Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato sobre a participação de S.Exa. em eventos pelo País, na denominada Campanha "Educação Já". Alerta sobre distanciamento das instituições político-governamentais, como o Senado, das reivindicações da sociedade.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • Relato sobre a participação de S.Exa. em eventos pelo País, na denominada Campanha "Educação Já". Alerta sobre distanciamento das instituições político-governamentais, como o Senado, das reivindicações da sociedade.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2007 - Página 32701
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • DEPOIMENTO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, CAMPANHA, DEFESA, EDUCAÇÃO, VISITA, MUNICIPIOS, CONCLAMAÇÃO, REVOLUÇÃO, SETOR.
  • COMENTARIO, VISITA, UNIVERSIDADE PARTICULAR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRIORIDADE, ALUNO, NEGRO, SOLIDARIEDADE, DECLARAÇÃO, ESTUDANTE, SEPARAÇÃO, RECLAMAÇÃO, DESVINCULAÇÃO, GOVERNO, POPULAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO.
  • CONCLAMAÇÃO, POLITICA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, INDIGNIDADE, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, PROTESTO, OMISSÃO, LEGISLATIVO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srª Senadora, nos últimos meses, ao longo de quase todo este ano, tenho aproveitado os tempos livres do trabalho do dia-a-dia aqui, nesses poucos dias que a gente costuma ficar em atividade plenária, para andar por este País, Senador Jefferson, em nome de uma campanha chamada “Educação Já”.

Seguindo o exemplo das “Diretas Já”, que despertaram o Brasil para a necessidade de romper com o regime militar, pretendemos despertar o povo para a idéia de que é preciso uma revolução neste País e que essa revolução é possível pela educação.

Foram 37 caminhadas em cidades, das quais a última eu posso dizer que foi a primeira grande caminhada, realizada na cidade de Indaiatuba, em São Paulo. As outras eram pequenas, pelo centro das cidades, de um grupo quixotesco, como alguns diziam.

Essas caminhadas, não vou dizer que estão dando resultado, mas tenho percebido a necessidade delas. E não vim falar delas, Senador Duque; eu vim falar da necessidade delas, com base em uma palestra que tive oportunidade de fazer esta semana em uma instituição que eu acho que todo Senador deveria visitar, chamada Universidade Zumbi dos Palmares, que fica em São Paulo.

A Unipalmares, Senador Mão Santa, é uma universidade brasileira para negros, que tem cota para brancos, uma universidade muito bem instalada, tendo em vista o aspecto físico. O reitor dela é o Professor Vicente, homem de grande liderança, que capta recursos, mantém aquela universidade de forma privada, cobrando mensalidades bastante baixas e dando custos de grande efeito.

Às dez horas da noite, terminei a palestra e vi que as salas de aulas estavam cheias com os alunos estudando.

Quando entrei, Senador Cícero Lucena, a sensação que tive foi a de que não estava no Brasil; parecia que eu estava na África. Mas é o contrário, ali é que eu estava no Brasil. A gente está fora do Brasil quando entra nas universidades onde só há brancos. Ali é que era o Brasil.

Mas o que importa e para que eu quero chamar a atenção dos Senadores é que, no fim da palestra, um jovem estudante, na hora das perguntas, pediu a palavra e disse que não tinha qualquer pergunta a fazer; ele queria deixar sair de dentro de si o que estava engasgado na garganta. Ele disse que não acreditava em nada daquilo que eu estava defendendo para mudar o Brasil, porque ele não era Brasil. Disse: “Eu não sou Brasil. Eu não sou esse Brasil de vocês, do Senado, da Câmara e do Governo. Eu não sou esse Brasil de vocês que ignora que nós existimos”. E disse isso com uma franqueza, com uma competência, com uma perfeição, tal a visão que tem de outro mundo, diferente deste mundo nosso. E disse mais: “Foi com muito esforço que cheguei aqui na universidade. Vou ter um diploma, e de que vai adiantar esse diploma? E de que vai adiantar se não tiver emprego? E de que vai adiantar se não tiver emprego e não conseguir um, porque nós não vamos conseguir se não resolvermos os problemas. Porque eu não sou Brasil. Vocês são Brasil; eu não sou Brasil”.

Aproveito este momento para dizer àquele jovem que não tem jeito; ele é Brasil, mesmo que ele não queira. Se ele emigrar daqui, aonde for neste mundo, vai continuar sendo Brasil. O que ele tem de fazer - embora tenha dito que não se interessa por isso - é ajudar a mudar o Brasil. Ele disse que não tem o menor interesse nisso, que não adianta porque ele não é Brasil. Digo àquele jovem que ele é Brasil, que ele não tem o menor futuro sozinho se ele não ajudar a mudar o Brasil.

Quero deixar um recado para nós. O recado de que aquele jovem pode não representar a totalidade do Brasil, Senador Gerson Camata, ele pode não representar a maioria, ainda, mas ele representa uma grande parte da população brasileira que não se sente parte do mesmo Brasil nesta sala azul onde estamos. Eles não vêem a menor relação entre o que falamos aqui e os problemas deles lá. Eles não vêem em nós solução para nenhum dos problemas que eles enfrentam. Esse divórcio é destruidor para o Brasil, que ele diz que não é dele, embora o seja.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, até quando vamos continuar achando que estamos ativo, outros achando que estão cansados e poucos despertando? Quando vamos gritar despertei, em vez de gritar cansei? Ou, pior, continuar deitado como a maioria está?

