Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem a todos os professores do País pela passagem do Dia do Professor.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Homenagem a todos os professores do País pela passagem do Dia do Professor.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2007 - Página 35048
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, PRESTIGIO, PROFESSOR, BRASIL, OBSTACULO, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, CATEGORIA PROFISSIONAL.
  • HOMENAGEM, DIA, PROFESSOR, DEBATE, GRAVIDADE, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, BRASIL, NEGAÇÃO, ACESSO, ENSINO, PERDA, RECURSOS HUMANOS, REGISTRO, HISTORIA, IMPERIO, ESCRAVATURA, REPUBLICA, REDUÇÃO, PRESTIGIO, MAGISTRADO, EDUCAÇÃO BASICA, SIMULTANEIDADE, INCLUSÃO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, ESCOLA PUBLICA, PREVISÃO, INSUCESSO, FUTURO, PAIS, PROTESTO, DESIGUALDADE SOCIAL, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, EFEITO, ATRASO.
  • DEFESA, AUMENTO, SALARIO, PROFESSOR, SIMULTANEIDADE, EXIGENCIA, MELHORIA, DESEMPENHO FUNCIONAL, OBJETIVO, IGUALDADE, EDUCAÇÃO, CLASSE SOCIAL, CONCLAMAÇÃO, BRASILEIROS, ENGAJAMENTO, LUTA, REVOLUÇÃO, SETOR.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu creio que podemos começar lembrando que uma das provas de que o professor no Brasil não é a categoria com o prestígio que merece é o fato de que nós tentamos tanto ter uma sessão especial para os professores no dia de hoje e não conseguimos.

Dia 3 de setembro, eu dei entrada a um pedido de uma sessão especial no dia de hoje, uma segunda-feira, que não atrapalharia os trabalhos normais. Demorou até o dia 27 de setembro para ser lida. No dia 1º de outubro, o senhor, Senador Mão Santa, estava na Presidência e tentou, sim. Quero agradecer o seu esforço. O Senador Paim pediu que fosse lido aqui o requerimento de criação de uma sessão especial para o professor, e não conseguimos.

Isso é uma das provas do desprestígio, Senador João Durval.

Depois que dei entrada ao pedido da sessão especial, outros fizeram o mesmo e conseguiram sessões especiais.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Mas nós estamos fazendo a sessão dos professores.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Nós dois. Mas eu queria esta Casa cheia, com uma sessão especial, com os professores sentados ali. Embora muitos estejam aqui nas galerias, em uma sessão especial, eles estariam sentados aqui, e nós estaríamos debatendo de uma maneira muito mais agradável.

De qualquer maneira, a Senadora Ideli Salvatti, o Senador Papaléo Paes, o Senador Paulo Paim e eu próprio, todos, estamos tratando deste assunto. E quero começar a minha fala dizendo que é comum, Senador Mão Santa - e o senhor é um homem, entre todos nós aqui, conhecedor da História -, nós nos horrorizarmos quando ouvimos falar em dirigentes que queimam livros. Nós nos horrorizamos! Duzentos anos antes de Cristo, um Rei mandou queimar todos os livros que existiam no reino - todos os que não foram escondidos ele queimou - e ainda mandou assassinar todos os poetas, porque eram críticos a ele. Nós nos horrorizamos. Dois mil anos depois, Hitler fez isso. Aliás, quinhentos anos antes de Hitler, a Inquisição fez isso. E nós nos horrorizamos, Senador Paim. Mas não nos horrorizamos com uma coisa tão grave quanto esta. Sabe qual é? Não deixar que os livros sejam escritos. Não deixar que os poetas, que os cientistas se façam cientistas. E é isso que o Brasil faz há quinhentos anos.

A gente não queima livros, a não ser durante o golpe militar. Queimaram-se livros, sim. Mas é fato raro queimar livro. No regime militar, houve muitos intelectuais que tiveram de abandonar o País e muitos foram presos. Alguns, até mortos. Mas foram poucos. Agora, a história inteira do Brasil é uma história de impedir que os livros sejam escritos, de não deixar que os cientistas e intelectuais floresçam. A gente não percebe isso. A gente se choca quando um livro é queimado em praça pública, como tem sido; a gente não se choca quando o livro não é escrito. E no Brasil, há quinhentos anos, a gente impede os livros de serem escritos, porque não dá educação àqueles que seriam os escritores.

