Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.

Autor
Heráclito Fortes (DEM - Democratas/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2007 - Página 34168
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, REGISTRO, COMPORTAMENTO, MORAL, ETICA, DEFESA, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS, DETALHAMENTO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, PARCERIA, OPOSIÇÃO, COMBATE, DITADURA, ELOGIO, EMPENHO, ELABORAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, DESAPROVAÇÃO, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, RESULTADO, PLEBISCITO, ESCOLHA, PRESIDENCIALISMO, MOTIVO, AUTORIA, TESE, PARLAMENTARISMO, EXPECTATIVA, BENEFICIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, DIFICULDADE, ELABORAÇÃO, TEXTO, PROCEDENCIA, PERIODO, TRANSFORMAÇÃO, DITADURA, DEMOCRACIA, REGISTRO, CONDUTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), COMPROMISSO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS, TRABALHADOR.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), HOMENAGEM, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, EX PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS.

            O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros; meu caro Deputado Paes de Andrade; Presidente do PMDB, Michel Temer; Henrique Eduardo Alves, Líder do PMDB na Câmara dos Deputados; meu velho amigo Oswaldo Manicardi, fiel escudeiro do Dr. Ulysses Guimarães; Marilda, que acompanhou Dr. Ulysses em sua vida atribulada na Câmara dos Deputados; Carla Schaefer, amiga de Ulysses e companheira inseparável de D. Mora; meu caro Senador Pedro Simon, restam poucos nesta Casa que tiveram o prazer de conviver com um homem que tinha horror a morrer, e, portanto, desapareceu.

            Existem pessoas que saem do nosso convívio, mas deixam a digital por muito tempo. Ulysses é uma delas, não só pelo eco da sua voz inconfundível, defendendo suas causas, mas também pelo silêncio marcante e pelo olhar penetrante com o qual encarou, muitas vezes, companheiros. Da Presidência da Constituinte, naquela cadeira, seu simples olhar evitou que vários companheiros fizessem besteiras.

            Dr. Ulysses foi, talvez, da minha geração, o mais vocacionado homem público com o qual tive oportunidade de conviver. Outros alcançaram postos até mais importantes, mas ninguém teve aquela vocação de missioneiro que tinha Ulysses Guimarães.

            Minha convivência com ele - o Oswaldo e o Jarbas são testemunhas disso - permitiu-me não só um aprendizado, mas testemunhar episódios fantásticos da História do Brasil. A travessia para a democracia, cheia de percalços, de incertezas, de dúvidas, talvez tenha sido um desses momentos mais marcantes.

            Ulysses, por convicção, só aceitava uma disputa à Presidência da República se ela viesse pela via direta. E com isso foi intransigente. Os adversários e alguns amigos achavam que havia entre Ulysses e Tancredo uma disputa; e quantos Paes de Andrade quebraram a cara com isso! Não sabiam que era uma emulação de duas raposas do velho PSD para fechar espaços e não permitir que ninguém mais avançasse naquela catedral, que era o PMDB. Os que investiram na divergência perderam tempo e se deram mal. Ao se inviabilizar a eleição direta, o primeiro e o maior cabo eleitoral de Tancredo foi exatamente Ulysses. Quando as incertezas eram grandes, lembro-me muito bem de Ulysses dizer a Tancredo: “Vamos, com o nariz tampado, enfrentar o Colégio Eleitoral. É a única via, mas só vamos chegar a ele se trouxermos a rua conosco. Não se engane: se fizermos essa caminhada apenas nos gabinetes frios de Brasília, vamos ter turbulências, e os militares não vão entregar fácil o poder. Vamos ganhar a rua, vamos ganhar a praça, vamos invadir o Brasil”.

            Havia, meu caro Michel, uma matemática difícil: éramos minoria naquele Colégio. E o que fazer para superar esse problema? Atrair adversários. E foi exatamente na fragilidade, que era a base do Governo naquela época, já carcomida pelo desgaste de um período longo de ditadura, que o endiabrado Ulysses foi buscar logo quem? Um presidente de partido, do regime: José Sarney. Lembra-se Paes, lembra-se Henrique das dificuldades inaugurais para aquele encontro e para aquela aliança dar certo. Mágoas, principalmente dos que voltaram ao Brasil. O reencontro, as dificuldades de assimilar exatamente aquela aliança. Nada pessoal contra o Sarney, mas contra o que ele representava naquele momento. Por outro lado, Ulysses e Tancredo estavam cansados daquelas anticandidaturas, ou candidaturas românticas, que ocupavam temporariamente os espaços na imprensa, mas que nada de positivo traziam para o objetivo maior, que era a volta do Brasil à democracia. Daí, vencidas as primeiras resistências...

