Discurso durante a 177ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de ofício da Subcomissão Permanente de Assuntos da Pessoa com Deficiência do Senado entregue ao Ministro da Educação, requerendo iniciativas no sentido de que seja revista a decisão daquele Ministério recomendando que não sejam mais criadas escolas especiais para pessoas com deficiência.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • Registro de ofício da Subcomissão Permanente de Assuntos da Pessoa com Deficiência do Senado entregue ao Ministro da Educação, requerendo iniciativas no sentido de que seja revista a decisão daquele Ministério recomendando que não sejam mais criadas escolas especiais para pessoas com deficiência.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2007 - Página 34853
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, INICIATIVA, SUBCOMISSÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, ENCAMINHAMENTO, OFICIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), SOLICITAÇÃO, REVISÃO, PROPOSTA, AUSENCIA, CRIAÇÃO, ESCOLA PUBLICA, ENSINO ESPECIAL, IMPORTANCIA, CONTINUAÇÃO, CONVENIO, ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE), SOCIEDADE PESTALOZZI DO BRASIL (SPB), DEFESA, FAMILIA, PARTICIPAÇÃO, DEBATE.
  • CRITICA, ENSINO ESPECIAL, PAIS ESTRANGEIRO, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, FAMILIA, PROCESSO, EDUCAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, COMPARAÇÃO, MODELO, BRASIL, EFICACIA, DESENVOLVIMENTO, GARANTIA, DIREITO A CONVIVENCIA FAMILIAR, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, PROJETO, ASSISTENCIA, DEFICIENCIA.
  • SUGESTÃO, CONTINUAÇÃO, ENSINO ESPECIAL, PREPARAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, ENSINO FUNDAMENTAL, ADAPTAÇÃO, NECESSIDADE, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, POSSIBILIDADE, FAMILIA, ESCOLHA, OPÇÃO, IMPORTANCIA, OPORTUNIDADE, RESPEITO, INCLUSÃO.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a V. Exª, mas pretendo ser o mais breve possível.

Quero destacar para os colegas Senadores e Senadoras e para todos os que nos acompanham pelos meios de comunicação do Senado que a Subcomissão Permanente de Assuntos da Pessoa com Deficiência do Senado Federal, que é presidida pelo Senador Eduardo Azeredo e vice-presidida por mim, que nós dois, em conjunto com a Senadora Marisa Serrano, do Estado do Mato Grosso do Sul, e com outros Senadores, entregamos hoje ao Ministro da Educação Fernando Haddad um documento da subcomissão, oficial - com o apoio também de muitos outros Senadores que não fazem parte da subcomissão -, dizendo para o Ministro tomar iniciativas para que o documento oficial do MEC - preliminar, porém oficial - que está causando muita angústia, muita incerteza, muito desânimo, muita desesperança para as famílias brasileiras que têm filhos com deficiência seja alterado de imediato.

Esse documento do Ministério da Educação, como eu já enfatizei em outra ocasião desta tribuna, recomenda que, daqui para frente, não sejam mais criadas escolas especiais para pessoas com deficiência, como as escolas das Apaes, as escolas das Pestalozzis, as escolas para crianças surdas, cegas, com paralisia cerebral, enfim, para crianças, jovens e adultos que precisam de um atendimento que é ofertado em escola especial. Comentamos, no documento, que 3.500 municípios do Brasil praticamente não têm nada em educação para essas pessoas com deficiência.

Isso é um equívoco, isso é um erro, isso não acontece em país algum do mundo. Pode-se procurar em qualquer país do mundo que tenha dito que não vai mais ter escolas especiais, isso não acontece em qualquer lugar do mundo.