Ninguém nasce escritor. Você se faz escritor pela escola; você não nasce um cientista; você se faz um cientista pela escola. Quando você nega a escola, você impede um ser humano de se desenvolver intelectualmente e virar um cientista, virar um poeta, virar um escritor. E a gente não se horroriza. Nós não nos horrorizamos com o fato de que o Brasil impede, freia, não deixa o desenvolvimento intelectual da nossa população. Isso passa despercebido, como uma coisa normal. Muito mais grave é isso, porque são 500 anos de queima, em vez daquilo que fez aquele imperador chinês, do que fez Hitler, do que fez a Inquisição, do que fez a Revolução Cultural na China nos anos 60. No nosso caso, queimamos os cérebros, jogamos fora os cérebros, desperdiçamos os cérebros. Nem deixamos que eles escrevam seus livros. Quando se escrevem os livros e os queimam, alguns se salvam. No entanto, quando o livro não é escrito, não se tem o que salvar: o livro não existe.

Einstein não seria nada, se não tivesse tido uma professorinha primária que ensinasse a ele o abc e as quatro operações. Ele teria sido jogado fora como intelectual, como cientista. O seu cérebro teria sido impedido de se desenvolver, se ele não tivesse tido lá, aos cinco anos de idade, um professor ou uma professora no ensino fundamental.

No Brasil, a gente impede todos os anos que nossas crianças tenham a educação necessária para o seu desenvolvimento. Somos queimadores de livros, porque apagamos os cérebros que vão escrever os livros. A gente esquece isso.

Uma das maneiras de impedir que haja o cérebro que produz foi usada pelo Brasil, quando era Colônia, impedindo que aqui existissem editoras e gráficas e não deixando que aqui houvesse escolas, a não ser aquelas que tinham o objetivo único de promover a religião. Essas não eram escolas, eram catecismos. O Império substituiu a Colônia, e pouco mudou, Senador João Durval. Pouco mudou depois da Independência. Dom Pedro, obviamente, fez belíssimas escolas, mas poucas e para poucos, até porque, durante todo o Império, o Brasil teve um regime de escravidão; apenas um ano a escravidão acabou antes do Império.

Então, ao longo de todo o Império, os negros, neste País, não podiam desenvolver o seu potencial intelectual, Senador Paulo Paim - V. Exª que é um descendente deles. Quantos gênios da raça negra este País perdeu porque não tiveram uma boa escola na hora certa? Quantos? Foram dez milhões de escravos que chegaram a este País; muitos foram descendentes deles. Quantos gênios não perdemos aí? Quantos? Mas o Império não deixava que houvesse o pleno desenvolvimento intelectual. Queimava os livros que seriam escritos pelo povo negro; queimava antes de eles serem escritos. Queimava as teorias que poderiam ter sido desenvolvidas; queimavam antes de serem desenvolvidas.

Mas não eram somente os negros, escravos; a população branca pobre também ficou excluída das escolas. Dom Pedro fez belos colégios, mas pouquíssimos, para uma minoria, para uma elite, que ia ter acesso àquela educação.

Mas o Império acabou, e nós tivemos uma República. E o que mudou nessa República? Pouco, do ponto de vista do florescimento intelectual do nosso povo; pouco, do ponto de vista do desenvolvimento da produção de ciência e de tecnologia. E hoje, quase 120 anos depois da proclamação da República, o Brasil ainda é um país que tem uma escola para rico e uma escola para pobre.

Um país que tem escolas diferenciadas não merece o nome de República, porque República significa “causa do público”, todos terem os mesmos direitos.

No Brasil, o direito de desenvolver o próprio cérebro é desigualmente concedido. A gente fala em direitos humanos para ir e vir. Mas que direito humano é esse, para ir e vir, que não desenvolve igualmente o potencial intelectual de cada criança ao nascer? Ir e vir, fisicamente, é um direito de qualquer animal. Não é um direito específico do ser humano. Para o ser humano, o direito é a liberdade de ir e vir e o direito de promover a sua capacidade intelectual, de desenvolver o seu lado humano, que não é apenas o andar de um lado para o outro, mas o pensar de uma maneira ou de outra. É entender o mundo de uma maneira ou de outra, é deslumbrar-se com as coisas do mundo de uma maneira ou de outra conforme o seu gosto ou a sua preferência artística.

