Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso dos 100 anos do Jornal do Commercio e pelos 110 anos da Academia Brasileira de Letras.

Autor
Francisco Dornelles (PP - Progressistas/RJ)
Nome completo: Francisco Oswaldo Neves Dornelles
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso dos 100 anos do Jornal do Commercio e pelos 110 anos da Academia Brasileira de Letras.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2007 - Página 33270
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO COMMERCIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, IMPERIO, REPUBLICA, REGISTRO, JORNALISTA, PERSONAGEM ILUSTRE, CONTRIBUIÇÃO, IMPRENSA.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), ANUNCIO, COMEMORAÇÃO, SAUDAÇÃO, INCLUSÃO, MEMBROS, SENADOR, EX SENADOR, ELOGIO, VALORIZAÇÃO, TRADIÇÃO, CULTURA, IDENTIDADE, BRASIL, MANUTENÇÃO, BIBLIOTECA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFESA, LINGUA PORTUGUESA, CONCESSÃO, PREMIO LITERARIO, POLITICA, PUBLICAÇÃO.

O SR. FRANCISCO DORNELLES (Bloco/PP - RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho a honra de registrar a passagem, dia 1º de outubro próximo, dos 180 anos do Jornal do Commercio, veículo de comunicação da cidade do Rio de Janeiro que se inclui entre as publicações jornalísticas mais antigas - e ainda em atividade - de toda a América Latina, e entre as mais importantes de toda a história da imprensa nacional.

A história do Jornal do Commercio, iniciada decorridos pouco mais de 5 anos de nossa Independência, confunde-se, em grande parte, com a própria historiografia nacional, da qual foi testemunha privilegiada e, em alguns momentos, ator relevante e co-autor destacado.

Mais que isso, o Jornal do Commercio fez-se, com o tempo, uma tribuna privilegiada, por meio da qual todas as grandes causas do Império e da República foram debatidas; por meio da qual manifestou-se um vasto e impressionante extrato da inteligência brasileira.

Nasceu sob o signo da polêmica, das cinzas de seu antecessor espiritual, “O Expectador Brasileiro”, publicação também ela criada pelo gênio de Pierre Plancher de la Noé, cidadão francês de fé bonapartista, exilado de seu país natal com o advento da Restauração dos Bourbons no trono da França. Entre seus principais colaboradores desse período, quando o foco editorial concentrava-se nas notas de interesse comercial, destacam-se José Clemente Pereira e Felisberto Caldeira Brant Oliveira e Horta, o Marquês de Barbacena.

Sua primeira incursão de fôlego no mundo da política foi em 1831, promovendo campanha pela abdicação do Imperador em favor do Príncipe herdeiro. Essa posição, tomada em função de algumas de atitudes de D. Pedro I, julgadas demasiado pró-lusitanas, revela um traço que, de forma notável, atravessa toda a história do diário fluminense: o profundo nacionalismo que sempre o marcou, independente de como se refletisse, no momento, sua estrutura acionária ou a composição da editoria.

Em 1837, época do 2º Império, já sob o comando de Francisco Antônio Picot, cidadão austríaco de origem francesa, o jornal transbordou de um informativo de assuntos comerciais para lançar-se como jornal de grande formato, ganhando paulatinamente a poderosa influência de que veio a gozar junto ao grande público.

Data desse período a iniciativa, então pioneira, de publicar os atos do Executivo e de reproduzir os debates parlamentares. Ainda nessa época, começa a colaborar com o jornal José Maria da Silva Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco. Aí principia, por sinal, a ascensão política de Rio Branco, uma vez que os artigos publicados no Jornal do Commercio estabeleceram rapidamente sua justa reputação de estudioso dos problemas nacionais, e originam convite para chefiar uma missão brasileira junto aos países do rio da Prata. Começava uma escalada que teria ponto máximo na Presidência do Conselho de Ministros, cargo que identificava a chefia do Governo.

A qualidade dos colaboradores assegurou o prestígio do jornal, na segunda metade do século XIX. Entre eles figuraram nomes da importância de Joaquim Nabuco, Perdigão Malheiros e Carlos de Laet, no âmbito dos articulistas; e os de Joaquim Manoel de Macedo e Lima Barreto, que nele lançaram suas obras primas A Moreninha e O Triste Fim de Policarpo Quaresma. Também no ramo da inovação técnica e jornalística foi grande a contribuição do Jornal do Commercio à imprensa nacional.

Foi dele, por exemplo, a iniciativa de instalar o primeiro prelo mecânico da América do Sul, permitindo reduzir de 6 para 2 horas o tempo de impressão das edições, permitindo sua entrega ao público a partir das seis horas da manhã. Inovou também na rapidez com que passou a repercutir as notícias internacionais e os eventos do Norte e do Nordeste brasileiros, tirando partido do avanço técnico propiciado pela instalação do primeiro cabo submarino a ligar a Europa e a América do Sul, contando, para tanto, com a colaboração da agência internacional de notícias Reuters-Havas.

