Discurso durante a 174ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso do centenário da Segunda Conferência da Paz realizada em Haia, destacando a herança deixada por Rui Barbosa naquela Conferência. Transcrição do artigo do jurista Antonio Augusto Cançado Trindade, intitulado "O Centenário da segunda Conferência de Paz de Haia".

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso do centenário da Segunda Conferência da Paz realizada em Haia, destacando a herança deixada por Rui Barbosa naquela Conferência. Transcrição do artigo do jurista Antonio Augusto Cançado Trindade, intitulado "O Centenário da segunda Conferência de Paz de Haia".
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2007 - Página 34319
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAZ, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, IMPORTANCIA, HERANÇA, RUI BARBOSA, PATRONO, SENADO, INSERÇÃO, BRASIL, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, POLITICA EXTERNA, REGISTRO, ANTERIORIDADE, SITUAÇÃO, PAIS, POSTERIORIDADE, CONFERENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CENTENARIO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAZ.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores: “A paz será uma palavra vazia de sentido se não se fundar na ordem: ordem fundada na verdade, constituída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade”.

Foram essas as palavras que o Papa João XXIII utilizou em sua Encíclica Pacem in Terris para definir o alcance e a importância da paz. São palavras do então Pontífice, muito importantes nos dias de hoje, porque vivemos tempos caracterizados não somente pela ausência da paz, mas pela existência de guerras localizadas que se prolongam.

A busca da paz tem sido, ao longo da história, como sabemos, um dos princípios norteadores também da política externa brasileira.

Nossa Constituição Federal, que completou, no dia 5 passado, dezenove anos de vigência, logo no preâmbulo, declara o Brasil “(...)uma sociedade fraterna (...) comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...)”. No seu art. 4º, advoga a não-intervenção (inciso IV); preconiza a igualdade entre os Estados (inciso V) e a defesa da paz (inciso VI).

Esses preceitos, Sr. Presidente, têm profundas raízes na índole do nosso povo e em nossas tradições. A busca da paz na comunidade internacional teve, através de manifestação do Brasil, grande repercussão em todo o mundo na Segunda Conferência da Paz realizada na Haia em 1907, onde tanto se distinguiu Rui Barbosa, patrono do Senado Federal cujo busto se encontra acima da Mesa Diretora dos trabalhos do plenário. O ano de 2007 assinala, portanto, o centenário daquela Conferência dos começos do século XX, quando suas advertências tiveram, pouco a pouco, um grande efeito e inúmeras e positivas conseqüências.

Na realidade, a Conferência de 1907 ajudou também, e muito, a projetar o Brasil no exterior.

Entre a Primeira Conferência de 1899 e a Segunda Conferência, de 1907, a que já aludi, haviam ocorrido importantes mudanças no mundo. Na Primeira apenas um país latino-americano, o México, estivera presente, na Segunda o número aumentou para dezoito, entre estes o Brasil, conforme, aliás, salientou o internacionalista e professor Antônio Augusto Cançado Trindade. Desde 1889 que os países da América Latina e os Estados Unidos tinham começado a reunir-se multilateralmente. Em 1901 houve no México a Primeira Conferência Panamericana; em 1906, a Segunda, no Rio de Janeiro.

As propostas da América Latina focalizavam principalmente quatro pontos: recurso à arbitragem e condenação ao uso da força entre Estados, a luta pela igualdade jurídica dos Estados e o fortalecimento da jurisdição internacional, inclusive ensejando o acesso aos indivíduos, temas que foram objeto de grande preocupação de Rui Barbosa. O Pacto Briand-Kellog de 1928, liderado pelos representantes francês e americano que lhe dão o nome, foi outro grande passo à frente na renúncia à guerra na solução de problemas internacionais, princípio incorporado, posteriormente, na Carta das Nações Unidas, a ONU, que, aliás, vem tendo um papel importante na redução dos conflitos internacionais, se bem que viva atualmente momento de grande crise, porque muitas questões graves que afetam a paz e a segurança internacionais, que são os objetivos que levaram à criação da Organização das Nações Unidas, estão sendo arbitrados fora do locus competente, que seria a própria Organização das Nações Unidas.