Isso a gente não dá ao povo brasileiro. E a melhor maneira de mostrar que a gente não dá é o desprezo que este País sistematicamente dá aos seus professores e às suas professoras. É certo que já houve um tempo em que o professor e a professora tinham tratamento melhor. Mas sabem quando? Quando os professores e as professoras atendiam apenas à população rica, privilegiada, e não atendiam às grandes massas. Nós nos acostumamos a dizer que, antes, os professores eram bem respeitados - mas eram poucos; que as escolas públicas eram boas - mas eram poucas. Poucos tinham o direito e acesso àquelas escolas. Primeiro, se não morassem ao lado delas, tinham de ter um automóvel para ir lá, porque eram tão poucas que não havia perto das casas das pessoas. Diz-se que antigamente era um orgulho um homem casar com uma professora. Ser marido de professora era status. Mas eram poucas.

Quando as massas entram nas escolas, pela pressão da urbanização, o que é que faz o Poder no Brasil? Abandona as escolas aos municípios. Concentra seu dinheiro federal nas universidades e nas escolas técnicas, porque a economia precisa, mas abandona o ensino fundamental.

E aí começa a degradação do salário do professor e a degradação do respeito ao professor. Não é que tenha baixado o salário: é que os outros subiram também, porque outros passaram a ser respeitados. Porque, quando o Brasil entra na fase da idéia de que o futuro e o progresso estão no desenvolvimento econômico, os engenheiros passam a ganhar bem, os economistas passam a ganhar bem, os geólogos passam a ganhar até para estudar, mas o ensino fundamental é abandonado.

E é abandonado sobretudo aquele que faz a escola, que é o professor. O futuro de um país é perfeitamente visível, Senador João Durval. Hoje, se o senhor quiser ver o futuro do Brasil, é fácil: visite uma escola pública. A cara do país do futuro é a cara da sua escola hoje. É óbvio isso. A cara do futuro de um país é a cara da sua escola pública hoje. E a cara da escola pública é o rosto do professor e da professora. Escola degradada hoje, futuro degradado para o país. Professor descontente hoje é um futuro negativo para o país inteiro.

E hoje a gente sabe que os professores brasileiros compõem uma categoria. Falo dos professores da educação básica. Não quero falar do professor do ensino superior, porque eu estaria falando em causa própria. Não quero falar em causa própria, como professor do ensino superior, até porque o tratamento para nós é diferente do tratamento para o professor do ensino médio, do ensino fundamental e da pré-escola.

O professor da educação de base, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio, é uma categoria que não tem merecido do País a idéia de que eles são os construtores do futuro. Não tem! A gente vê, como construtores do futuro, os engenheiros, até os pedreiros, os que fazem estradas, os que fazem um prédio, os que montam uma indústria. A gente não vê, como construtor do futuro, o professor, que ensina as quatro operações, que ensina o abc, que ensina história, geografia, que dá cidadania. A gente não o vê como construtor do futuro. E são eles os construtores do futuro.

Quando a gente vê um foguete subindo, a gente vê, naquela plataforma de onde sai o foguete, o futuro voando. Mas a plataforma de onde sai voando no espaço do futuro um país inteiro é a escola. A gente não vê a escola como a plataforma do futuro. E é lá que o futuro decola ou não.

Durante anos, falou-se no tal do “decolar” na economia. Nunca se falou que, para um país decolar, é preciso ter, sobretudo, educação, sobretudo cultura. Só que, até aqui, dava até para se enganar, achando que, para um país ter futuro, bastava educar uma pequena elite, uma pequena minoria, um pequeno conjunto de profissionais superiores. Não é mais possível isso. Acabou!

