Discurso durante a 192ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2007 - Página 36919
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, LUTA, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (MDB), DIFERENÇA, ATUAÇÃO, POSTERIORIDADE, EXERCICIO, PODER, PERDA, IDEOLOGIA, SEMELHANÇA, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • HOMENAGEM, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, REVOLUÇÃO, SOCIALISMO, AMERICA LATINA, RENUNCIA, PODER, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, FIDELIDADE, CONTINUAÇÃO, LUTA.
  • ANALISE, HISTORIA, LUTA, DEMOCRACIA, AMERICA LATINA, RESISTENCIA, DITADURA, COMENTARIO, ATUALIDADE, ATUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, BOLIVIA, DEFESA, INTEGRAÇÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, Srª Deputada Manuela, essa força nova que nasce no Rio Grande do Sul, uma grande expectativa de todo o Brasil. Eu estava assistindo do meu gabinete e da Comissão de Finançaso andamento desta sessão. Gostaria de falar aqui sob um outro aspecto, que a mim parece realmente também importante.

Gostaria de falar aqui num outro aspecto, que a mim parece realmente também importante. Quero olhar para figura de Che Guevara hoje, quando o mundo, as idéias, o pensamento, a ação política de certas agremiações e de certos grupos se dividem em duas fases: a fase da luta para chegar ao poder - aonde alguns chegam e outros não - e a fase de depois de chegar ao poder.

Houve três casos no Brasil que eu vivi no velho MDB. Olha, principalmente no Rio Grande do Sul, onde a luta para o restabelecimento da democracia foi uma das páginas mais bonita da história deste País, nós nos dividimos no Rio Grande do Sul entre os que estavam na ditadura e os que estavam contra. Nós nos unimos num movimento nunca existente na nossa história: trabalhistas, comunistas, neocomunistas, socialistas, burgueses, seja lá o que for. Unimo-nos nós aqueles que não se submeteram e não se dobraram e que aceitaram a caminhada contra o regime militar.

Convém repetir muitas vezes que se tratava de uma época em que parecia que os militares vinham para dominar.

Como debochavam de nós! Como nos ridicularizavam! O que vocês querem? Está aí a imprensa. Está aí a burguesia capitalista e estão aí os militares. E eles vieram para durar a vida inteira.

O General Castelo Branco. Como eu combati aquele General. Hoje reconheço que ele era o menos ruim daquele tempo. Se dependesse dele... Pedro Aleixo...Ele queria restabelecer a democracia. Não deixaram. Costa e Silva, Ministro da Fazenda. A guerra. “Vou candidato e volto candidato”, disse quando foi à Europa. E voltou candidato. Costa e Silva, Médici; Geisel, Figueiredo.

Figueiredo era assim que nem o Lula. “Quero”. “Não quero”. “Quero”. “Não quero”. Mas ele queria votar. Por isso, na convenção da Arena ele fez aquela trapalhada toda. O candidato natural era o Aureliano. Ou o Andreazza. Ele foi de Maluf, o candidato que ninguém aceitava. E, porque foi o Maluf, perdeu.

Nós éramos do velho MDB. Eu era o Presidente no Rio Grande do Sul. Confesso para vocês que me sentia assim como um Cristão logo depois que Cristo morreu e o Cristianismo começou a caminhar: perseguido. Era um movimento fantástico de nos unir: vamos dividir, vamos repartir propriedade. Tudo é de todos. Aquela coisa toda! Pensei que o MDB era isso. Eu estava louco para chegar ao poder, porque no poder iríamos fazer uma revolução. Era gente pura, gente dedicada! Caminhar para lá. Atirar para lá!

Hoje, vejo como era fácil aquela luta que parecia tão difícil. O negócio era lutar contra a ditadura. O negócio era derrubar o regime militar. O que vamos fazer depois? Depois, vamos ver! Só que com o “depois nós vamos ver”, chegamos ao poder e eu aprendi ali que, com a caneta, muda tudo. O MDB no Governo, babau. Aí, o MDB se deteriorou, se deteriorou, veio a social-democracia, que era o chique do mundo: Felipe González, Mitterrand, a moda era a social-democracia, era o novo. Nem comunismo, nem capitalismo. Social-democracia.

