que denomina 2010 o ano de Joaquim Nabuco, apresentei-o com essa preocupação de permitir uma releitura da obra de Nabuco, que tem lições muito úteis para questões já resolvidas, como a da abolição da escravatura stricto sensu, mas muitas outras que podem “vertebrar” o futuro do País. Quanto a isso, estamos irmanados também pela “conterrania”, porque ambos pernambucanos. Uma vez Bernardo Pereira Vasconcelos, grande Senador do Império, disse que a pátria começa no solo onde se nasce. Nós nascemos no mesmo solo, talvez imbuídos daquela mesma vocação, daquela mesma compreensão que teve Joaquim Nabuco sobre a importância do desenvolvimento social do País.

Quero cumprimentar V. Exª pelo discurso que acaba de proferir e dizer que de fato, mais cedo ou mais tarde, as palavras que utilizou, como “educacionismo”, estarão devidamente verbetadas nos dicionários de nosso País. O Português é uma língua relativamente jovem, se comparada a tantas outras. O brasileiro sempre acolhe palavras novas em seu dicionário. Certamente essa, V. Exª verá muito breve inserida nos textos dos grandes dicionários brasileiros. Parabéns a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu só lamento que essa palavra seja nova. Se ela tivesse 100 anos, o Brasil seria outro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/2007 - Página 32407