Houve uma ruptura no final do século XX, entrada do século XXI, em que a economia não tem mais futuro, apenas com poucos. Daqui em diante, ou educamos todos ou não temos futuro. Primeiro, se não educamos todos no ensino médio, a gente vai ter poucos alunos competentes no ensino superior, porque quem entra na universidade é escolhido no vestibular. Porém, no vestibular de hoje, só 18% são capazes de concorrer, 82%, Senador Eurípides, a gente joga fora; 82% a gente joga fora, não deixa nem ao menos que disputem o vestibular. A gente está perdendo 82% do nosso potencial. Imaginem se a seleção brasileira de futebol fosse escolhida entre apenas 18% de nossos jovens, se só 18% pudessem entrar em campo de futebol para se saber quais são os melhores. Não íamos ter os grandes, porque 82% ficariam de fora. Essa é a primeira causa.

O futuro está no conhecimento. Esse microfone aqui não tem valor por causa da mão-de-obra que o produziu, não tem valor por causa da matéria-prima que é muito pouca. O valor desse microfone vem da quantidade de engenheiros, cientistas que desenvolveram as peças que estão dentro dele. A gente paga a eles sem saber quem são. O dinheiro não fica aqui. O dinheiro vai para quem desenvolveu. Quando se compra um remédio, o dinheiro pago não vai para a fábrica que fez a pílula, não vai para o trabalhador que fez a pílula, porque foi um robô que fez, mas vai para o cientista que desenvolveu a fórmula daquela pílula. Isso vale para tudo hoje.

Então, ou a gente desenvolve um potencial científico-tecnológico ou ficamos para trás.

E lamentavelmente a maior parte inclusive dos nossos jovens nas universidades e dos nossos professores universitários não percebe que, se a universidade é a fábrica do futuro, o Ensino Fundamental é a fábrica da universidade. A universidade nasce no Ensino Fundamental. Ela passa pelo Ensino Médio. Eles não entendem! Eles acham que podem melhorar a educação superior sem termos uma educação realmente universal e de qualidade para todos. E aí está o professor. O professor é o construtor. Mas não é só construtor. É o professor que vai permitir a este País derrubar duas coisas: derrubar o muro da desigualdade e derrubar o muro do atraso. É o professor!

A gente achava que quem derrubava o muro do atraso eram os engenheiros que faziam as fábricas, eram os economistas que aumentavam o Produto Interno Bruto, porque, aumentando o Produto Interno Bruto, diminuiria a desigualdade. É falso. O muro que separa neste País os pobres dos ricos só será derrubado por uma escola igual para todos. Esse é o slogan que as esquerdas brasileiras deveriam adotar: “escola igual para todos”. Não é renda igual para todos, é escola igual para todos. E a gente não quer fazer isso, porque escola igual para todos exige, em primeiro lugar, salários altos para os professores. Mas não só isso, porque só salário não melhora a sala de aula. Salários altos e exigências altas aos professores. Exigência na formação deles, exigência na dedicação deles e exigência nos resultados do trabalho deles.

O muro da desigualdade só será derrubado, daqui para frente, pela escola igual entre pobres e entre ricos. E nada talvez seja mais difícil de convencer neste País de que é possível do que essa idéia radical de escola igual para pobres e para ricos.

Se a gente disser que o transporte urbano vai ser igual para pobres e para ricos, metrôs de alta qualidade para todos ou todos com automóvel, todos acreditam, mas, se a gente disser que a escola vai ser igualmente boa para pobre e para rico, poucos acreditam; se a gente disser que, a partir de agora, todos os pobres vão poder comer nos melhores restaurantes, todos acreditam, mas, se a gente disser que todos os pobres vão poder estudar nas melhores escolas, poucos acreditam.

Não há outra maneira de derrubar a desigualdade neste País, que separa uma parte da população, uma minoria, de outra parte da população, uma maioria, a não ser a escola igual para pobre e para rico. Mas não é só o muro da desigualdade que os professores, os verdadeiros revolucionários, vão derrubar; o muro do atraso também, o muro do atraso entre nós e os outros países. Não há outro jeito de derrubar esse muro que nos separa dos países ricos e desenvolvidos a não ser uma escola de qualidade no Ensino Fundamental, no Ensino Médio, na Pré-Escola e no Ensino Superior. Não há outro jeito.

Acabou o tempo em que a gente dizia: “quando a renda per capita do Brasil for alta, vamos ser iguais a eles”. Não vamos ter renda per capita alta se não fizermos a revolução educacional. Hoje a revolução não passa pela economia, passa pela escola. A revolução não passa mais pela propriedade, por quem é o dono da fábrica, se é o Estado ou uma pessoa privada. Não há mais necessidade de estatizar indústrias para fazer uma revolução, mas é preciso fazer, sim, a distribuição do conhecimento. Não é a distribuição da renda que vai mudar a realidade, mas a distribuição do conhecimento.