O documento recomenda que as escolas existentes deixem de ser escolas e que elas sirvam somente como apoio para as pessoas com deficiência. O que as escolas oferecem hoje em dia são programas baseados na Constituição Federal, na lei. As escolas especiais oferecem Educação Infantil de zero a seis anos, oferecem Ensino Fundamental e, dependendo da área, oferecem até Ensino Médio. Quantas escolas para surdos no Brasil oferecem o Ensino Médio para a população surda? Quantas oferecem educação de jovens e adultos, educação para o trabalho? Dirigindo-nos ao Ministro, dissemos que temos certeza de que S. Exª não conhece esse documento oficial do MEC, documento que é preliminar, mas que traz muita desesperança para o Brasil. Além do mais, o documento recomenda que não sejam feitos convênios, parcerias com Apaes e Pestalozzis, com entidades que, há sessenta anos, como as Pestalozzis, e há mais de 50, como as Apaes, estão presentes em dois mil municípios do Brasil, atendem pessoas com deficiência, são a âncora para o movimento de pais e amigos de pessoas com deficiência no Brasil.

Por que isso tudo? Porque existe um grupo de pessoas que, baseado numa experiência da Europa, não bem analisada, querem fazer a mesma coisa no Brasil.

O que acontecia nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa com relação às pessoas com deficiência? Essas pessoas eram enviadas para instituições, passavam a vida nessas instituições, quarenta, cinqüenta, sessenta anos longe das famílias.

Existe um movimento na Europa, muito adequado, que diz: “Vamos acabar com essas instituições. Essas pessoas têm o direito de ficar com as famílias, de ter sua escola próxima da residência de suas famílias, de ter assegurada a sua vida na comunidade”. É isso o que estão fazendo na Europa.

Nós, inclusive, temos um exemplo clássico disso no filme Rain Man, com Dustin Hoffman, no qual o pai falece e o irmão, com vinte e tantos anos de idade, acaba descobrindo que tinha um irmão autista que vivia, que morava numa dessas instituições.

Essas pessoas que estão municiando o Ministro da Educação no Brasil dizem: “Olhe, estão acabando com essas instituições na Europa. Vamos acabar com as Apaes no Brasil também”. São coisas completamente diferentes. As Apaes, as Pestalozzis, as escolas de surdos são escolas em primeiro lugar, estão nas suas comunidades.

Os nossos filhos - eu também tenho um filho, como já disse, com deficiência mental que participa de escola especial - vão para a escola de manhã e voltam na hora do almoço; vão de manhã e voltam à tarde. Essas escolas têm credibilidade, são comunitárias, são escolas públicas, não-estatais, que lutam por um processo de educação - inclusive dissemos para o Ministro hoje cedo: “Educação no sentido verdadeiro da palavra”.

Na palavra “educação”, há esse “ex”, que é o prefixo que quer dizer para fora.

O “duc” de “educação” quer dizer “conduzir”, conduzir de dentro para fora, para a independência, para o desenvolvimento do potencial, para a inclusão dessas pessoas na família, na comunidade, no trabalho, enfim, onde for possível. Há exemplos tão bonitos do que vem acontecendo.

Ontem, foi aberta a exposição de esculturas no Senado Federal, e cada Senador teve oportunidade de indicar uma escultura, uma obra. Estão sendo apresentadas, aqui, as esculturas de dois alunos da Apae de Toledo: o Diogo e o Alan, que têm Síndrome de Down e que estiveram aqui com o professor e artista plástico Neimar Proença. Assim, essas esculturas poderão ser apreciadas pelo Brasil. Isso significa inclusão, respeito, participação, chance, oportunidade.

Há alunos, educandos de escolas especiais, neste momento, que estão participando das Olimpíadas Especiais na China. Alunos de escolas especiais estão mostrando seu talento, sua garra, sua disposição, participando das Olimpíadas na China. Quantos não vão para a China?

Se compararmos o Brasil com os países europeus, eu diria que, no Brasil, há muito mais inclusão do que nos países europeus. Hoje, na Inglaterra, há escolas especiais para onde os alunos vão e onde ficam o ano inteiro, só voltando para suas famílias nas festas de fim de ano, apesar de, a duas ou três quadras dessa escola, haver um centro internacional que debate inclusão.

Nossas escolas são muito mais inclusivas, quer dizer, estão junto com a comunidade. Os alunos estão lá todos os dias, trabalhando, estudando. São escolas de educação básica autorizadas, reconhecidas, que prestam o trabalho que o Poder Público deveria prestar, mas que não tem condição de fazê-lo, porque o Poder Público jamais faria esse trabalho com a mesma doação e com o mesmo amor dos pais e das famílias que freqüentam essas escolas.

