Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Deputado Ulysses Guimarães pelo transcurso dos 15 anos do seu falecimento.
Aparteantes
Neuto de Conto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2007 - Página 34184
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, SIMBOLO, DEMOCRACIA, BRASIL, REPRESENTAÇÃO, LUTA, APOIO, ELEIÇÃO DIRETA, ELOGIO, BIOGRAFIA, PERIODO, ATUAÇÃO, PRESIDENCIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, DEFESA, PARLAMENTARISMO, IMPORTANCIA, CONDUTA, RECUSA, CONVITE, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CARGO PUBLICO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), MOTIVO, PRIORIDADE, INTERESSE NACIONAL.
  • ELOGIO, HISTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), CONTRIBUIÇÃO, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • DETALHAMENTO, CONDUTA, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, QUALIDADE, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, ORIENTAÇÃO, ATUAÇÃO, ORADOR.

            O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Heráclito Fortes, eu queria também me dirigir à direção nacional do PMDB, na pessoa do Embaixador Paes de Andrade, e eu diria aos familiares, porque Oswaldo era muito mais do que um assessor, amigo, companheiro do Dr. Ulysses. Eu diria que fazia parte da família, acompanhou-o ao longo de toda a vida. É muito importante que você esteja aqui, Oswaldo, pela sua história e pelo que você representa neste momento.

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, eu começaria dizendo que nós vivemos, ao longo de quase 25 anos, um período de ditadura militar, de opressão, de repressão, de censura e de tortura, um tempo em que os partidos foram amordaçados, reprimidos, contidos, um tempo em que a liberdade de expressão, o direito de voto, o sonho de uma Constituinte, a luta pela anistia eram valores decisivos daqueles que queriam construir um País mais solidário, mais generoso, um País democrático. E algumas figuras tiveram papel decisivo, não apenas pela capacidade e habilidade de articular, de compor, de agregar, como era o Dr. Ulysses Guimarães, mas também pela coragem cívica de se opor ao regime militar nos momentos mais difíceis.

            Ulysses não começou a luta pela democracia quando ela ganhava as ruas nas grandes manifestações, com o povo vestido de amarelo nas Diretas Já. Dr. Ulysses Guimarães começou muito antes, quando poucos se opunham verdadeiramente àquela presença opressora de um regime militar, que castrou os sindicatos, reprimiu a representação política, cassou mandatos, mandou toda uma geração para o exílio, tantos estudantes e combativos. Lideranças de movimentos sociais foram para a prisão, para a tortura, para a repressão; uma parte da resistência à ditadura foi para a clandestinidade; e o Dr. Ulysses sempre esteve à frente dessa luta democrática.

            Eu diria que é um dos maiores símbolos que este País construiu, não apenas naquele período histórico, mas também na importância da representação parlamentar. Ele foi, e sempre foi, acima de tudo, um Deputado Federal. Ele não veio para o Senado; fez uma campanha presidencial que acho que não foi o momento mais importante de sua biografia; a sua biografia era verdadeiramente a Câmara dos Deputados; era a luta parlamentar; eram os projetos de lei.

         Quando cheguei em Brasília - já contei esta história, vou repetir hoje, porque é o que me marca, Oswaldo -, eu era Deputado Federal com 36 anos de idade, Dr. Ulysses tinha 44 anos de mandato. Eu disse: “Dr. Ulysses, o senhor tem mais tempo de mandato como Deputado do que eu de vida”. Eu nunca tinha sido vereador nem deputado estadual. Tinha sido dirigente sindical, militante político, ajudei a fundar o PT, tinha uma história de militância política, ajudei a coordenar campanhas presidenciais, mas nunca tinha tido mandato. Falei: “Estou chegando cheio de expectativa, Dr. Ulysses. Queria saber o que o senhor recomenda para um deputado que está chegando aqui, que, pela primeira vez, vai ser deputado, e o senhor é não só o deputado mais antigo, como é, eu diria, a maior referência aqui”.

            Ele era o único Deputado que tinha dois gabinetes, e ninguém reclamava. Não tinha nada de importante na Câmara que não passasse pelo gabinete dele. E eu falei: “Dr. Ulysses, eu queria dizer uma coisa para o senhor. Eu acho que o senhor não devia ter tido tantas presidências quanto o senhor teve. O senhor foi Presidente do Partido, candidato a Presidente da República, Presidente da Assembléia Constituinte e Presidente da Câmara dos Deputados. O senhor tinha quatro presidências. Mas eu não consigo entender como é que deixam o senhor sem nenhuma presidência. É um erro do partido, com a história, com a simbologia, com a representatividade, com a credibilidade, V. Exª ficar agora sem nenhuma presidência. E como é que começa uma vida de deputado?”