E conhecimento não se distribui tirando de um para o outro, mas com o acesso de todos a uma escola de qualidade igual; escola igual para pobre e para rico. E essas escolas iguais aqui tão boas quanto às lá de fora. Isso é outra coisa que a gente não quer acreditar que é possível. Mas é possível. É possível e passa pelo professor, mas não só pelo professor; passa pelo salário do professor, mas não só pelo salário do professor; passa pelo salário com condições de trabalho, passa pelo salário com dedicação no trabalho, passa pelo salário com formação, passa pelo salário com equipamentos, passa pelo salário do professor com regime de tempo integral para todas as crianças deste País.

Por que no futebol a gente consegue que os pobres cheguem à Seleção e, na educação, a gente não consegue que os pobres cheguem a altos postos? Porque a bola é redonda para todos, mas a escola é redonda para uns e quadrada para outros.

Se neste País a gente obrigasse os pobres a treinarem futebol com bola quadrada, eles não chegariam à Seleção de futebol, onde a bola é redonda. Mas a gente inventou que há escola redonda e há escola quadrada. E é claro que a escola redonda a gente reservou para os ricos e a escola quadrada, para os pobres. Por isso, só a escola pública vai ser capaz de fazer a revolução.

Isso não quer dizer que se deva tomar qualquer medida contra a escola privada, de maneira alguma. Felizmente elas existem. Mas a gente tem que dar condições para que a escola pública seja tão boa que compita com as escolas particulares. E aquele que preferir que seu filho estude numa escola particular, por razões de formação religiosa ou para poder aprender alguma coisa especial que a pública não precisa ensinar, muito bem, que continue.

E vou até mais longe: se em algum momento for preciso, nessa revolução, incorporar as escolas privadas nos esforço público, vamos fazê-lo. Não se faz isso já com o ProUni para as universidades? Não se paga para que um jovem estude na universidade recebendo dinheiro público? Podemos fazer isso sim, também, com a escola de Ensino Fundamental e Médio. Eu não acho que isso seria privatizar; isso seria subordinar o privado aos interesses públicos, desde que a criança estude de graça e desde que aquela escola siga as normas nacionais.

Essa revolução a gente tem que fazer. E o Dia do Professor é um bom momento de fazer essa reflexão. Eu não vim aqui apenas prestar homenagem aos professores. Eu vim aqui, sem dúvida alguma, para dizer que são eles os construtores do futuro. Mas eu vim dizer mais. Eu vim dizer que eles têm uma responsabilidade maior do que essa, maior do que a de dar aula, maior do que a de educadores. Eles têm a responsabilidade de serem também os soldados, os guerrilheiros dessa revolução que a gente tem que fazer pela educação.