Àquele jovem, quero dizer que ele me fez despertar mais do que já vinha aos poucos despertando para o sentimento de que ou fazemos uma mudança na maneira como nos comportamos, agimos, falamos, pensamos aqui dentro, ou não haverá futuro, como ele disse.

Não anotei o nome dele nem gravei a fala dele - não gravaram a palestra.

Nós não podemos continuar imaginando que as coisas estão funcionando bem. Senador Mão Santa, V. Exª costuma dizer que este é o melhor Senado que já houve. Eu acho que pode ser. Mas ele não tem nada a ver com o que está acontecendo lá fora. Nós não debatemos os problemas concretos da sociedade brasileira. Nós fazemos discursos. Nós damos apartes. Há uma grande diferença entre discurso e aparte e debate. E, o que é mais grave, os nossos debates não se transformam em atos concretos que mudem a realidade no presente. Pior ainda, não se transformam em linhas de ação para o futuro do Brasil.

O Brasil está empacado. Mesmo com a taxa de crescimento de 5%, 8%, 10%, como civilização, está empacado; mesmo com 4 milhões de jovens na universidade - há 20 anos, só havia 600 mil, e agora há 4,5 milhões -, está empacado, como disse esse jovem. Esse jovem não estaria na universidade se não fosse a evolução que o Brasil teve nesses últimos anos. Mas não quer dizer nada ele estar nessa universidade, porque ele sabe que o que ele está aprendendo não vai dar a ele o emprego que gostaria; se der a ele, não vai dar aos outros, e, se der a todos, não vai resolver os problemas fundamentais da sociedade brasileira.

Quando ouvi aquele jovem falando, o que desejei mesmo foi que o Regimento desta Casa nos permitisse convidar pessoas para falar em nome da gente. Eu gostaria que, no Regimento desta Casa - Senador Jefferson, o senhor que é capaz de pensar melhor Regimento que eu -, fosse possível dar, de vez em quando, lugar para alguém vir aqui, falar em nome da gente, no horário da gente; não uma pessoa a mais, apenas alguém substituindo a gente.

Precisamos ouvir pessoas que estão lá fora. Não basta ouvir conversando, nas caminhadas que fazemos; não basta conversar com jornalistas, como fazemos. Temos que ouvir aqueles que estão indignados, descontentes, frustrados e, sobretudo, perdidos e sem confiança no seu País.

Quando um jovem, que foi aplaudido - 600 ou 700 pessoas que ali estavam, todos jovens, aplaudiram -, diz: “Eu não sou Brasil”, nós não refletimos sobre isso? Quantos, hoje, neste País, não estão dizendo: eu não sou esse Brasil que leio nos jornais; eu não sou esse Brasil que escuto na TV Senado; eu não sou esse Brasil que escuto na TV Câmara; eu não sou esse Brasil que vejo nas publicidades do Poder Executivo ou na impunidade que a Justiça permite?

“Eu não sou Brasil!” é uma expressão que fico triste de um dia usar como título de discurso, colocando-a entre aspas, por ter aprendido de um jovem estudante da Universidade Zumbi dos Palmares, a Unipalmares, uma universidade que, ao mesmo tempo, é a prova do que é possível fazer neste País por fora do Governo, por fora do Senado, por fora da Câmara, por fora do Congresso, para construir uma universidade voltada para a população negra. E, ao mesmo tempo, essa população negra que ali está estudando, em vez de encontrar um rumo, por nossa culpa, das lideranças nacionais, encontra frustração, a ponto de dizer: “Eu não sou Brasil!”, como ele disse.

Quero deixar aqui registrado um recado para ele - e não sei nem se vai tomar conhecimento -, no sentido de que ele não terá futuro se não assumir a nacionalidade brasileira. Por mais que ele, pessoalmente, fique rico e satisfeito, ao seu redor, vão seqüestrá-lo, vão assaltá-lo, vão ameaçá-lo, vão desarticular o meio ambiente onde ele mora. Ele não tem futuro, senão o de ser brasileiro.

Nós não teremos futuro - não meço futuro em meses, não meço futuro em anos; talvez em décadas - se deixarmos que a juventude brasileira, ao olhar para nós, diga: “Eu não sou brasileira”.

Sr. Presidente, não faço este discurso com nem um pouquinho de alegria, apesar da satisfação de ver a pujança da Unipalmares, como vi na última sexta-feira; faço-o querendo provocar.

Quando vamos encontrar um grupo para saber como recuperar o prestígio desta Casa, que hoje está muito, muito baixo? Talvez abaixo do fundo do poço, talvez subterrâneo ao próprio poço!

Ainda é tempo, mas não temos muito.

Espero que aprendamos a tempo, porque o Brasil precisa de nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2007 - Página 32701