Portanto, esse clima, eu diria, de perseguição em relação a essas entidades é um crime que se comete. E uso a palavra “crime”, porque foi utilizada outro dia pelo Senador Romeu Tuma, quando presidia uma sessão e quando esse assunto foi abordado. É um crime que se comete!

O Ministério da Educação diz: “Vamos acabar com as escolas especiais, porque vamos criar alternativa nas escolas comuns”. Simplesmente, dizemos o seguinte: “Criem! Somos a favor disso. Criem alternativa nas escolas comuns!”. Acabar com uma coisa boa, que os pais reconhecem como boa, e dizer que vão criar algo na escola comum? Criem alternativa na escola comum, e a família poderá, inclusive, escolher onde o filho deve estudar.

Um dos princípios que são aceitos mundialmente e que teriam de ser observados no Brasil não é o de escutar a palavra do especialista, do técnico, da pessoa que não tem a experiência de família na condução desses casos, como é a situação do Ministério da Educação (MEC) no Brasil. Quando se tem alguma dúvida sobre o que é que se vai fazer ou sobre como as coisas podem ser conduzidas, mundialmente se fala, em primeiro lugar, com as pessoas com deficiência e com suas famílias; assim, obtêm-se as respostas, por meio desse diálogo com as famílias e com as pessoas com deficiência.

Lamentamos que isso esteja acontecendo. Entregamos o documento, como Subcomissão Permanente das Pessoas com Deficiência, para que o Ministro da Educação tome a iniciativa de devolver a tranqüilidade para o Brasil nessa área, porque quem está em escola especial é aquela criança, aquele jovem, aquele adulto que mais precisa de apoio para seu desenvolvimento.

Outro dia, recebi um e-mail de um pai que tem um filho autista de 40 anos de idade. Ele dizia: “Concordo. Temos de falar, temos de discutir! Nossos filhos merecem apoio”. E ele dizia que seu filho tinha 40 anos, era autista e cego, inclusive porque bateu muito com a cabeça, nos movimentos estereotipados, contra a parede; ficou cego por conseqüência.

Então, aproveitamos o momento em que estamos nesta tribuna para fazer novamente o apelo ao Sr. Ministro da Educação, para que não se deixe levar por argumentos fora da realidade, fora de contexto, de pessoas que não têm a experiência para considerar a História do Brasil nessa área. E eu diria até que falta para essas pessoas - e muito - algo de que o Brasil, sem dúvida alguma, também precisa muito hoje em dia: humanidade, solidariedade. É preciso pensar, escutar bastante, dialogar com as pessoas, achar soluções conjuntas e ver o que pode ser feito em conjunto, para que todos os cidadãos do Brasil possam ter chances, possam ter oportunidades. É esse espírito bom que deveria conduzir a coisa pública e que está muito em falta em certos setores do Ministério da Educação em nosso País.

Essas mudanças têm de acontecer, para que haja tranqüilidade e segurança, para que os direitos sejam respeitados, para que haja inclusão na escola comum, para que haja apoio às escolas especiais, quando necessário, para que possamos dizer que estamos construindo cidadania, direitos assegurados, democracia e participação.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Flávio Arns, V. Exª me permite um aparte bem rápido?