Mas eu prefiro deixar para fazer a segunda parte da minha fala depois de ouvir o Senador Mão Santa, que muito me orgulha que peça um aparte.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, Paulo Paim - que, quis Deus, está presidindo -, eu já disse aqui para o Brasil que este é um dos melhores Senados da história da República. Paulo Paim, tirando os Senadores portugueses, nós éramos quarenta e poucos brasileiros no início do Senado. Quando D. Pedro I vinha aqui, entrava e reconhecia-nos como os pais da Pátria. Aprenda, Luiz Inácio! Ele deixava a coroa e o cetro. Então, está aí o Professor Cristovam Buarque. Não interessa que o plenário não esteja repleto; interessa sua cabeça, sua mente, seu caminho. Ele pode dizer até o que disse Cristo: "Sou o caminho, a verdade e a vida". Ele se iguala a Rui Barbosa, que está ali. Rui Barbosa foi candidato a Presidente da República. Não venceu as eleições, mas todos nós reconhecemos o muito que ele fez pela democratização deste País, pela liberdade dos negros, pela igualdade e, sobretudo, pela justiça, pelo trabalho. Quis Deus estar aí o Senador Paim. Considero este um dos maiores ensinamentos de Rui Barbosa: a primazia tem de ser do trabalho e do trabalhador. Ele vem antes, ele faz a riqueza. E o Professor Cristovam revive tudo isso. Revive Pedro Calmon, João Calmon e Darcy Ribeiro. Está muito melhor. Luiz Inácio é que tem de estar atento. O felizardo é Luiz Inácio, que nunca teve tanta oportunidade. É aqui a escola. Nós somos, temos de ser. Se não tivermos essa experiência, não vale. Quando isso começou? Olhem a sorte de Luiz Inácio. Pedro I tinha a humildade de, toda vez que vinha aqui, deixar o cetro e a coroa. Pedro II dizia que, se não fosse Imperador, queria ser Senador. Um homem de muito estudo. Quando ele morreu, Paim, lá na França da Notre Dame, os franceses disseram que, se tivessem um imperador como ele, não fariam a democracia e ficariam na monarquia, porque era um homem bom, culto. Mas o primeiro Senado tinha quarenta e poucos brasileiros, entre os quais vinte magistrados, que, de lá para cá, vieram fazendo leis boas só para eles. Quanto ganha um magistrado e quanto ganha uma professorinha? Não estou contra ele, não, porque estamos para ensinar o Luiz Inácio a ver essa desigualdade. Quanto ganha um magistrado e quanto ganha uma professorinha? Paim, sei que eles devem de ganhar bem. Rui Barbosa disse que só há um caminho e uma salvação: a lei e a justiça. Mas as nossas professorinhas... Havia sete militares - Duque de Caxias foi um deles -, sete da Igreja - o Padre Feijó, um dos homens da República -, dois médicos e dois ligados ao campo, fazendeiros. Não havia nenhum professor. Agora nós temos. Temos um professor extraordinário, que é V. Exª, e há outros a quem compete fazer esse despertar que V. Exª está fazendo. Esta é a verdade. O Wellington Salgado defende o desenvolvimento das universidades, o Aloizio Mercadante é professor, assim como a Fátima Cleide e a Ideli, que veio agora em nome do PT e fez um belo pronunciamento, a Serys é professora, o Sibá vem de uma escola técnica rural e o Tião Viana, nosso Presidente, também é professor de Medicina. Também são professores a Marisa Serrano e o Cristovam Buarque.

Eu vejo nisso o despertar. Foi emocionante a sessão que o Paim fez no Dia das Crianças. Lá circulava uma bandeira que sei que era uma advertência de V. Exª para novos rumos. Dizia ali que, em lugar do lema positivista “Ordem e Progresso”, talvez pudéssemos ter tido o lema que Cristovam prega hoje: Educar é Progresso. Então, queremos aqui nos congratular. E o Luiz Inácio deve ajudar, porque este Senado, só na área da Educação, tem muitos a seguir. Agora, essa diferença dos salários não pode, é demais. Eu sei que um magistrado precisa ganhar bem, mas ele não tem trinta estômagos e a professora apenas um... Tem que haver uma aproximação, uma elevação. No mínimo, temos que conseguir aquilo que o Governo do Acre, que é do Partido dos Trabalhadores, dá para os professores, que é o maior piso salarial do Brasil, mostrando que é um Estado economicamente pequeno mas que tem esse reconhecimento. Mas quero dizer, Professor, que no Dia das Crianças eu fazia um pronunciamento já antevendo isso. Sócrates disse que só há um grande bem, que é o saber, e só há um grande mal, que é a ignorância. Eu recebi - vejam onde quero chegar - uma carta de Maristela Kubitschek Lopes, filha de Juscelino Kubitschek. Ela dizia que Juscelino terminou sua carreira política aqui na cadeira de Minas. Ele foi cassado e humilhado. Na carta, ela agradecia, porque ouviu o pai, várias vezes, dizer que sua mãe, a professora Dona Júlia... Juscelino, Luiz Inácio, era pobre. Perdeu o pai, tuberculoso, aos quatro anos. Ele só viu o caixão passar e não pôde nem se aproximar, por causa do contágio. Quer dizer, na própria infância, ele pouco viu o pai, porque tinham que morar separados. Então, filho de viúva, viu, com a irmãzinha, passar o caixão do pai. Mas o que Juscelino repetia, o ensinamento da sua mãe, professora, Dona Júlia, para todos, é muito atual. É quase de Sócrates, não é? Ele dizia que sua mãe, professora, viúva, ensinava para Juscelino: “Meu filho, não tenha vergonha de ser pobre. Tenha vergonha de ser ignorante. Busque o saber.” V. Exª está encaminhando o saber para todos os brasileiros.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Retomo apenas a idéia inicial, Sr. Presidente, de que nós nos horrorizamos com os regimes que queimam livros e nos acostumamos, no Brasil, com regimes sucessivos que queimam cérebros, que nem ao menos deixam os livros serem escritos, por não ensinarmos a ler as crianças que um dia seriam escritoras. Por isso, não damos a importância devida aos professores.

