Discurso durante a 196ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamenta declarações do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, sobre a violência nas favelas. (como Líder)

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Lamenta declarações do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, sobre a violência nas favelas. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2007 - Página 37637
Assunto
Outros > ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DESAPROVAÇÃO, ENTREVISTA, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPUTAÇÃO, MORADOR, FAVELA, RESPONSABILIDADE, VIOLENCIA, ESCLARECIMENTOS, ORIGEM, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, VINCULAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, ACOLHIMENTO, ESCRAVO ALFORRIADO, PARTICIPAÇÃO, GUERRA, MIGRANTE, REGIÃO NORDESTE, CONSTRUÇÃO, CAPITAL DE ESTADO.
  • ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, CLASSE MEDIA, FINANCIAMENTO, TRAFICO INTERNACIONAL, DROGA, AUSENCIA, PUNIÇÃO, DEFESA, DIGNIDADE, CIDADÃO, FAVELA, INSUFICIENCIA, RENDA, DIFICULDADE, HABITAÇÃO.
  • REGISTRO, DEMORA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RECEBIMENTO, RECURSOS, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, HABITAÇÃO POPULAR, DEFESA, POPULAÇÃO CARENTE, VITIMA, DESIGUALDADE SOCIAL, EXPECTATIVA, GOVERNADOR, RETIFICAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Como Líder do PRB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores presentes a este plenário, fiquei aqui até o final na sessão porque precisava extravasar meus sentimentos, já que, hoje, na capa do jornal Folha de S. Paulo, sai uma declaração do Governador do Estado do Rio de Janeiro, que precisa de uma reflexão.

O Governador, em um momento de entrevista e no entrevero de violência que vive o Rio de Janeiro, atribui à prole das favelas o principal vetor da violência no Rio de Janeiro.

Sr. Presidente, eu gostaria de trazer aqui uma breve reminiscência histórica. A primeira favela brasileira, Senador César Borges, surge em 1870, com o retorno dos Voluntários da Pátria. Os Voluntários da Pátria foram os escravos brasileiros levados à Guerra do Paraguai. Em 1865, cinco anos antes, o Brasil enfrentou a pior guerra da sua história. O Paraguai, com a prata do Potosí, tinha um exército maior que o nosso - 80 mil homens, 60 mil na reserva, dizem os historiadores. O Paraguai tinha a sua frota, invadiu a Argentina, tomou o Rio Grande do Sul e um pedaço do Mato Grosso. Nós nos unimos à Argentina e ao Uruguai. E Dom Pedro II lançou um programa: Voluntários da Pátria. Em que consistia esse programa? Oferecer aos infelizes negros, escravos, a oportunidade de serem alforriados se fossem à guerra.

Todo homem nasce livre. Não os escravos, não os descendentes dos que vieram da África construir este País. Em 1865, ainda faltavam 23 anos para o dia em que Nabuco, Patrocínio e a Princesa Isabel nos redimiram da vergonha extrema da escravidão.

E eles foram à Guerra do Paraguai.

O primeiro navio chamou-se Ceres e saiu com os negros dos canaviais de Campos. Centenas deles povoaram os galeões, deixando o litoral brasileiro para, com sangue rubro-negro, manchar as águas do rio Paraguai. Pois bem, Sr. Presidente, voltaram esses homens cinco anos depois, combalidos, sofridos, mas vitoriosos, heróis da Guerra do Paraguai.

Foram recebidos pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro e encontraram a seguinte situação: alforria, sem trabalho e sem moradia. E, para morar, para instalar as residências desses soldados, que não tinham mais o direito à senzala, porque não eram mais escravos, foi-lhes dado o Morro da Providência, a primeira favela brasileira. A primeira favela do Estado do Rio de Janeiro é o Morro da Providência, povoada com os heróis da Guerra do Paraguai. Atentai bem! Assim começa o paradigma da construção do Rio de Janeiro. A partir daí, cada empresário que chega, e já se passaram 137 anos, usa o mesmo método do Estado.

Trouxemos muitos nordestinos. Eles construíram Copacabana, Ipanema, Leblon, Ponte Rio-Niterói, Corcovado, Pão de Açúcar; fizeram a Região dos Lagos, as montanhas. Pagava-se um salário miserável e perguntavam “onde vão morar?” Favela; vai pra favela, vai morar no morro.

Sucessivas gerações de negros, brancos pobres e nordestinos mestiços construíram aquele grande Estado recebendo salário aviltante e, para morar, o paradigma do Estado, fundado por Dom Pedro II: favela. Assim, Sr. Presidente, mais de setecentas comunidades carentes hoje abrigam descendentes, basicamente, de negros escravos e de nordestinos.