E o que era o PSDB? Eram os puros do MDB. Os caras eram uns santos. Era o Covas, era o Montoro, era o Fernando Henrique, era o Serra, era o Richa, os puros do MDB. E fizeram um movimento bonito, bonito mesmo. Fernando Henrique era um cara bacana, intelectual, bonito, alinhado, encantador de serpente. O mulheril, então, era doido por ele. E ganhou a eleição. Ganhou a eleição e foi um Governo de Direita, foi um Governo de Direita.

Olha, vai haver - escutem o que eu digo a vocês - ainda o julgamento público da privatização da Vale do Rio Doce. Estão dizendo que agora o Orçamento fala em trezentos bilhões de capital; privatizaram por três - um, dois, três - dinheiro dado pelo BNDES. Chegou ao governo mesmo aquela social-democracia se inverteu toda. Desculpe-me, não se ofendam aqui, mas eu acho que no mundo não existe Partido mais bonito na Oposição que o PT. Eu ficava emocionado. Mas que gente espetacular! Garra, luta, debate. Olha, não respeitavam o telhado de ninguém. Era pedra para lá, pedra para cá!

Eu falei, eu já contei aqui. É a décima vez que eu vou contar, mas eu devo contar. Eu disse para o Dom Evaristo: “Dom Evaristo, está certo que o senhor pegou as comunidades de base da Igreja e as levou para o PT, criou o PT, fez um movimento muito bonito. Mas, cá entre nós, o senhor ensinou o PT a fazer Oposição, mas não ensinou a ser Governo. O senhor cometeu um erro grave! O senhor é culpado!” Aí, ele me disse:

E, concordo, mas aquela gente era tão bacana, tão pura, que achei que até poderia ser ordenado padre, que estava preparado para tudo. Mas não estava preparado para ter a caneta. Estou contando isso para quê? Para mostrar que o Che Guevara não se encantou pelo poder, não se alucinou pelo poder. Era um homem todo poderoso, um segundo homem, muita gente achava que mais dia, menos dia, ele assumiria o lugar de Fidel Castro e, no apogeu, quando a revolução era um espetáculo em Cuba e no mundo inteiro, ele largou para continuar a caminhada. Olha, dou um outro exemplo. Na minha opinião, é o que entendo de mais espetacular na minha opinião, na figura de Che Guevara, é exatamente, isso. Quer dizer, é um argentino de bicicleta, andou por aí, foi chegar a Cuba, ajudou numa luta que de início parecia impossível.

Cá entre nós, o americano... Quando vejo agora, o Bush dizer: olha, vocês estão dando força para o Irã, se o Irã tiver a bomba atômica, é o início da Terceira Guerra Mundial. Mas quem é o americano para dizer isso? Quem pode e quem não pode ter, quem é isso, quem é aquilo... Pois, nesse momento, Che Guevara teve esta atitude: saiu, foi à África. Mas, com toda sinceridade, não creio... Há uma leviandade dizendo que o Fidel Castro meio que queria se ver livre do Che, mandou-o para a Bolívia, e não ajudou. Não acredito nisso.

Aquele era o Che. O Che foi, assim como deu certo em Cuba, porque estava no fim... E eu estou já ficando velho, entrei no pensamento e agora vou voltar, porque não lembrei o que era para dizer... Era para dizer que o americano, que deu toda cobertura para o Fulgencio Batista, que deu todo o apoio para o Fulgencio Batista, era uma ditadura que se manteve violenta e radical, porque o americano deu força, no início, ele achou que aquele Che Guevara... era hora de derrubar... E a vitória do Fidel Castro foi muito bacana, mas não vamos esquecer que o americano não viu com muita antipatia a vitória do Fidel Castro, porque o Fulgencio Batista tinha caído em desgraça. Porque assim é o americano: está de um lado, vira para o outro, apóia ou não apóia, conforme o interesse dele. Pois, nesse momento - e foi dito aqui e eu concordo -, não se pode atirar pedra no Presidente da Venezuela, embora ele tenha que ser um pouquinho mais competente, ele fala mal, cá entre nós, quando ele vai dizer: “Eu não admito que se intervenha na Bolívia”. Tudo bem, eu também não admito.