Um dia desses, Senadores, eu estava em uma cidade do interior de Santa Catarina e, depois de uma fala, uma jovem me procurou e disse: “O senhor fala muito em educação. Mas, se tivesse um amigo que chegasse para o senhor e dissesse que seu filho quer ser professor primário, o que o senhor faria? Suponha que o senhor fosse amigo do homem e que aquele fosse seu afilhado, o que o senhor diria?” Eu respondi que diria a ele que aquele filho estava se alistando no serviço militar em tempo de guerra, que corria risco de morrer, mas que ele era um herói, e dos heróis temos de nos orgulhar, e não impedir o caminho deles.

Hoje, ser professor no Brasil é um ato de heroísmo. É um ato de heroísmo, em primeiro lugar, pela alta probabilidade de não ter sucesso financeiro. Em um país como o nosso, não ter sucesso financeiro é um sacrifício de alta dimensão.

Em segundo lugar, são heróis, sim, em razão do alto risco que se corre nas escolas, Senador João Pedro. As escolas estão degradadas, a saúde dos professores é prejudicada pela maneira como as escolas são tratadas e até mesmo, hoje, os professores são vítimas de violência neste País.

Eles são nossos heróis! Se este País estivesse em guerra e tivéssemos soldados morrendo no campo de batalha, faríamos monumentos para eles, e não estamos fazendo monumentos para os professores.

Mas o mais importante não é fazer monumentos para soldados mortos, e sim ganharmos a guerra, trazendo de volta para casa todos os nossos soldados. E os nossos professores estão aí. Por que vamos esperar que eles morram no sentido de se sentirem reduzidos em seu prestígio, por causa de seus baixos salários? Por que não aproveitamos que eles estão nessa guerra pela derrubada do muro da desigualdade, do muro do atraso e pela construção de um grande país e não lhes damos o prestígio que merecem? Temos que fazer isso! Mas os professores precisam colaborar.

Quero concluir, no dia deles, fazendo uma cobrança, depois de todos os elogios que fiz aqui. Não vamos conseguir dar o salto, Senador João Durval, na direção de um país em que ao nascer uma criança seu pai diga que seu filho, quando crescer, vai ser professor primário... O Brasil será um grande país quando o pai disser, ao nasceu seu filho, que deseja que ele seja professor. Para chegarmos lá, precisamos fazer uma revolução. Não vai ser com as pequenas evoluções de Fundef e Fundeb... Não vai ser com isso. Sejamos honestos com o Brasil: isso não vai levar ao Brasil que queremos. Isso ajuda, não piora; mas são saltinhos minúsculos! Não são gigantes como os que este País já deu na infra-estrutura, na economia. Ele não dá esses grandes saltos na educação. É preciso uma revolução, e uma revolução se faz com militância, não apenas com palavras.

Por isso, a cada professor deste País eu quero deixar uma mensagem: além de educador, seja também um educacionista. O educador é o que trabalha na escola para ensinar; o educacionista é o que luta politicamente para mudar o País, para fazer com que todas as escolas sejam boas e não apenas aquela onde ele trabalha como educador.