De toda maneira, não podemos deixar de reconhecer o papel que a ONU cumpre na busca da paz e da segurança internacionais e também na busca do crescimento das nações menos desenvolvidas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, volto à Conferência da Haia de 1907. 

Ao ser oficialmente aberta a Segunda Conferência de Paz na Haia, numa das primeiras sessões, o representante da Rússia, Frederico de Martens, após ouvir discurso de Rui Barbosa sobre presas marítimas, retrucou-lhe com impaciência: “O memorial do nobre embaixador do Brasil constará dos processos verbais das nossas sessões, devo, porém, observar-lhe que a política não é da alçada da Conferência”. 

Rui logo percebeu a pretensão, por parte de Martens, de limitar os debates às grandes potências, excluindo, conseqüentemente, o Brasil, já emergente entre elas, e respondeu de improviso, com veemência e, para surpresa de muitos, com grande consistência intelectual e técnica: 

“A política no significado mais vulgar da palavra, essa ninguém o contesta, nos é defesa em absoluto. Mas na outra, na grande acepção do termo, a mais elevada, e nem por isso a menos prática, nessa acepção que olha aos supremos interesses das nações umas a respeito das outras, considerada nessa acepção a política, acaso nos poderiam tolher? Não, senhores”.

A Política [e recorro a uma expressão usada com muita propriedade por Joaquim Nabuco] com “P” maiúsculo, como definiu no livro sobre seu pai intitulado Um Estadista no Império, foi, na Segunda Conferência de Paz, exercida em seu ponto máximo por Rui ao defender a igualdade jurídica internacional em palavras por ele mesmo retransmitidas em relatório ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Barão do Rio Branco.

Nunca é demais exaltar o papel de Rio Branco no campo da política externa brasileira, ele que foi, durante dez anos, Ministro das Relações Exteriores e que tanto ajudou a definir os limites territoriais do País com seus vizinhos e avançou, e muito, na inserção do Brasil na comunidade internacional.

Dizia Rui no relatório que encaminhou a Rio Branco:

“Historiei e acentuei a sua importância no papel internacional e a evidência das conseqüências fatais se se insistir no erro de convencer os Estados de serem a força militar o único critério de distinção entre as nações (...) E de todos os países da América Latina, o Brasil é o único ao qual as grandes potências, especialmente os Estados Unidos da América, recorreram para a arbitragem”.

E mais adiante acrescenta Rui: “As grandes potências, em sua grande maioria - Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália -, não desdenharam de entregar seus interesses a árbitros brasileiros, mesmo sob a forma augusta da presidência dos tribunais convocados a julgar tais assuntos.”

Aliás, vale lembrar que Rui, na Haia, mostra a abrangência da política ao afirmar “obviamente, só visara à política militante, a política de ação e combate, a que revolve, agita e desune os povos nas suas relações internas ou nas suas relações internacionais: nunca a política encarada como ciência, a política estudada como história, a política explorada como regra moral. Portanto, desde o momento em que se cogita de elaborar leis domésticas ou internacionais para as nações, o que antes de mais nada releva inquirir, no que respeita a cada projeto, é a possibilidade, a necessidade, a utilidade ao alvitre, diante da tradição do atual estado dos sentimentos, das idéias e interesses que animam os povos, que senhoreiam os governos. Ora bem: que é senão política isso tudo?”, terminava indagando Rui Barbosa.

Ressalte-se: a opinião pública nacional, pelos seus principais jornais, aplaudiu em Haia as posições de Rui Barbosa, com imediata repercussão em todo o Brasil.

