Pronunciamento de Alvaro Dias em 25/10/2007
Discurso durante a 196ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários à matéria do jornalista Hugo Marques, da revista IstoÉ, sobre a vitória dos enlatados e a abolição da "multimistura" na merenda escolar.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.
POLITICA SOCIAL.:
- Comentários à matéria do jornalista Hugo Marques, da revista IstoÉ, sobre a vitória dos enlatados e a abolição da "multimistura" na merenda escolar.
- Aparteantes
- Edison Lobão.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/10/2007 - Página 37542
- Assunto
- Outros > SAUDE. POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, FALTA, QUALIDADE, MERENDA ESCOLAR, REGISTRO, INICIATIVA, MEDICO, REIVINDICAÇÃO, CONTINUAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MISTURA, NUTRIÇÃO, CRIANÇA, BENEFICIO, ALIMENTAÇÃO, TRATAMENTO, DESNUTRIÇÃO, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, GOVERNO, SUBSTITUIÇÃO, CARDAPIO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, FAVORECIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL.
- IMPORTANCIA, MISTURA, NUTRIÇÃO, CRIANÇA, APROVEITAMENTO, VITAMINA, FARELO, SEMENTE, GRÃO, FOLHA, SUPRIMENTO, ALIMENTAÇÃO, COMBATE, DESNUTRIÇÃO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, REGISTRO, EFICACIA, CAMPANHA, GRUPO, IGREJA CATOLICA, FORNECIMENTO, PRODUTO, POPULAÇÃO CARENTE, DEMONSTRAÇÃO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), RECONHECIMENTO, BENEFICIO, RESULTADO.
- SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REVISÃO, DECISÃO, NEGAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, SUPLEMENTAÇÃO, ALIMENTAÇÃO, CUMPRIMENTO, SUGESTÃO, CONFERENCIA NACIONAL, SAUDE, UTILIZAÇÃO, MISTURA, NUTRIÇÃO, CRIANÇA, ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, ESCLARECIMENTOS, INFERIORIDADE, CUSTO, SUPRIMENTO.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - É bondade de V. Exª, Senador Mão Santa, mas é sempre um estímulo ouvi-lo. Trago hoje, Senador Mão Santa, uma denúncia muito séria. Ouvi vários discursos analisando a dramática situação social do País. E sabemos que não se exercita a cidadania na sua plenitude sem democracia social de forma inteira e absoluta.
Não podemos nos conformar porque alcançamos a democracia política, que nos permite decidir, votar, eleger. Precisamos sonhar muito mais, sonhar com a democracia social. Este País tem enfrentado obstáculos quase que intransponíveis na luta por esse sonho.
A revista ISTOÉ traz uma matéria-denúncia que considero da maior importância: A vitória dos enlatados. Matéria do jornalista Hugo Marques, competente e corajoso jornalista que se dedica a investigar mazelas neste País.
Governo troca mistura nutricional consagrada há décadas por produtos industrializados.
Antes de abordar a questão propriamente, leio o início desta matéria de Hugo Marques, na revista IstoÉ. Ele diz:
A cena foi comovente. O vice-presidente José Alencar preparava-se para plantar uma árvore em Brasília quando foi abordado por uma nissei de 65 anos e 1,60m de altura. Era manhã da quinta-feira 6. A mulher começou a mostrar fotografias de crianças esqueléticas, brasileiros com silhuetas de etíopes, mas que tinham sido recuperadas com uma farinha barata e acessível, batizada de “multimistura”. Alencar marejou os olhos. Pobre na infância no interior de Minas, o vice não conseguiu soltar uma palavra sequer. Apenas deu um longo e apertado abraço naquela mulher, a pediatra Clara Takaki Brandão. Foi ela quem criou a multimistura, composto de farelos de arroz e trigo, folha de mandioca e sementes de abóbora e gergelim. Foi esta fórmula que, nas últimas três décadas, revolucionou o trabalho da Pastoral da Criança, reduzindo as taxas de mortalidade infantil no País e ajudando o Brasil a cumprir as Metas do Milênio.
E o que a pediatra foi pedir ao vice-presidente? Que não deixasse o governo tirar a multimistura da merenda das crianças. Mais do que isso, ela pediu que o composto fosse adotado oficialmente pelo governo. Clara já tinha feito o mesmo pedido ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão - mas ele optou pelos compostos das multinacionais, bem mais caros. “O Temporão disse que não é obrigado a adotar a multimistura”, lamenta Clara.
Não é obrigado, realmente, Senador Mão Santa. Mas não tem direito o Ministro Temporão de optar pelo que é mais caro e desprezar aquilo que é benefício consagrado à população pobre.