O Brasil precisa de educacionistas, Senador Mão Santa, como houve os abolicionistas. E não é uma questão de partidos ou siglas, como temos hoje. Há pessoas que defendem educação como vetor de progresso em todas as siglas que temos no Brasil. Não há uma única sigla, um único partido que não tenha gente capaz de defender isso. Mas em todos os partidos e siglas tem gente que não defende isso. Joaquim Nabuco não criou um partido novo para a abolição; ele criou uma causa que uniu pessoas de diferentes partidos. O Brasil precisa criar, Senador João Durval, este partido/causa, transversal aos partidos/sigla. As siglas estão significando muito pouco hoje em dia; é a causa que vai nos diferenciar. O “ista” de qualquer sigla não significa muito, mas o “ista” de uma proposta transformadora significa. Já não é mais hoje a proposta socialista, nem comunista, nem capitalista - isso é da Economia - que vai promover a mudança. É a causa da Educação ou não o vetor do progresso, é a causa educacionista que precisamos trazer o professor para defender. Seja bom educador na sala de aula, mas seja um forte educacionista nas ruas, lutando pelas mudanças, como foram os abulocionistas.

Podemos fazer isso. Outros países já o fizeram com menos recursos que nós. Não falta dinheiro para isso, porque não é muito de que se precisa. Não se vai fazer de repente essa revolução. Talvez possamos começar com todas as meninas e com todos os meninos que estão na primeira série do ensino fundamental do próximo ano; depois, com os do segundo; depois, com os do terceiro. Em onze anos, chegamos lá. Ao lado disso, escolher certas cidades que se transformarão em pólo, como exemplo, e todas as suas crianças estudarão em horário integral. Vai haver bons teatros nessa cidade, vai haver bibliotecas de qualidade, até nas praças haverá jogos de xadrez e outras atividades, não faltará piscina para essas crianças.

Não dá para fazer isso nas 5.561 cidades do Brasil, mas dá para fazer em 1.000 cidades, em quatro anos, se o Governo quiser. E se este Governo for capaz de construir um pacto com os outros Partidos, melhor, porque nenhum Governo, só com seu Partido, consegue fazer isso, até porque ele fica poucos anos no poder. É preciso que os próximos continuem o projeto.

Por isso, concluo dizendo que, hoje, é um dia que deveríamos comemorar não com um feriadozinho nas escolas, como ocorre, mas como o Dia 7 de Setembro. Com uma diferença: no Dia 7 de Setembro, comemoramos o passado; e, no dia 15 de outubro, deveríamos comemorar o futuro.

Hoje deveria ser um grande feriado nacional. O feriado de hoje não devia nem se chamar Dia do Professor, mas o Dia em que Começamos o Futuro, o Dia do Construtor do Futuro; o dia daqueles que fazem, por Intermédio das nossas crianças, o futuro do Brasil. Mas, para isso, os professores precisam não apenas ser respeitados, não apenas ganhar bem, não apenas ser bem informados, não apenas ser bem dedicados, senão, de nada adianta. Eles precisam de algo anterior a tudo isto: eles precisam ser, além de educadores, educacionistas; além de trabalharem, precisam lutar; além de trabalharem dentro da sala de aula, precisam lutar no Brasil inteiro, para que façamos a revolução que este País pode e deve fazer.

Trata-se de uma revolução que não desapropria nada, uma revolução em que não é preciso estatizar nada, uma revolução em que não é preciso derramar sangue de ninguém, uma revolução que fazemos pela escola, educando todos os brasileiros desde a primeira idade. Isso é possível. Só depende de querermos. E, quando digo “nós”, eu deveria dizer “nós, Senadores.” Mas não vamos dizer isso, porque sabemos que não vamos conseguir aqui esse objetivo. Temos de dizer “nós, os brasileiros”, especialmente aqueles que estão trabalhando nisso, que são nossos educadores.

Que cada educador deste País seja um educacionista, e que comecemos, a partir daí, a trabalhar o País. Que, ao nascer uma criança, o pai diga: “Esse vai ser um educador”.

Acredito que isso é possível. Quem sabe não estamos começando a fazer isso nas falas, nos discursos e até nas comemorações, talvez discretas, como esta do Dia dos Professores?

Meus parabéns aos heróis que fazem a guerra que o Brasil enfrenta hoje, para derrubar o muro do atraso e o muro da desigualdade. Se se faz guerra, deve-se enfrentar as dificuldades, mas deve-se olhar onde queremos chegar: numa revolução pela educação no Brasil.

Por isso, educadores do Brasil, sejam também educacionistas. Educacionistas do Brasil, uni-vos todos pela revolução educacional que precisamos fazer. (Palmas dos ouvintes das galerias.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2007 - Página 35048