No retorno de Rui ao Brasil, ele passou primeiro pela Bahia, sua terra natal, para receber os aplausos dos conterrâneos; prosseguiu para o Rio de Janeiro, então capital da República, onde foi recebido no porto pelo próprio Barão do Rio Branco. Na porta do Palácio do Catete, aguardava-o o então Presidente da República, Afonso Pena, que, aliás, teve um papel muito importante no encaminhamento dessas questões. Ao longo do trajeto até chegar ao Palácio, as ruas estavam engalanadas e o povo o aplaudia, homenageava Rui Barbosa.

Joaquim Nabuco, lembrado pelo Barão de Rio Branco para essa missão em Haia, aceitou a tarefa de assessorar Rui Barbosa.

Com o falecimento de Machado de Assis, ocorrido no ano subseqüente, em 1908, se não estou equivocado, Rui Barbosa substituía-o na presidência da Academia Brasileira de Letras, Vice-Presidente que era da Academia. E Joaquim Nabuco seguia para Washington em sua derradeira missão diplomática. No começo, Joaquim Nabuco recusara o convite, mas convencido de que se tratava de uma questão de Estado, aceitou a função de Embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

É bom lembrar que Nabuco também, por ser monarquista, não queria arbitrar a questão da Guiana, quando para isso foi convidado por Rio Branco. Entendia que não deveria ser o advogado brasileiro, posto que estaria servindo a um Governo republicano. No entanto, Rio Branco o convenceu.

O Barão do Rio Branco, com seu também extraordinário talento, soubera reunir em torno de si, no Itamaraty, as maiores inteligências de seu tempo no trabalho conjunto pela grandeza do Brasil. A Segunda Conferência na Haia, em 1907, tornara-se uma das mais importantes etapas da política internacional brasileira.

A continuidade em negociações de paz na Holanda propiciou a criação de importantes instituições na Haia: o Tribunal Penal Internacional - que, aliás, começa a produzir bons resultados - e a Corte Internacional de Justiça, da qual vieram a fazer parte seis brasileiros, entre os quais se destacam Epitácio Pessoa, cidadão que fora Deputado Federal, Senador da República, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente da República; o Embaixador Sette Câmara, de brilhante carreira na ONU, no Itamaraty e na Corte, onde exerceu dois mandatos sucessivos; o mesmo poderíamos dizer com relação a José Francisco Rezek, professor de Direito Internacional, Ministro das Relações Exteriores e do Supremo Tribunal Federal. Hoje, o internacionalista Antônio Augusto Cançado Trindade nela vem se destacando ao apresentar-lhe importantes pareceres e pesquisas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no ano do primeiro centenário da Segunda Conferência de Paz na Haia, o Brasil pode e deve insistir ainda mais na sua política internacional pacífica. Mais do que nunca a paz é fruto da justiça. Aliás, há uma expressão latina que diz: opus justitiae pax, ou seja, a paz é fruto da justiça.

Em um mundo tão conturbado por guerras, o Brasil precisa trazer sua contribuição mediadora com maior presença que a atual. Nossa política externa precisa prestigiar ainda mais a Corte Internacional de Justiça da Haia para fazê-la a suprema instância mediadora dos conflitos mundiais. A ONU é uma instância política; aquela Corte, por sua vez, tem condições de completá-la na medida em que lhe sejam encaminhadas as questões mais relevantes.

Devemos, pois, ter presente a necessidade de prestigiar os fóruns como a Corte Internacional de Justiça da Haia e o Tribunal Penal Internacional, entre outros.

Esse era o espírito da grande intervenção de Rui Barbosa na Segunda Conferência, que lhe valeu, como sabemos, o nome de “Águia da Haia”.

Nossa atuação na Corte precisa também ter novamente a presença de juristas brasileiros entre seus membros. O internacionalista Antônio Augusto Cançado Trindade, a que me referi, destacado doutrinador e membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Costa Rica, tem todas as condições de integrar a Corte da Haia em vaga existente. O Brasil projeta-se, assim, por intermédio dos brasileiros e nós os temos de conceito mundial. Antônio Augusto Cançado Trindade está entre eles.