Aliás, o Mercosul teve uma atitude - não sei se vocês concordam comigo - excepcional. A primeira vez que aconteceu isso, que estavam dando golpe no Paraguai. Os países do Mercosul foram lá, inclusive o Chanceler brasileiro, e conseguiram que a democracia fosse mantida, não fosse dado o golpe e assumisse quem tinha que assumir. E o Paraguai continuou democrata.

Eu acho que temos que ver... Agora, não pode o Presidente da Venezuela chegar e dizer: “Não, querem mexer na Bolívia, se mexerem na Bolívia eu estou lá. Se for necessário, transformo num novo Vietnã.” Não, vamos unir as forças no sentido de que realmente não se deve intervir na Bolívia e vamos dar força nesse sentido.

Agora, que se sente um movimento nesse sentido, se sente: na Bolívia, no Equador, na Venezuela. É um movimento que nós temos que também fazer com categoria. Não vamos, de repente... Nós pagamos um preço muito alto.

O Perón, lá. O Allende era uma coisa espetacular. Com o Allende houve o primeiro grande movimento em que um partido comunista chegou ao poder democraticamente, pelo voto. Inclusive era o Allende e a direita, no Chile. A democracia-cristã, que estava com o Freire, um homem espetacular, na oposição, mas que, no governo, não conseguiu levar adiante, foi para o segundo turno, e o Partido Democrata disse: Nós vamos apoiar os comunistas. Porque a direita, os radicais, no Chile, ofereceram até... Foram para o segundo turno, no Chile, o candidato dos comunistas, o Allende, e o candidato da direita. Os democratas-cristãos entraram em terceiro lugar. Aí a direita disse o seguinte: Apóiem o nosso candidato, derrotamos o Allende, nós renunciamos e elegemos o candidato do PDC, o Partido Democrata-Cristão.

Vejam como era espetacular a democracia no Chile: não aceitaram.

“Não. Não. Nós vamos votar no Allende, foi ele que ganhou para ir para o segundo turno, e a tradição é, no segundo turno, votar em quem está em primeiro lugar.”

No Uruguai, o movimento da esquerda está no governo. Aliás, estou vindo de lá do Uruguai, porque a reunião do Parlamento do Mercosul é lá no Uruguai. E, agora, a esquerda, que era a frente ampla, está sofrendo. É muito engraçado, no Congresso, lá, vermos os caras do Partido Colorado e do Partido Blanco, uns reacionários danados, agora cobrando do pessoal de esquerda, da frente ampla, aquilo que eles realmente não têm condição de fazer. Mas também deu confusão.

No Brasil, estava o João Goulart, um homem de esquerda. Era Presidente da República. O que eu quero dizer é que, de repente, isso aqui virou a zona mais fascista do mundo, que foi o eixo do Sul, em que a direita tomou conta e o milita entrou aqui com o jargão de força e de violência. Não devemos repetir aquilo. O que devemos é fazer realmente a integração da América Latina. Acho que temos um grande caminho para isso.

Desculpem-me, mas, nesse aspecto, respeito o Presidente Lula. Acho que ele está no caminho porque o Brasil é o único País da América Latina que quer a integração da América Latina. A Argentina não quer e os outros países não querem até porque têm medo do Brasil. Eu fui falar com um “mas, vocês querem a Alca em que o americano vai tomar conta?”. “Não, ele não vai tomar conta. Em segundo lugar, se é para tomar conta eu prefiro que tome conta o americano, que já é dono, do que vir o Brasil para fazer concorrência e vamos sair do americano e cair na esfera do Brasil”, o que não é verdade. Não queremos isso. Nós queremos realmente uma integração.