            Ele falou: “Mercadante, quero dizer-lhe algumas coisas”. E sempre as guardei, já repeti isso para você, Oswaldo, nunca me esqueci. “Primeira coisa: meu coração tem uma espécie de cemitério onde eu enterro os traidores. Prepare o seu. Você está começando a vida pública, você vai ver que isso faz parte da vida pública. E o que fizeram comigo, seguramente, pelo caminho que vai trilhar, um dia você vai ver que isso acontece na vida pública. A segunda coisa que eu queria dizer para você é o seguinte: quando alguém for nomeado, se você não puder comparecer, não é grave; se alguém for promovido e você não puder passar um telegrama ou telefonar, não é grave; mas, se for demitido, não se esqueça de estar lá, de ligar e comparecer; se a filha de um amigo seu casar e você não puder ir, não vai fazer falta, porque é um momento de felicidade; mas, se estiver doente, vá ao hospital.”

            Então, a atitude dele diante da vida, a sabedoria política dele, o momento em que o outro precisa, o momento em que você tem de estar ao lado, o momento em que você tem de estar solidário foi uma segunda coisa que me marcou.

            A terceira coisa que ele me disse foi: “Mercadante, não se meta em coisa pequena. Quem se mete em coisa pequena fica pequeno. Vá tratar das grandes questões do Brasil, cuide dos grandes temas, porque eu acho que esse é o seu caminho.”

            Essa também foi uma lição da qual nunca abdiquei.

            Ao longo de meu mandato de deputado, lembro os momentos. O Dr. Ulysses, por exemplo, passou anos sem falar da tribuna. O dia em que ele subiu na tribuna foi aquele silêncio, e ele lançou o plebiscito e defendeu o Parlamentarismo da tribuna; fez um discurso memorável, colocando um dos temas que ia ser decisivo para o futuro democrático do Brasil.

            Fiz uma viagem com ele, que estava com a D. Mora. Fomos para Camarões, na África, como representantes da União Interparlamentar. Quando chegamos lá, o Luís Eduardo Magalhães ligou para ele em nome do Presidente Fernando Collor de Mello, convidando o Dr. Ulysses para ser Ministro das Relações Exteriores. Ligaram para o telefone celular dele, e eu estava do lado.

            Ele atendeu ao telefone: “Ah, não, Luís Eduardo. Agradeça ao Presidente, me sinto muito honrado com o convite, mas diga a ele que não é bom para o MDB, não é bom para a Câmara dos Deputados, não é bom para o Governo dele e, seguramente, não é bom para o Brasil. Agradeço, mas não assumirei essa função”. Aí desligou o telefone, e a D. Mora disse: “Ulysses, como é que você faz isso, Ulysses? Não vai dar nem para sair na imprensa brasileira que você foi convidado. Você tinha que pedir vinte e quatro horas para dar a resposta, para, pelo menos, o Brasil saber que você foi convidado e, depois, você dizer não”.

            A D. Mora era presente, estava sempre ali do lado dele, sempre interferindo, sempre orientando. Ele disse: “ Mora, não tem tempo nenhum, não. Não é bom para mim, não é bom para o MDB, não tem discussão sobre isso. Não vou ser Ministro”. Aí, a D. Mora disse: “Mercadante, pelo menos liga para imprensa e diga que ouviu essa conversa, porque, senão, não vai nem sair na imprensa”. Eu peguei meu telefone, lá na África, dei umas telefonadas e tal para tentar passar à imprensa alguma informação. Saíram algumas colunas, alguma matéria, mas realmente não teve repercussão, porque ele foi muito direto.

            Então, eu vi um homem público que só soube engrandecer o Parlamento e a história do Brasil. Eu vi esse PMDB, a referência, que ainda é um dos maiores partidos deste País, a maior Bancada de representação desta Casa, um partido fundamental na governabilidade do País.

            Aqui no Senado, sem o PMDB, especialmente no primeiro Governo Lula, nunca teríamos feito as reformas e os avanços que nós construímos. Diria que um dos lados mais importantes dessa história política é a imagem, a história, a atitude e a construção do Dr. Ulysses Guimarães.

            Por isso, é mais do que justa esta homenagem, e, a tantas quantas forem feitas que eu possa vir a comparecer, seguramente eu estarei presente. Se ele fosse nomeado, talvez não pudesse vir, mas, para lembrar a sua história - não esqueci a lição, ouviu, Oswaldo? -, vou estar sempre homenageando.

            Concedo um aparte ao Senador Neuto de Conto.