A magnitude da economia brasileira e o tamanho da nossa população e do território exigem, cada vez mais, uma atuação ativa em prol da paz. Na Presidência do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil exerceu importante papel entre os mediadores da questão de limites fronteiriços do Equador e do Peru, com solução satisfatória para ambos, conforme está demonstrado na Carta de Brasília, que foi o documento em que ficou definido o acordo entre os dois países que chegaram à guerra. Esse é apenas um exemplo entre muitos que poderia brandir em favor do que estou defendendo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel...

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Vou ouvir V. Exª. Quero apenas concluir essa frase, para poder ter o prazer de ouvi-lo, nobre Senador Mão Santa.

Nada mais indicado, portanto, para honrar a herança deixada por Rui Barbosa, na Conferência da Haia, do que cultuar sua memória e seguir seus exemplos.

Concedo, portanto, a palavra ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, para mostrar ao mundo e ao Brasil a necessidade do Senado, antes de Rui Barbosa, que é um exemplo magnífico, que nos enriquece, o Senador romano Cícero disse pares cum paribus facillime congregantur, ou seja, “violência traz violência”. Depois, vieram figuras como V. Exª, como o Pedro Simon. Aliás, meu patrono Francisco disse: “Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz”. E ele compartilhou suas riquezas e andava com uma bandeira, não como nós, que andamos com a bandeira do PMDB e do Brasil. Ele andava com a bandeira “Paz e bem”. Rui Barbosa nos enriquece, e sua grandeza nesta Casa V. Exª relembra. Por isso, ele está ali, porque, sem dúvida nenhuma, foi esse ícone de melhoria da democracia, em que se buscam a paz e os conceitos que temos de reviver nesta comemoração e nesta homenagem de V. Exª. Ele está ali, porque disse que temos de dar primazia ao trabalho e ao trabalhador, que vem antes, pois é o trabalhador que faz a riqueza. Isso é para o Luiz Inácio saber que é preciso trabalho e trabalhador. Sem dúvida nenhuma, fico constrangido, mas ele nos advertiu que “vai chegar o tempo em que se terá vergonha de ser honesto, de tanto campear a corrupção”. Esse dia chegou, no Governo que estamos enfrentando. Deu-se esse mar de corrupção, que atingiu os três Poderes, e V. Exª, em boa hora, vem rever aquele que construiu os melhores episódios da nossa vida: a libertação dos escravos e, depois, a República. Deu o ensinamento ao meu Partido: houve o primeiro Presidente militar, Deodoro, e o segundo, que foi Marechal Floriano, mas, quando foram nomear o terceiro, ele disse “tô fora!”. Foram buscá-lo e lhe ofereceram novamente o Ministério da Fazenda. Ele disse: “Não troco a trouxa de minhas convicções pelo Ministério”. Esse é o exemplo de um Senador de outrora, comparando-se com os Senadores atuais, vendilhões, que andam vendendo nosso Partido e os mandatos.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Nobre Senador Mão Santa, agradeço o aparte de V. Exª e as referências feitas por Rui Barbosa na Conferência de Haia.

Antes de encerrar, Sr. Presidente, gostaria de solicitar a V. Exª que apensasse ao discurso que acabo de proferir o artigo de autoria do Juiz Antonio Augusto Cançado Trindade, publicado no Correio Braziliense do dia 24 de setembro deste ano, intitulado a II Conferência de Paz da Haia, porque nele estão contidos muitos pontos relevantes do que se passou e se constrói nos dias que estamos vivendo na referida Corte.

Muito obrigado a V. Exª .

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCO MACIEL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, Inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“O Centenário da II Conferência de Paz da Haia”, artigo de Antonio Cançado Trindade, publicado no Correio Braziliense, de 24 de setembro de 2007.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2007 - Página 34319