            Simon era da Executiva e se lembra o quanto foi difícil aquele primeiro momento da apresentação concreta da candidatura. Lembro-me muito bem, Oswaldo, de que Dr. Ulysses, talvez por eu ser o mais jovem da Executiva e ter mais acesso a ele, disse-me: “Quando se anunciar o nome do vice, vai haver muito protesto. Pede uma questão de ordem e manda o Renato Archer falar primeiro. Os dois são maranhenses”. Para surpresa, adversário histórico, o Renato Archer desabafou, mas, ao final, concordou com a necessidade daquela aliança. E assim foi, um por um. O último foi Arraes. Simon desancou tudo o que queria, tudo o que pensava sobre o momento, mas também concordou. A partir daí, nunca vi uma união e uma aliança tão perfeitas de velhos adversários que, pela necessidade premente de voltar o País à convivência democrática, uniram-se para, finalmente, dar início à travessia.

            Ulysses, incansável. De dia, os trabalhos da Constituinte, varando noites, numa época em que não havia painel eletrônico e que a votação era individual, chamada, às vezes, por horas a fio, sempre pela voz de barítono do nosso Fernando Lyra. Quanto tempo se perdeu naquelas chamadas? O painel da época não merecia confiança e Ulysses não queria correr risco. À noite, a cidadela de luta era o Piantella, do Marco Aurélio, seu amigo.

            Vencido esse episódio, esqueci-me de algo fantástico: a posse de Tancredo. Na noite em que todos se preparavam para a grande festa, Tancredo foi à missa e eu me dirigi, com um grupo de amigos - Renato Archer, Pacheco Chaves, creio que o Dr. Pedro Simon, também -, ao Florentino, para aguardar Dr. Ulysses, que vinha da Embaixada de Portugal. E, aí, essa história o Brasil conhece - ou quase toda a história. No entanto, há um episódio fantástico: a reação de raiva do Dr. Ulysses quando quiseram convencê-lo de que deveria assumir o governo. Não darei nomes para não ferir pessoas que ainda estão vivas, mas lembro-me de que abri a porta do elevador de um determinado prédio da Esplanada dos Ministérios e ele disse para o interlocutor que lhe fez tal proposta: “Quando o Tancredo ficar bom, pergunte a ele quanto nos custou essa caminhada. Eu não quero que ela nasça com vícios constitucionais”.

            Era só, meu caro Michel, naquele momento, uma questão de querer, até porque as mágoas do Presidente que deixava o cargo com relação ao Vice-Presidente eram bem mais profundas, vamos falar com franqueza, do que com o próprio Ulysses. Mas a grandeza, a convicção na democracia que Ulysses tinha e a fé no respeito à lei fizeram com que, de maneira nenhuma, ele arredasse o pé. Juristas do Brasil inteiro - uns famosos, outros nem tanto - trouxeram, como num passe de mágica, soluções para lhe dar posse, mas a velha aroeira não se dobrou.

            O Brasil viu, depois, na elaboração da “Constituição Cidadã”, aquele homem desdobrar-se em vários. Varava a noite, demovendo as facilidades com que relatores setoriais prometiam a mesma coisa às diversas partes que conflitavam, pois ele sabia que aquela Constituição deveria ter apenas um texto.

            O maior drama que vi Dr. Ulysses viver - Pedro Simon é testemunha disto - foi quando se elaborou um texto preparado para o parlamentarismo e, numa briga interna deste Congresso, onde o poder pode mais - e a História mostra que, por diversas vezes, isso aconteceu -, venceu a tese do presidencialismo. E ficamos com uma Constituição capenga.

            A outra assombração foi que o seu texto elaborado era todo para uma economia fechada e, a partir de setembro, as ideologias do mundo começaram a cair: o fracasso comercial de Cuba, o muro das Alemanhas, a queda de todos os países da Cortina de Ferro. Aí, a genialidade de Ulysses fez com que fosse inserida no texto a revisão constitucional de cinco anos depois, exatamente para criar a possibilidade de erros serem corrigidos. É evidente que, hoje, reconhecemos - eu reconheço - os erros cometidos, cometidos por parlamentares de um País que estava saindo das trevas, sem habilidade de conviver com a feitura de constituições. Não era de se estranhar que houvesse imperfeições e que correções fossem necessárias. Mas o espírito democrático e, acima de tudo, as idéias voltadas para o social, além do estabelecimento de garantias para os trabalhadores e de outras conquistas, são marcantes nesse texto.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados, não quero cansá-los, mas eu não podia deixar de, nesta tarde, manifestar-me nesta homenagem, proposta pelo Senador Jarbas Vasconcelos, a Ulysses Guimarães. Jarbas presidiu o PMDB na época da campanha de Ulysses, e eu, à época Prefeito de Teresina, fui chamado várias vezes por Ulysses para percorrer este Brasil, na companhia de outra extraordinária figura que não está aqui, que é o Jorge Bastos Moreno, além do Marco Aurélio. Eu me lembro que quando aquela febre colorida tomou conta do País, o nosso palanque foi minguando. Ficaram os fortes, ficaram os amigos de Ulysses, os que acreditaram na sua história.