O Jornal do Commercio foi, ainda, um dos primeiros veículos nacionais a produzir as chamadas “grandes reportagens”, tais como o noticioso sobre a epidemia de cólera no Rio, em 1855; o acompanhamento, diretamente do front, das ações militares na Guerra do Paraguai, partir de 1865; e em 1897 - já no período republicano -, a cobertura da Guerra de Canudos, a cargo do jornalista Manuel Benício.

Foi justamente na transição do regime monárquico e nos primeiros anos da República, aliás, que mais influente se fez o Jornal do Commercio, a partir das inúmeras campanhas cívicas e das várias batalhas ideológicas que empreendeu. Abraçou a causa abolicionista, muito embora sua principal base de assinantes fosse constituída de grandes proprietários rurais; interessada, portanto, na manutenção do tráfico negreiro e na continuidade do regime escravocrata. Apoiou a República, mas, frustradas as expectativas de rápida realização de eleições, ataca ferozmente a ditadura florianista, por meio da pena incandescente de Quintino Bocaiúva.

Pertencem a este período algumas das mais belas páginas jamais publicadas em periódicos brasileiros, tais como as Cartas da Inglaterra, nas quais Rui Barbosa, de Londres, repassou ao público brasileiro o desenrolar do Caso Dreyfuss, episódio de racismo anti-semita nas forças armadas francesas que galvanizou toda a Europa. Foi também o Jornal do Commercio que publicou a crônica Última Visita, na qual o grande Euclides da Cunha relata cena no leito de morte de Machado de Assis, em companhia do então quase adolescente Astrogildo Pereira, futuro escritor, crítico literário e político fluminense, fundador e figura de proa do Partido Comunista Brasileiro.

Nas primeiras décadas do século XX, o Jornal do Commercio, que se manteve sóbrio e imparcial quanto aos lados que disputavam a 1ª Grande Guerra, ensaia alguns dos avanços que iriam caracterizar um novo período editorial para a imprensa brasileira, ampliando sua participação no mercado de notícias, com a criação do Jornal da Tarde, que circulou entre 1909 e 1920; com o lançamento de uma edição paulistana, mantida entre os anos de 1911 a 14; e a circulação de um encarte especial, impresso em Paris, denominado Jornal Ilustrado.

A retomada do engajamento político deu-se em 1930, quando o Jornal do Commercio apóia abertamente a causa da Aliança Liberal, dando suporte, inicialmente, ao governo provisório de Getúlio Vargas e, em 1932, combate a Revolução Constitucionalista, liderada por São Paulo.

Em 1957, inicia-se aquele que será um novo período do jornal, quando ele é adquirido pelo inesquecível tribuno San Tiago Dantas, catedrático de Direito Civil da Faculdade Nacional, Deputado Federal e líder do Partido Trabalhista Brasileiro, o antigo PTB, e futuro Ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, no Governo de João Goulart.

San Tiago faz jus à tradição nacionalista de seu matutino, e a exercita enfaticamente na defesa da Petrobras e do monopólio estatal do petróleo, apoiando, ainda, a construção de Brasília, considerada marco definitivo na interiorização do desenvolvimento. Com o petebista, veio um elenco de jornalistas e articulistas que jamais congregou-se na condução de um órgão de imprensa, no Brasil, composto, entre outros, por Carlos Castelo Branco, Murilo Melo Filho, Fernando Lara Resende, Sérgio Porto, Lúcio Rangel, Nadir Pereira e Roberto Campos.

O período de incorporação aos Diários Associados, iniciado em 1959, integra à saga do Jornal do Commercio a biografia de um dos maiores responsáveis pela revolução que a imprensa brasileira experimentou em meados do século passado: a figura dantesca, genial e polêmica de Assis Chateaubriand, que sempre sonhou anexar o Jornal ao seu império de comunicação. A crise financeira dos Associados, porém, instalada logo após a morte de Chateaubriand, afeta todos os veículos do grupo, fazendo com que, paulatinamente, o Jornal do Commercio retome seu nicho original, junto aos segmentos do comércio, da produção e das finanças, linha que até hoje mantém.

Nesse período mais recente, cabe destacar a competência do comando editorial exercido por figuras singulares, tais como Aluísio Biondi, Austregésilo de Ataíde, Ibanor Tartarotti e Antônio Calegari; e a qualidade da equipe sempre competente de colaboradores, em que figuraram Carlos Heitor Cony, D. Lucas Moreira Neves, Cândido Mendes, Delfim Neto e Arnaldo Niskier.

Como foi visto, Sr. Presidente, o Jornal do Commercio é um jornal que tem história e, mais do que isso, é um jornal que faz história. Pela data, portanto, congratulo-me com seu ilustre Diretor-Presidente, Maurício Dinepi, figura excepcional na qual faço representar todos aqueles que construíram e, ainda hoje, constroem a grandeza do Jornal do Commercio e mantêm viva sua legenda, como verdadeiro monumento da imprensa fluminense e longeva referência do jornalismo nacional.