Aqui há uma foto. É pequena. Não é do tamanho do Pinóquio que o Senador Mão Santa mostrou há pouco. Provavelmente, a câmera não conseguirá mostrar com nitidez. Mas é uma foto do resultado obtido pela utilização da multimistura. É uma criança que aparece com um perfil etíope, como diz Hugo Marques, esquelética. E depois mostra-se saudável. A criança foi absolutamente recuperada.
Mas isso me parece que não sensibiliza o Governo. Não quero ser injusto com o Ministro Temporão. Eu gostaria que S. Exª respondesse a esse questionamento. Isso tudo começou na gestão do ex-Ministro Humberto Costa. Esta insensibilidade já vem de antes: desprezar.
Aliás, quero ler aqui o que diz essa pediatra:
Clara acredita que enfrenta adversários poderosos. Segundo ela, no governo, a multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o Mucilon, da Nestlé, e a Farinha Láctea, cujo mercado é dividido entre a Nestlé e a Procter & Gamble. “É uma política genocida substituir a multimistura pela comida industrializada”, ataca a pediatra.
Benefício para empresas multinacionais? É esse o objetivo dessa substituição? Se essa alimentação dá resultado, produz aquilo que se espera em matéria de recuperação das crianças, especialmente através da Pastoral da Criança, por que essa substituição?
A coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns, reconhece que a multimistura foi importante para diminuir os índices da desnutrição infantil. “A multimistura ajudou muito”, diz Zilda Arns.
E nós conhecemos a respeitabilidade, a reputação da Srª Zilda Arns.
O Sr. Edison Lobão (PMDB - MA) - Permita-me V. Exª um aparte?
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Eu vou conceder, Senador Edison Lobão, com o maior prazer, o aparte a V. Exª.
O Sr. Edison Lobão (PMDB - MA) - Senador Alvaro Dias, V. Exª não deseja fazer injustiça ao Ministro Temporão e muito menos eu. Ambos sabemos que se trata, de fato, de um bom Ministro. Mas as observações que V. Exª traz, neste momento, haverão de ser úteis até uma tomada de posição pelo próprio Ministro Temporão. Eu li essa matéria, uma excelente matéria, composta por um jornalista de grande competência e extrema seriedade. Conheço muito bem o jornalista Hugo Marques e sei do que ele é capaz como profissional da imprensa, e sei da sua seriedade e da sua ética. Portanto, temos que levar em boa consideração a reportagem que ele realiza. Esse composto multimistura já se tornou famoso no Brasil. Ele é de grande importância, ele é criativo. Aliás, não é só ele. Temos muitas outras criações científicas em nosso País que não são absolutamente aproveitadas - o que é lamentável - seja no campo da saúde, seja no campo até da educação e em outras atividades. É preciso que este País se dê conta de que já é uma grande Nação, um grande País e que ingressou também no campo científico fortemente. Mas se nem nós, brasileiros, prestigiamos as nossas criações, as nossas invenções, imagine o exterior? - porque nós estaremos sempre competindo com eles. E o que está acontecendo neste momento? Não somos nós competindo com eles, mas, sim, eles competindo com o Brasil, deixando, portanto, de aproveitar um composto dessa natureza, já cientificamente comprovado com as suas qualidades exuberantes para, como diz V. Exª, elegermos uma multinacional.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Um produto muito mais caro.
O Sr. Edison Lobão (PMDB - MA) - Um produto muito mais caro. Pode ser até um bom produto, mas é um produto muito mais caro e é um produto importado, pelo menos na sua patente. Não posso deixar de louvar, como o fez o Presidente Senador Mão Santa, a atenção permanente de V. Exª para com os assuntos de maior interesse deste País. Ou nós fazemos desta tribuna um ponto de reclamação do povo brasileiro, e nos transformemos em arautos da opinião pública, ou então, atitudes como esta prosseguirão na calada dos dias e da falta de providências, sem que o Brasil respeite aquilo que é mais nobre da parte dos brasileiros, que é a criatividade, o esforço e o espírito público até de pessoas como a pediatra. Cumprimentos a V. Exª.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão. O pronunciamento de V. Exª é muito importante, alerta o Ministro, convoca o Ministro à responsabilidade, pede a ele que estude essa questão com zelo e mude a ótica a respeito desse assunto.
Olhem aqui, vou mostrar outra vez. A menina se chama Lindacy, quase pele e osso ao nascer e com 15 quilos aos 3 anos de idade, graças à multimistura. Portanto, é um exemplo que comprova que é um alimento muito mais barato e, certamente, com resultados superiores.
O que há por detrás disso? Nós temos que indagar. Nós não temos o direito de prejulgar esse Ministro nem o anterior, mas temos o dever de indagar: por que esse tipo de decisão é adotado no Ministério da Saúde? Por que desprezar algo comprovado, exitoso, em favor de algo muito mais caro e com resultados que não chegam nesse nível?