            Aqui, foi citada, pelo Jarbas e pelo Valter Pereira, a “Oração do Adeus”. Quando, de maneira perversa, Ulysses foi desafiado na direção do PMDB, ele fez um discurso, que é uma peça fantástica de oratória, de desabafo, mas também de fé.

            Meu caro Michel Temer, V. Exª poderia reeditar esse pronunciamento, inclusive em homenagem a esta data. E veja a minha ousadia de lhe dar a sugestão, mas, como ex-peemedebista, ouso fazê-lo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui amigo de Ulysses até na hora em que muitos o esqueceram, no ostracismo que lhe impuseram velhos amigos, velhas crias. E ele ficava ali isolado, na Comissão de Relação Exteriores.

            Durante muitos anos, eu escutava a voz do “Sr. Diretas” me convidando para aquele passeio em Angra dos Reis, junto com Renato, aquele grupo que foi. E a revolta dele quando eu comuniquei que ia a uma viagem a convite da Vasp, que inaugurava um vôo para Bruxelas. Ele me disse uns desaforos - Ulysses não aceitava “não” - e desligou o telefone. Foi entre o seu aniversário e a sua morte. Mais tarde, já às dez da noite, ele me ligou novamente: “Quer dizer que você não vai ao passeio?”. Eu disse: “Eu não posso ir”. “Você não tem jeito. Mas faça o seguinte: saia de Bruxelas e vá a Bruges, e não deixe de conhecer o restaurante do Hotel de Orangerie”. Foi a última vez que falei com Ulysses. Depois, por incrível que pareça, eu estava no restaurante desse hotel quando me comunicaram o desaparecimento.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falou-se aqui na extraordinária figura de D. Mora. E botem extraordinária nisso! Como companheira, com a sua solidariedade... Fizemos viagens cansativas ao exterior, de trinta, de quarenta dias, em que é muito fácil as amizades acabarem, com o desgaste das viagens, das missões. Fiz uma viagem invejável, da qual Severo Gomes e Henriqueta participaram, em que fomos recebidos em uma audiência pessoal pelo Papa João Paulo II, que dedicou a Ulysses trinta minutos de conversa a sós, deixando, inclusive, a diplomacia brasileira perplexa com aquele fato. Depois, ele nos contou que era a preocupação de Sua Santidade com a recuperação da democracia no continente.

            Hoje, quinze anos depois, não preparei, como deveria fazer, nenhum pronunciamento. Resolvei falar com o coração. Resolvi relembrar alguns episódios. Mas tenho certeza de que, depois de mim, virá Pedro Simon, esse, sim, mestre e catedrático na arte de conhecer e de compreender Ulysses Guimarães. Aliás, uma das poucas pessoas que vi, em toda minha vida, ter coragem de discordar e de enfrentar Ulysses em alguns pontos de vista. Era uma discordância fantástica, porque não gerava rancor, não gerava ódio. Eram pontos de vista que se impunham. E quantas vezes aquele gigante se curvava a argumentos mais lógicos que o dele!

            Meu caro Pedro, meu caro Jarbas, minha longevidade em política me faz, me obriga a pronunciar nesta tarde um discurso de saudade e de nostalgia, mas o que me deixa feliz é que, ao longo de toda minha vida pública, procurei, e consegui, escolher as companhias. Tenho a ventura de dizer que não trilhei caminhos do erro. Sempre procurei os bons exemplos. Ulysses, talvez, o maior de todos, porque era o mais político de todos. Acordava política, almoçava, jantava e dormia política, e da política não se cansava.

            A frase dita aqui: “Se souberem que eu morri, fiquem certos de que vai um homem contrariado”, era mesmo uma característica sua. O discurso da despedida, em que ele promete continuar vestindo a farda da luta, é a sua cara. Daí por que nem aos melhores amigos ele deu o direito de que pegassem na alça do seu caixão. Simplesmente desapareceu, e pronto. (Palmas.)

            Gostaria de pedir a transcrição, nos Anais da Casa, de um artigo escrito pelo ex-Presidente do PMDB, e Presidente de Honra, Paes de Andrade, intitulado “Ulysses e o Mar”, em comemoração a alguns aniversários da morte de Ulysses Guimarães.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR HERÁCLITO FORTES

EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Ulysses e o Mar”. Artigo de Paes Andrade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2007 - Página 34168