Peço, ainda, que este pronunciamento seja registrado nos Anais desta Casa, como despretensiosa homenagem ao trajeto singular e multicentenário do Jornal do Commercio, publicação que mantém jovem o espírito empreendedor, embora, cronologicamente, seja contemporânea do próprio Brasil.

Sr. Presidente, como segundo assunto, anuncio à Casa que, no último dia 20 de julho, completou 110 anos uma das mais respeitáveis associações brasileiras, a Academia Brasileira de Letras. A comemoração, adiada em sinal de luto pelo trágico acidente aéreo ocorrido em 17 de julho deste ano, em São Paulo, acontecerá finalmente nesta sexta-feira, 28 de setembro.

Não poderíamos deixar passar sem registro essa comemoração, Senhor Presidente - se mais não fosse, pelos significativos laços que unem esta Casa e a Casa de Machado de Assis. Afinal, temos o privilégio de conviver aqui diariamente com dois imortais, os nobres Senadores José Sarney e Marco Maciel, sem mencionar que entre os fundadores da Academia está Rui Barbosa, cujo busto como que preside cada uma de nossas sessões aqui neste Plenário.

Mas a verdade, Srªs e Srs. Senadores, é que as razões para nos associarmos a essa comemoração vão bem além desse privilégio e daqueles laços a que me referi. O fato é que a Academia Brasileira de Letras, por sua origem, por sua história já centenária, pelo que representa em termos de tradição em um País que infelizmente muitas vezes tende a negligenciar suas melhores tradições, é, acredito, uma referência incontornável em nossa sempre renovada busca pela fixação de uma identidade nacional.

Afinal, Sr. Presidente, embora tenha seguido o modelo da Academia Francesa, a nossa Academia surgiu como evolução natural de um grupo de intelectuais de primeira grandeza, todos eles não só comprometidos com essa nossa eterna busca da alma nacional, como também, vários deles, responsáveis pela construção de nossa identidade. Lá estavam, no grupo original, José Veríssimo, cuja Revista Brasileira funcionou como pólo de aglutinação - a primeira sessão preparatória da Academia, aliás, ocorreu justamente na sala de redação da revista, na Travessa do Ouvidor, no Rio de Janeiro -, Machado de Assis, nosso escritor maior, primeiro presidente e eterno patrono da Academia, Joaquim Nabuco, um de nossos mais penetrantes intérpretes, Visconde de Taunay, Lúcio de Mendonça, unanimemente reconhecido por seus pares como o verdadeiro fundador da Academia, entre vários outros. Todos, invariavelmente, referências fundamentais para os que pretendem pensar e entender o Brasil tal como veio se formando, do fim do Império até os dias de hoje.

Mas a relevância da Academia não se resume ao seu passado glorioso e à tradição que representa. A Academia, hoje como nunca, é uma instituição viva e uma referência importante na vida cultural do Rio de Janeiro. A Academia mantém duas bibliotecas importantes, a Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça, com 20.000 volumes - entre eles um grande número de obras raras -, e a Biblioteca Rodolfo Garcia, inaugurada há dois anos, com 70.000 volumes, disponíveis para o público em geral. Atua ainda organizando debates, ciclos de conferências, exposições, transformando o Centro Cultural da Academia, antes conhecido como Centro Cultural do Brasil, em um dos pólos de cultura mais ativos na cidade do Rio de Janeiro.

Quero destacar ainda, Sr. Presidente, já concluindo, três outras inestimáveis contribuições da Academia para a cultura nacional.

A primeira é a ênfase que sempre deu ao cultivo e à defesa da língua portuguesa, tarefa que assumiu expressamente desde a sua fundação. Nossa língua é um de nossos patrimônios imateriais mais valiosos, o que torna sem preço o cuidado e a atenção que uma instituição como a Academia lhe dedica, por meio de seu Setor de Lexicologia e Lexicografia, atualmente presidido pelo acadêmico e ex-ministro Eduardo Portella.

A segunda contribuição toma a forma dos vários prêmios literários que a Academia anualmente concede, reconhecendo o mérito e estimulando os talentos. Essa distribuição de prêmios iniciou-se em 1909, de modo que temos já quase um século de indicadores preciosos sobre a produção literária brasileira.

A terceira contribuição, enfim, é a política de publicações mantida pela Academia. A ABL mantém três coleções próprias, além de parcerias que resultam em co-edições. Publica ainda seus Anais, Anuários e os Discursos Acadêmicos, que formam um conjunto documental de importância indiscutível, além do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por tudo o que representa, a Academia Brasileira de letras merece todo o nosso respeito e reconhecimento. Na passagem dos seus 110 anos, quero congratular-me com seu atual presidente, Acadêmico Marcos Vinícius Vilaça, assim como com todos os ilustres membros da instituição, agradecendo pelas inestimáveis contribuições que, há mais de um século, a Academia vem dando à cultura nacional, na certeza de que essas contribuições ainda se multiplicarão e frutificarão inúmeras vezes nos anos que virão.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2007 - Página 33270