            O Sr. Neuto de Conto (PMDB - SC) - Eminente Senador Aloizio Mercadante, não poderia furtar-me, nesta oportunidade, de também registrar este momento tão importante em que o Senado e o Congresso homenageiam a figura de um dos brasileiros que tive a oportunidade de conhecer, de aprender muita coisa e segui-lo desde a fundação do MDB, em 1966, continuando seus passos e os seus conselhos. Quando residia no mesmo prédio que ele, quando deputado federal, por muitas vezes, ele precisava conversar com alguém em muitas madrugadas em que ele, sem sono, precisava conversar. E eu não era um dos que participava para conversar de política. Eu assisti a essa biografia extraordinária apresentada, no dia de hoje, pelo eminente Senador Pedro Simon, do Rio Grande do Sul. Todos aqui que falaram trouxeram o seu sentimento desse brasileiro. Conheci três vultos da nossa história contemporânea, que cito aqui. O de expressão maior, falaria primeiramente de Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, o Louco Manso, que teve a sua vida ligada praticamente à UDN. Mas veio se consagrar e levantar o público do Brasil principalmente nas Diretas, dentro do meu Partido, o PMDB. Um outro vulto extraordinário, muito citado aqui hoje: Tancredo Neves, pelo seu PDS, PSD, pelo PP, mas encerrou a carreira na composição dos partidos, vindo para o MDB, PMDB. Conseguimos também tê-lo como Presidente da República, embora, naquela jornada fatídica, não tenha assumido. E o sempre MDB, o sempre PMDB: Ulysses Guimarães. Este, então, nos fecha, nesse período contemporâneo, formado por esses três vultos, a história, um passado que não passou, mas que ficou registrado nas nossas memórias e, certamente, no bronze da história. São três as personalidades que dela fazem parte, mas, em especial, Ulysses Guimarães. Fico imensamente satisfeito, gratificado pela oportunidade de poder cumprimentá-lo nesta tribuna e fazer coro com tantos quantos aqui se somaram neste dia, nessa importante, bela, honrosa homenagem a esse homem público que nos deixou um legado, nos ensinou muito. Nós o temos seguido e pensando muito nos seus ensinamentos para o bem do nosso País, para o bem dos brasileiros, para o bem desta Pátria que tanto precisamos lutar para ajudar. Muito obrigado.

            O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Quero agradecê-lo, Senador Neuto de Conto. Seguramente sua trajetória, sua atitude nesta Casa é parte desse legado, dessa construção do Dr. Ulysses.

            Quero encerrar dizendo que uma vez peguei um vôo no qual estava o Dr. Ulysses - ele sempre sentava na primeira fileira, no corredor, ele sempre sentava no mesmo lugar nos vôos de ida e volta para São Paulo. Havia uma tempestade muito forte, o avião arremeteu três vezes, havia um clima no avião. E brinquei, dizendo - o avião estava cheio de gente importante: “É, Dr. Ulysses, o negócio vai ficar difícil, porque, se o avião cair, o senhor vai virar nome de avenida, talvez alguém vire nome de praça, e eu vou virar nome de pinguela, lá na Zona Leste, porque não vai haver tanta rua”. Eu disse isso porque estava todo mundo naquele vôo, que é o suspiro do suplente, todo mundo voltando para Brasília. E ele falou: “Mercadante, nada disso. Pode ter certeza, porque estou sempre voando aqui, faz 44 anos, não tem perigo que essa coisa aconteça. E, se você algum dia vir meu caixão passando pela rua, saiba que ali vai um homem contrariado, porque gosta de viver”.

            Quanto a essa imagem também do vôo e do dia em que ele me disse: “Olha, se um dia você vir meu caixão na rua, saiba que ali vai um homem contrariado”, acho que era tão forte essa convicção dele que ninguém jamais viu. Ele ficou perdido, seu corpo no mar, mas sua história, sua biografia, sua presença vão ficar sempre, eu diria, marcadamente na história da democracia, do Parlamento e da vida pública brasileira.

            A imagem mais forte dele foi no último comício das Diretas, no Vale do Anhangabaú, onde havia um milhão de pessoas. Ali estavam Brizola, Franco Montoro, Mário Covas, o Presidente Lula, Ulysses Guimarães - muitos já não estão aqui presentes -, e Osmar Santos fazia a apresentação. Foi um daqueles momentos em que o povo se levanta e consolida um passo decisivo na civilidade, na democracia, nas liberdades. E aquele passo foi construído cuidadosamente, foi tecido durante muitos anos por figuras da estatura de Ulysses Guimarães.

            Portanto, deixo aqui a minha homenagem, a minha mais profunda homenagem e esse imenso sentimento de perda que fica para o Brasil, cujo único consolo é a herança, é a atitude, é a imagem, é a biografia de pessoas como Ulysses Guimarães.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2007 - Página 34184