Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para as ações e os serviços de saúde executados pelas entidades filantrópicas, que são essenciais à consecução dos objetivos do SUS.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. TRIBUTOS.:
  • Destaque para as ações e os serviços de saúde executados pelas entidades filantrópicas, que são essenciais à consecução dos objetivos do SUS.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2007 - Página 33680
Assunto
Outros > SAUDE. TRIBUTOS.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, ARTIGO, DECRETO FEDERAL, FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, ENTIDADE, AREA, SAUDE, COMPROVAÇÃO, SUPERIORIDADE, ATENDIMENTO, OBTENÇÃO, CERTIFICADO, OBRA FILANTROPICA, PROVOCAÇÃO, CRISE, SAUDE PUBLICA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO BENEFICENTE, AREA, SAUDE, TENTATIVA, REDUÇÃO, PROBLEMA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), BENEFICIO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SAUDE, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, NECESSIDADE, URGENCIA, INVESTIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), IMPORTANCIA, REESTRUTURAÇÃO, SISTEMA, CONTENÇÃO, CRISE, BENEFICIO, POPULAÇÃO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, COMPROVAÇÃO, INFERIORIDADE, APLICAÇÃO, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), DESTINAÇÃO, SAUDE, CRITICA, UTILIZAÇÃO, VERBA, PAGAMENTO, DESPESA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Decreto nº 2.536, de 1998, foi editado pelo Poder Executivo com o justo e louvável propósito de coibir abusos na utilização do status de entidade filantrópica no País. Com esse intuito, o referido diploma legal estabeleceu uma série de requisitos para que as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos obtenham a concessão ou renovação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

No que se refere, contudo, às entidades da área de saúde, o Decreto nº 2.536 estabeleceu, para a obtenção ou renovação desse Certificado, uma exigência totalmente desprovida de lógica e de fundamentação técnica, uma norma desconexa e injusta, um parâmetro cujo atendimento não está ao alcance, não depende da iniciativa dessas instituições. Como conseqüência dessa exigência absurda, milhares de hospitais filantrópicos em todo o País, responsáveis pelo atendimento de quase cinco milhões de brasileiros a cada ano, estão, hoje, ameaçados de extinção.

Conforme o § 4º do art. 3º do mencionado Decreto, a entidade da área de saúde deverá comprovar, anualmente, percentual de atendimentos decorrentes de convênio firmado com o Sistema Único de Saúde (SUS) igual ou superior a 60% do total de sua capacidade instalada.

Esse dispositivo poderá, Senhoras e Senhores Senadores, ocasionar o caos absoluto no atendimento à saúde pública em todo o território nacional, pois o atendimento do requisito nele previsto não está ao alcance dos hospitais filantrópicos. E essas instituições, segundo os levantamentos oficiais, respondem por 40% das internações de pacientes do SUS, atendendo, como já mencionei, quase cinco milhões de pessoas por ano.

Ao obter o enquadramento como instituição filantrópica, a entidade passa a gozar de alguns benefícios públicos de natureza fiscal. É perfeitamente razoável, portanto, o estabelecimento de alguma exigência legal de contrapartida a esses benefícios. No entanto, a contrapartida exigida não pode superar o valor global dos benefícios concedidos.

Uma entidade hospitalar filantrópica que desfruta de um benefício fiscal anual de cinco milhões de reais, por exemplo, não pode prestar serviços ao SUS em um patamar que lhe cause um prejuízo superior a essa isenção tributária. Afinal, é evidente que, se assim proceder, acumulará um nível de endividamento que a levará à insolvência. Aliás, essa constatação surge com ainda maior clareza quando se leva em conta que a remuneração assegurada pela Tabela de Serviços do SUS representa tão-somente 60% do custo real dos serviços.

É preciso observar, ademais, que não está nas mãos dos hospitais filantrópicos a condição efetiva de obediência à exigência legal. Não lhes cabe decidir sobre o processo de internações de pacientes ou de oferta de serviços ao SUS. Essa função é da competência do Gestor do SUS - Estado ou Município. Desse modo, uma unidade hospitalar não tem como prestar 60% dos seus serviços ao SUS se o Gestor do SUS da sua jurisdição optar por contratar apenas 30% da capacidade disponível de serviços. As instituições filantrópicas não têm autonomia para atender pacientes sem autorização do Gestor. Não adianta ofertar serviços se não há recursos públicos disponíveis para remunerá-los.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, no Brasil, 150 milhões de pessoas dependem diretamente do Sistema Único de Saúde para internações ou atendimento ambulatorial. Esse contingente representa 80% da população brasileira. Mas o SUS ainda está muito longe de assegurar uma atenção digna para um universo tão grande de pessoas.

Na verdade, algumas estatísticas oficiais são motivadoras de graves preocupações, na medida em que se observa uma redução nos números absolutos de alguns serviços providos pelo SUS, simultaneamente ao aumento da população.

Em 1992, quando o direito constitucional de universalização dos serviços de saúde dava seus primeiros passos, o SUS acolheu 14 milhões 583 mil pacientes que necessitaram de internações, número que representava 9,81% da população brasileira, então de 148 milhões 660 mil habitantes. Em 14 anos, nossa população teve um crescimento superior a 38 milhões de pessoas. No ano passado, éramos 186 milhões 770 mil brasileiros.

As internações pelo SUS, no entanto, ao invés de crescerem, reduziram-se! E isso em números absolutos! Em 2006, o SUS demonstrou a capacidade de atender apenas 11 milhões 316 mil pacientes que recorreram à internação hospitalar. São quase 3 milhões 300 mil internações a menos do que 14 anos antes! Relativamente ao contingente populacional, a redução no número de internações foi de quase 40%! Caiu de 9,81% da população para apenas 6,06%!

