O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores; Deputado e Embaixador Paes de Andrade, Presidente de Honra do PMDB; Sr. Oswaldo, que acompanhou de perto essa verdadeira saga do Dr. Ulysses Guimarães; Deputado Michel Temer, Presidente do PMDB, esta sessão, sugerida pelo Senador Jarbas Vasconcelos, para homenagear a memória do Dr. Ulysses Guimarães é importante por várias razões, entre elas porque somos um País pouco acostumado a preservar e zelar pela memória daqueles e daquelas que, ao longo da nossa história, têm-se dedicado à causa da construção de um País verdadeiramente livre e democrático.

            Esta sessão especial do Senado Federal, nesta tarde, para homenagear e lembrar a memória de Dr. Ulysses, tem um significado também muito importante pelas lições que ele nos deixou e também para avaliarmos e pensarmos a importância da sua presença, se vivo estivesse, para, com certeza, orientar e discutir as grandes questões nacionais que tanto o empolgavam, questões, muitas delas, ainda muito longe de serem resolvidas. Com certeza, a sua história de dignidade nos ajudaria bastante a enfrentar com mais determinação e com mais coragem os momentos graves da vida política nacional que hoje presenciamos à distância, principalmente entre aquilo que quer o nosso povo e aquilo que efetivamente conseguimos realizar, encaminhar e tratar no âmbito do Congresso Nacional, especialmente aqui no Senado.

            A verdade é que o Brasil perdia, há 15 anos, naquele trágico acidente de helicóptero no litoral do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Ulysses, sua esposa, Dª Mora, e também o ex-Senador Severo Gomes e sua esposa, Dª Henriqueta.

            Quero registrar algumas das passagens da vida do Dr. Ulysses que marcaram a militância política de milhares de brasileiros.

            O Dr. Ulysses, como era, carinhosamente, chamado por seus pares no Parlamento e fora dele, valorizou a função pública e o mandato político, como exemplo no campo da ética e da representação popular. Sua imagem sempre foi de austeridade, de seriedade, de honestidade e de compromisso com a democracia e com os interesses nacionais e também de quem lutou contra a ditadura militar e a opressão.

            Não posso deixar de registrar as andanças de Ulysses Guimarães nas manifestações populares e os enfrentamentos com policiais, como ocorreu em Salvador, em São Bernardo do Campo ou no Rio de Janeiro, durante as memoráveis jornadas de lutas pela anistia ou nas greves de trabalhadores que sacudiram o País nos anos 80, desafiando a ditadura militar e seus representantes. Esteve ao lado das lutas e mobilizações dos estudantes e trabalhadores, sempre as apoiando, e também teve importante papel na articulação e mobilização pelo restabelecimento das eleições diretas no País.

            Durante a Assembléia Nacional Constituinte, teve importante papel como negociador dos temas mais delicados e conseguiu avanços importantes no capítulo dos direitos dos trabalhadores e da cidadania. Claro que, à época, havia fortes movimentos reivindicatórios e greves de trabalhadores e de servidores públicos que acabaram influenciando para que se ampliassem os direitos na Constituinte.

            Quero fazer um registro da importância do trabalho do Dr. Ulysses como indutor e defensor das liberdades democráticas num momento político em que discordar e divergir da ditadura militar se constituía em motivo para cassações de mandatos e de direitos políticos de centenas de brasileiros, e para outros, infelizmente, significou tortura e morte nas prisões brasileiras naquele triste momento da história de nosso País.

            Iniciei minha militância política nos sertões do Ceará, ainda na década de 70, quando, ao tentar descobrir e conhecer um pouco da realidade política do País naquele momento, tínhamos como referência, àquela época, quando só existiam dois partidos, o grupo autêntico do MDB, do qual Paes de Andrade era uma das mais expressivas figuras daquele combate, ao lado de Jarbas Vasconcelos, de Pedro Simon, de Marcos Freire e de tantos que se destacaram na luta pelas liberdades democráticas no nosso País.

            Tive minha militância iniciada em um momento de luta pela anistia dos presos políticos, quando brasileiros e brasileiras que ousaram discordar do regime de plantão, do arbítrio e da violência institucionalizada recebiam todo tipo de ameaça, todo tipo de violência, prisão, cassação e até a morte de muitos compatriotas.

            Portanto, ao fazermos aquela luta pela anistia, ao participarmos daquela que eu considero uma das mais memoráveis campanhas de massa realizada pelo povo brasileiro, que queria o retorno à democracia, a possibilidade da escolha direta dos seus representantes - lutávamos contra o Colégio Eleitoral e as imposições dos presidentes nomeados pelos generais e aqui referendados pelo Colégio Eleitoral -, a luta pela redemocratização do País não pode ser considerada ou registrada sem a presença, sem a figura desse que consideramos, com certeza, um dos maiores líderes do nosso tempo, do século XX, que foi o Dr. Ulysses Guimarães. Honrou todos os mandatos que do povo recebeu e demonstrou, em todos os momentos de sua atuação política, o amor ao Brasil e ao seu povo, a dedicação, a luta por transformações que significassem efetivamente a mudança concreta da vida do nosso povo.

            Tantas vezes percorreu o País em quantas campanhas: da anistia, das eleições diretas, da Assembléia Constituinte, da afirmação da luta contra a ditadura, da afirmação do próprio MDB, depois PMDB, como oposição ao regime de então.

            Associo-me a esta homenagem que presta o Senado Federal, com toda a nossa vontade de aqui afirmar o significado da presença do Dr. Ulysses na história política brasileira. Ele, ao percorrer este País, não ia tão somente às capitais, mas às cidades do interior.

            Tive a oportunidade de encontrá-lo em pelo menos três oportunidades em cidades do interior do Ceará, quando pregava a mensagem pelas liberdades democráticas, quando da campanha pelas eleições diretas, a mais bela campanha de massa que este País já vivenciou.

            Com certeza, a nossa história, a história dos que combateram a ditadura militar e que hoje continua por intermédio daqueles que acreditam e lutam por um País efetivamente justo, com certeza, tem na figura do Dr. Ulysses um exemplo a ser seguido. É um exemplo de renúncia, de tenacidade, de determinação que orgulha a história de todos aqueles que ajudaram a construir as lutas democráticas para pôr fim ao regime de exceção, ao regime de violência que a ditadura representou em nosso País.

            Portanto, fazer este registro histórico significa deixar para as futuras gerações um exemplo de cidadania e de honradez na política. Sua história dignifica a função pública e a figura do político brasileiro honesto. Mesmo que, em conteúdo, muitas vezes, eu tenha tido divergências políticas e programáticas com um dos fundadores do MDB, depois PMDB, esta é uma justa homenagem a um grande dirigente, a um grande brasileiro, que, sem dúvida, marca a história política do Brasil contemporâneo.

            Muito obrigado.