Sr. Presidente, quando hoje alguém olha para essas comunidades carentes e vê ali traficantes, prostitutas, vendedores de produtos pirateados, na verdade, não vê a realidade. Tem-se ali, Sr. Presidente, um monumento à exploração do homem pelo homem, a desigualdade social em níveis absurdos. E quando se caçam esses meninos do narcovarejo das drogas, sem que consigamos colocar as mãos nos financiadores, nos importadores, nos organizadores do narcotráfico, esquecemos que somos nós os construtores desse abissal, monstruoso, miserável, tétrico ambiente-cenário de desigualdade, como disse, nas favelas brasileiras.

Sr. Presidente, é preciso que se veja os homens de bem, aqueles que trabalham - e são a maioria -, ainda com um salário miserável, sem condições sequer de terminar suas casas. Lembremos que o BNH, o Banco Nacional da Habitação, acabou no governo passado. Surge agora, com o Presidente Lula, o Sistema Nacional de Habitação Social, mais recente. Como o Rio de Janeiro era oposição ao Lula, não se criou o Fundo Estadual do Sistema Nacional de Habitação Social. Portanto, no Governo Rosinha, não recebemos um tostão; começamos a receber este ano, com o Cabral.

É preciso resgatar a história para que as pessoas não coloquem a culpa da violência naqueles que hoje, por não acreditarem mais no valor do trabalho e do estudo, servem à violência, porque seus antepassados foram massacrados por essa forma de construir o Estado nacional, sempre concentrando riqueza e poder.

Sr. Presidente, não é com mais violência, não é colocando a culpa no pobre que as coisas se resolvem. Aliás, isso já é uma máxima nacional. Nossos antepassados cunharam isso com uma legenda irretocável: diziam os nossos avós que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.

As pessoas, quando olham para a Previdência, não conseguem enxergar o déficit das grandes empresas. Dizem que a Previdência está quebrada porque o aposentado brasileiro hoje se aposenta aos sessenta e quer viver até os oitenta, quando devia se aposentar aos sessenta anos e morrer aos 62! Ora bolas, um aposentado vive demais! Então, a culpa da Previdência quebrada é do infeliz do aposentado, que está vivendo muito.

A culpa do problema da saúde? Pergunte lá aos prefeitos do meu Estado e a resposta será: é sempre do doente. “Ah, porque vem doente de outro Município, vem doente de outro Estado, vem doente que não é daqui!” Eu cheguei a ponto de ouvir uma autoridade da República dizer que a culpa dos juros altos era do brasileiro, que não levantava o traseiro para procurar juros mais baixos. Imagine se um assalariado brasileiro tem condições de barganhar taxa de juros de cartão de crédito ou de cheque especial com esses grandes bancos também intensamente concentrados!

Sr. Presidente, hoje, 80% da dívida interna brasileira, de R$1,2 trilhão, pertence a quinze mil famílias brasileiras. Essa riqueza anômica, conspícua, perdulária e faustosa é irmã siamesa dessa miséria abaixo da linha da dignidade, e essas duas irmãs só vivem uma em função da outra. Monstruosas irmãs siamesas: uma vive em função da outra.

Portanto, Sr. Presidente, venho aqui fazer esta defesa veemente dos cariocas, dos fluminenses, dos descendentes dos africanos e dos nordestinos, que hoje se sentem tristes em face de uma atitude, ou melhor, de uma declaração que, a meu juízo, não se coaduna com o Senador, com o homem humano, com a pessoa amistosa e democrática que nós ajudamos a eleger e que amanhã, tenho certeza, com o pensamento mais elaborado, há de se explicar. Não é possível dizer que a violência no Rio de Janeiro se deve à existência de uma fábrica de marginais, de mulheres pobres nas favelas que não conseguem fazer um aborto legalizado.

É bom lembrar que narcotráfico na ponta é pó e nariz. Se o pó está na favela, o nariz está na Zona Sul do Rio de Janeiro, como disse esta semana o Jornal O Globo, atestando que os consumidores de drogas não sofrem a repressão que a polícia faz, repito, contra esses infelizes jovens do narcovarejo das drogas e que o grande consumo das drogas, miserável e desgraçadamente, se encontra na classe A do Rio de Janeiro.

            Portanto, Sr. Presidente, quero fazer essa defesa histórica. Quero que fique registrado nos Anais desta Casa que povo do Rio de Janeiro - mais de um milhão de pessoas que hoje habitam as favelas do Rio de Janeiro -, na verdade, não é quem cria a violência, mas quem sofre a mais perversa violência, por conta também de uma política econômica que ainda não conseguimos superar.

Eram essas as minhas palavras, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2007 - Página 37637