É importante ter em mente, ainda, que, até os dias atuais, apenas 20% dos brasileiros dispõem de planos de saúde para assistência médica e hospitalar. Em vista disso, é possível estimar que o deficit de vagas disponíveis para internações pelo SUS atingiu a assustadora marca potencial de sete milhões de pacientes!

Independentemente desses números, Senhoras e Senhores Senadores, as imagens rotineiramente exibidas pela televisão das filas de pacientes aguardando atendimento, bem como as notícias freqüentemente divulgadas de pessoas que vão a óbito sem obterem socorro médico evidenciam, de modo incontestável, que a atual conjuntura da saúde pública no Brasil exige providências urgentes.

Há consenso quanto à necessidade de imediato aumento de investimentos no Sistema Único de Saúde. Inexiste qualquer dúvida, outrossim, de que os preços de serviços fixados pela Tabela do SUS são insuficientes para remunerar adequadamente os serviços contratados, fazendo com que os hospitais sujeitos a esses níveis de remuneração encontrem-se na UTI, sob o ponto de vista da sua saúde financeira.

A situação da saúde pública brasileira não está, portanto, carecendo de diagnóstico. É fato consumado que o Sistema Único de Saúde precisa de tratamento. Deixando, agora, de lado as metáforas de inspiração médica, o SUS precisa de uma profunda reforma, na qual se priorize a urgente necessidade de realinhar os preços pelos quais o Sistema remunera os serviços prestados pela rede privada de saúde.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as ações e os serviços de saúde executados pelas entidades filantrópicas são, hoje, essenciais para a consecução dos objetivos do SUS. A rede de hospitais filantrópicos brasileira possui cerca de 2.100 unidades nos 27 Estados da Federação. Emprega mais de 450 mil funcionários; oferece atividades para 140 mil médicos autônomos. Realiza 150 milhões de atendimentos ambulatoriais e 40% do total de internações para o SUS, por ano. Dos 450 mil leitos hospitalares de que o SUS dispõe, 150 mil estão nessas entidades. Muitos dos hospitais filantrópicos são unidades de excelência e de referência para as redes de que participam.

Não se pode esquecer, ademais, que 56% das cidades brasileiras dependem exclusivamente das unidades hospitalares de natureza filantrópica, possuindo 40% dessas cidades população de até 20 mil habitantes.

Em vista de tudo isso, é simplesmente inconcebível fechar as portas para uma parceria de tamanha dimensão, vinculando essa relação mútua de interesses a uma norma legal esdrúxula, que impõe a condição unilateral de atendimento mínimo de 60% de pacientes do SUS para que os hospitais possam manter o status jurídico de entidades filantrópicas.

Embora a arrecadação das contribuições sociais pelo Governo Federal venha-se ampliando vigorosamente, o que se verifica nos cofres do SUS é uma gradual diminuição comparativa da disponibilidade de recursos.

Criada com o propósito específico de financiamento da saúde pública, a CPMF cumpriu rigorosamente seus princípios de constituição apenas nos três exercícios iniciais de arrecadação. A partir do exercício fiscal de 2000, os recursos obtidos com a sua cobrança passaram a ser desviados para cobertura de outras despesas governamentais, fazendo com que, no ano passado, a importância financeira alocada para o financiamento do SUS representasse apenas 68% da sua arrecadação.

No período de dez anos entre 1997 e 2006, a evolução da arrecadação da CPMF foi de nada menos que 118%, representando um aporte adicional de recursos de 17 bilhões e 400 milhões de reais, em valores atualizados. No entanto, o volume de recursos públicos destinados para remunerar as internações de pacientes do SUS manteve-se praticamente estagnado no mesmo período: em 1997, o Governo Federal destinou para essa finalidade, em valores atualizados para o último dia 31 de dezembro, a importância de 6 bilhões 850 milhões de reais; em 2006, para idêntica finalidade, foram investidos apenas 7 bilhões de reais, o que significa dizer que houve um acréscimo real de investimentos de míseros 2,2% nesse longo período.

Permitam-me, Srªs e Srs. Senadores, repisar essa informação. Aumento da arrecadação da CPMF no período 1997/2006: 118%; acréscimo de investimentos para remunerar as internações de pacientes do SUS no mesmo período: 2,2%.

Frente a esses dados, sobressai o caráter absurdo da exigência de que as instituições filantrópicas ofereçam ao Sistema Único de Saúde o percentual de 60% dos seus serviços. Como podem essas entidades cumprir esse requisito se o SUS não dispõe de recursos para comprar serviços nessa proporção? Mais ainda: qual o critério de justiça a embasar a exigência de que uma instituição, simplesmente para obter o status de filantropia, suporte prejuízos superiores aos benefícios fiscais que recebe do Poder Público em decorrência desse status?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é urgente encontrarmos uma saída para essa situação kafkiana. As instituições filantrópicas hospitalares concordam que, para manter esse status, lhes seja legalmente exigida alguma contrapartida. É preciso, contudo, que se trate de uma contrapartida que possam cumprir sem a dependência de uma opção de contratação a ser feita por terceiros - no caso, Estados ou Municípios na condição de Gestores do SUS. Da mesma forma, não se lhes pode exigir uma contrapartida maior do que o benefício oferecido pelo Poder Público.

Vale lembrar que a assistência à saúde por instituições filantrópicas nasceu logo após a Descoberta do Brasil e, ao longo de toda a nossa história, esses hospitais desempenharam um extraordinário papel, suprindo as deficiências do Poder Público no atendimento às necessidades da parcela mais pobre da população. São entidades que merecem todo o nosso respeito e a nossa consideração, não se podendo tolerar que sejam destituídas de seu status de filantropia em decorrência da imposição de uma exigência legal estapafúrdia.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2007 - Página 33680