Portanto, Sr. Presidente, gostaríamos de fazer algumas considerações em torno desse programa de suplementação alimentar.
Essa multimistura é um conceito de alimento baseado na premissa da qualidade e variedade dos alimentos ingeridos.
A multimistura foi criada pela médica pediatra Clara Brandão. Ela é feita com farelos de arroz ou de trigo, com os pós das folhas verdes-escuras como as da batata-doce, da mandioca, da taioba, com o pó das sementes de abóbora, de melancia, de gergelim, de jaca, de caju, de melão e tantas outras que são encontradas na natureza. Uma colher de sopa da multimistura acrescida todos os dias na comida é suficiente para promover a saúde das crianças.
Essa médica, a Drª Clara, nos últimos 30 anos, trabalhou essa fórmula e permitiu a redução da mortalidade infantil em nosso País, a partir da adoção do referido suplemento no cardápio da merenda escolar de inúmeros Municípios do País, bem como no trabalho desenvolvido pela Pastoral da Criança.
Nos idos da década de 70, Clara Brandão disseminou a multimistura em seu trabalho desenvolvido na cidade de Santarém, no Pará, o Estado dos nossos Senadores Flexa Ribeiro e Mário Couto, com resultados revolucionários. Vale registrar que, em 1984, a Unicef já registrava o aumento de 220% no padrão de crescimento dos subnutridos, graças à introdução da multimistura nas refeições.
Portanto, há o testemunho da Unicef, que é um testemunho insuspeito, não é o testemunho de alguém da Oposição na tribuna do Senado Federal. É a Unicef que assegura resultados, com o aumento de 220% no padrão de crescimento de crianças subnutridas, graças à introdução da multimistura nas refeições.
Sem verbas orçamentárias, o programa foi replicado em todo o Brasil e, em mais de três décadas, provou sua auto-sustentabilidade.
Durante a Conferência Nacional de Saúde de 2003, com a presença de mais de quatro mil delegados de todo o Brasil, a multimistura foi uma das propostas aprovadas na plenária.
A gestão do então Ministro Humberto Costa ignorou por completo a deliberação da Conferência Nacional de Saúde.
Em que pese o descaso do então titular da Pasta da Saúde, a Drª Clara continuou à frente do projeto de levar à população a multimistura.
Pouco antes de ser empossado Ministro da Saúde, a Drª Clara Brandão ouviu do próprio Dr. José Gomes Temporão que, a despeito da aprovação da Conferência Nacional de Saúde, o Ministério da Saúde não era obrigado a implementar o programa de suplementação alimentar baseado no composto da multimistura.
Dissemos que é verdade que o Ministro não está obrigado a adotar nenhuma proposta aprovada na Conferência. Todavia, uma deliberação com chancela daquele colegiado, o qual debate e busca o consenso em torno das diretrizes da política pública de saúde adotada no País, mereceria ao menos ser analisada.
O que nos causa perplexidade foi a decisão de o Governo Federal se negar a implementar um Programa de Suplementação Alimentar com a utilização da multimistura. Aliás, nesta semana, na reunião da Unesco em Creta, os resultados obtidos com a multimistura estão sendo apresentados, a partir de estudos desenvolvidos pelo laboratório de nutrientes da Universidade de São Paulo. Sua eficácia é mais do que comprovada.
Os critérios que norteiam a formulação de Políticas Públicas, notadamente na área de Segurança Alimentar, devem ser submetidos a rigoroso exame da sociedade organizada e desta Casa.
Faço questão de passar ao largo das opções feitas pelo Ministro no cardápio da merenda escolar. O que não podemos aceitar é a atitude do gestor público de não levar em conta um composto de farelos, de baixo custo e de eficácia comprovada na alimentação.
A formulação de política pública não pode ser fruto de um subjetivismo do administrador da “hora” e deve se render às evidências empíricas. O gestor público está submetido a critérios racionais, principalmente os derivados de uma equação custo-benefício como os extraídos dos resultados com a experiência da multimistura, muito mais que a meros comandos normativos formais. A razão é superior a qualquer hierarquia.
Para concluir, Sr. Presidente, reafirmo, desta tribuna: o apelo não é de um oposicionista, é um apelo em nome das crianças subnutridas, em nome da Pastoral da Criança, em nome da Drª Clara, que, idealista, trabalhou esta fórmula durante 30 anos, em nome da sensibilidade humana, em nome da eficiência administrativa e do bom senso; apelo ao Ministro da Saúde que se reposicione a respeito deste assunto e que informe o Senado Federal a respeito da decisão que pretende tomar sobre este assunto.
Muito obrigado, Sr. Presidente.