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Pois não, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Só quero dizer, Senador Flávio Arns, que eu o considero - já disse isto outras vezes e vou repetir - a pessoa mais preparada no Congresso Nacional, não só no Senado, para falar desse tema. Tenho muito orgulho de V. Exª. Sempre digo que V. Exª construiu uma grande obra como Relator do Estatuto da Pessoa com Deficiência. V. Exª, na sua humildade, sempre diz: “Mas V. Exª é que apresentou o original!”. Mas se não fosse o trabalho de V. Exª, o Estatuto não seria a realidade que é hoje. Já existe, inclusive, em nível nacional, uma campanha pela aprovação do Estatuto já, baseada no trabalho de V. Exª na Câmara dos Deputados, que fará as alterações que entender necessárias, em relação às quais, como sei, V. Exª não terá divergência. Quero cumprimentá-lo por essa sua luta, argumentada por V. Exª com muita clareza da tribuna do Senado neste momento, pelas escolas especiais, sem nenhum prejuízo para a inclusão permanente das pessoas com deficiência. Tenho a certeza, Senador Flávio Arns, de que o Ministro da Educação há de ouvi-lo. Quero ser soldado de V. Exª nessa caminhada - iremos juntos ao Ministério quantas vezes for necessário -, a fim de garantir, nos moldes que V. Exª apresenta e com o mesmo equilíbrio de V. Exª, as escolas especiais para as pessoas com deficiência, como um passo fundamental para que possamos conquistar, enfim, a inclusão para todos, sem prejuízo desse espaço fundamental que é a escola especial. Parabéns a V. Exª! Quero caminhar ao seu lado. Tenho viajado muito e estado em contato com as pessoas com deficiência, e todos me dizem que V. Exª está com a razão. Temos de dialogar mais com o Ministro da Educação, Ministro Haddad. Sei que S. Exª há de se sensibilizar diante dos argumentos que V. Exª apresenta, com muita precisão, para o conjunto da sociedade brasileira. Parabéns!

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Quero enfatizar, como disse V. Exª, que ninguém é contra a inclusão. O grande objetivo de todos nós, seja na educação comum, seja na educação especial de pessoas com deficiência ou sem deficiência, é a plena participação dessa pessoa na família, na comunidade, no trabalho. Tudo tem de ser feito para esse cidadão participar.

Quando uma família tem um filho com deficiência, é uma situação nova, é uma situação difícil, a família precisa ter apoio. Mas, particularmente, quando a família tem um filho com deficiência mais acentuada, com necessidades de desenvolvimento mais acentuadas - podemos citar inúmeros casos -, a família não está perguntando onde o filho vai estudar. A família, com certeza, vai fazer a pergunta: “O que posso fazer? Onde meu filho pode ter um bom atendimento, para que se desenvolva, para que seja feliz, para que tenha chances, para que os direitos sejam respeitados?”.

Então, a discussão não é onde, mas como podemos ajudar e como os direitos podem ser respeitados. Há tantos exemplos no Brasil extraordinários, e é uma luta que tem de ser reconhecida no País, não só para a pessoa com deficiência mental. Às vezes, as pessoas até dizem que o Flávio, falando assim, é contra a inclusão. De maneira alguma! Somos totalmente a favor e, inclusive, questionamos o MEC quanto a ter essa atitude discriminatória de dizer “vamos acabar e daí vamos construir”. Só inverta: vamos construir, vamos criar oportunidades e vamos deixar que os pais optem, como acontece em qualquer país do mundo!

A História do Brasil, inclusive pela característica do seu povo, de solidariedade, de humanidade, de união, no sentido de que quer fazer as coisas de forma conjunta, é reconhecida no mundo inteiro. Os europeus ficam entusiasmados quando vêem que, no Brasil, 2,5 mil Municípios contam com movimentos organizados nessa área, atendendo à pessoa com deficiência, às suas famílias. Na Europa, por exemplo, são 400 Municípios, 300 Municípios. Nos Estados Unidos, são 900 entidades. O Brasil tem duas mil entidades nessa área. Então, o Brasil é referência.

O apelo que fazemos para o Sr. Ministro da Educação, desta tribuna - e S. Exª tem obtido muito sucesso em muitas áreas, como V. Exª disse -, é para que principalmente haja equilíbrio, bom senso, sensibilidade, para que S. Exª consiga resgatar, nessa área da pessoa com deficiência - digo resgatar, porque o Ministério já teve isso -, princípios de respeito, de solidariedade, de dignidade, de diálogo, de compreensão, de busca conjunta, com o povo organizado, encontrando soluções para os grandes problemas que têm de ser enfrentados em muitas áreas e também na área da pessoa com deficiência, para a construção da sua cidadania.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2007 - Página 34853