Por isso acho que a homenagem a Che Guevara é emocionante. Ele era médico preocupado também com o social. Essa linha que Cuba tem hoje e que todo mundo, independente de qualquer coisa, é obrigado a respeitar, a medicina em Cuba. Nós, no Brasil, nós, no Rio Grande do Sul, os médicos cubanos temos chamado porque eles têm uma medicina espetacular, que é a medicina de família. Lá, mudou o conceito de medicina e o médico é o médico de família. Ele está integrado ali. Ele não tem a ficha de quem está doente. Ele vai lá e tem a ficha de toda a família, do pai, da mãe e dos irmãos e faz aquela integração do social com o psicológico, com isso nasceu exatamente no período do nosso Che Guevara. Por isso, acho que realmente, como dizia ele: lutar sim, mas sem jamais perder a ternura. Ele tem uma imagem que merece o respeito.

Eu também não gostei. Achei que a Veja não precisava ter feito isso, numa hora como esta, num momento como este, querer fazer uma humilhação da figura do Che Guevara, até dizendo que ele não tomava banho, não sei mais o quê. A Veja não podia fazer isso. Eu não acho Che Guevara um mito. Acho-o uma grande figura.

Olha, parece piada, mas, no Brasil, o PT chegou lá, o PMDB chegou lá, o PSDB chegou lá, mas nenhum dos três, quando chegou lá, teve uma figura como a Che Guevara, que largasse o governo e ficasse fiel às suas idéias. Tem uma figura como a da extraordinária companheira, a querida Senadora do Alagoas, por quem tenho um carinho, um afeto enorme por ela, que foi expulsa do PT por querer cumprir o programa do PT. Ela não entendeu, coitadinha, que no governo é uma coisa, na oposição é outra.O Lula disse. Quando perguntam: “mas vocês votaram contra. Radical, contra”.”É, mas estávamos na oposição. Agora somos do governo. Agora sabemos. Uma coisa é um partido na oposição e outra é um partido no governo”. Ele diz isso com todas as letras, com maior frieza. Tivemos o caso da querida Senadora, que foi posta na rua.

Tivemos um caso agora, vocês leram, na semana passada, um artigo emocionante de Frei Beto. Frei Beto saiu do Governo, era o assessor direto do Presidente da República, era o conselheiro do Presidente da República. Nosso querido Deputado pelo Rio de Janeiro, meu irmão de idéias, estávamos na CNBB, em uma missa do grupo católico, quando o Frei Betto falou ali para comunicar que tinha largado o Governo, que tinha renunciado ao cargo de assessor direto do Presidente da República porque não se identificava mais com o Governo, não tinha mais condições de ficar lá. Eu me meti ali e fiz uma indelicadeza: “É, mas o senhor errou.” Todo mundo ficou me olhando. “O senhor tinha que ter ficado lá, porque, se os bons saem e os ruins ficam...” E ele respondeu: “Mas eu não tinha mais condições de ficar, não podia influenciar.” E aí ele escreveu esse artigo, que os aconselho a ler, sobre Esquerda e esquerdista. Esquerda era o PT, na Oposição, a favor do social, dos humildes, dos necessitados, dos que precisam, dos pobres. Direita é essa tese que domina o mundo, a globalização. Pobre vai existir sempre porque faz parte da política de consumo, os que não têm condições. E esquerdista é o PT de hoje. Ele é esquerdista, tem as idéias, mas se acomoda. Como diz o Frei Betto: “Ninguém está mais próximo da direita do que alguém da esquerda que ganha um cargo público do Governo, que se acomoda no cargo público e esquece das suas idéias”.

E aí é que eu digo que não apareceu ninguém que seguisse o exemplo de Che Guevara. Apareceram muitos que vieram para cá, foram mandados para cá ou se assustaram, não tinham como lutar, e vieram para cá. Mas o mérito é de Che Guevara, Ministro. Che Guevara poderia meio que namorar os Estados Unidos, meio que ter uma posição; andaria pelo mundo, estaria na ONU, a grande figura da ONU, seria um homem espetacular, mas largou tudo, foi militar lá, na África, e foi lá, na Bolívia, morrer nas florestas - esse é um grande nome - sem nunca perder a ternura.

Por isso estou aqui, meu Presidente. Somos poucos, mas o movimento vale a pena. Acho que trazermos uma homenagem a alguém fiel a seus ideais, numa hora como essa em que ninguém é fiel a nada, vale a pena.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2007 - Página 36919