Discurso durante a 197ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Abordagem sobre a tese elaborada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, de que o aborto em famílias pobres reduz a criminalidade.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. EDUCAÇÃO.:
  • Abordagem sobre a tese elaborada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, de que o aborto em famílias pobres reduz a criminalidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2007 - Página 38027
Assunto
Outros > ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, TESE, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INCENTIVO, ABORTO, POPULAÇÃO CARENTE, OBJETIVO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, ALEGAÇÕES, ORADOR, AUSENCIA, COMPROVAÇÃO, VOCAÇÃO, CRIANÇA, CRIMINOSO, COMPARAÇÃO, PENA DE MORTE.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, IMPEDIMENTO, FORMAÇÃO, CRIANÇA, CRITICA, AUSENCIA, CONSTRUÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, TEMPO INTEGRAL, FAVELA, REDUÇÃO, VIOLENCIA, INCENTIVO, APRENDIZAGEM, AMPLIAÇÃO, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO, TRABALHO INTELECTUAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INSUFICIENCIA, TRABALHADOR, CAPACIDADE PROFISSIONAL, MOTIVO, CARENCIA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, ACESSO, QUALIDADE, ESCOLA PUBLICA, REDUÇÃO, OPORTUNIDADE, EMPREGO, AUMENTO, VIOLENCIA.
  • INCENTIVO, DEBATE, ASSUNTO, BUSCA, ALTERNATIVA, COMBATE, VIOLENCIA, DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, antes de mais nada, lamento que o plenário não esteja, hoje, pleno para ouvir esse discurso da Senadora Kátia Abreu, com os argumentos que apresenta, pois, de fato, nenhum deles é desprezível.

Venho falar, Sr. Presidente, sobre outro assunto, que tem tomado conta dos jornais nesses dias e que creio mostra uma crise muito grave na maneira como o Brasil enfoca seus problemas. Quero falar de um dos Senadores mais queridos desta Casa, um dos mais próximos de mim, o atual Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e que está enfrentando uma luta tremenda contra a criminalidade no Rio de Janeiro. É uma luta adiada por muitos anos e que ele está enfrentando com uma força até surpreendente para a forma tradicional. Mas, ao mesmo tempo, ele está enfrentando essa luta com uma lógica que pode trazer conseqüências muito perigosas, está enfrentando com uma lógica que pode transformar uma luta contra a criminalidade em uma guerra entre bairros, em uma guerra entre ricos e pobres, que pode levar parcela desses bandidos que estão sendo combatidos a se transformarem em terroristas, em guerrilheiros, em coisas que podem sair do nosso controle.

Venho falar menos disso do que dessa idéia, que se começa a discutir, Senador Pedro Simon, de aborto para reduzir a violência. Isso, para mim, é uma violência. Esse argumento, em si, é uma violência. Eu não quero discutir aqui, absolutamente, o problema da descriminalização do aborto e todas as suas implicações religiosas, morais e de saúde, sobretudo da mulher. É um problema extremamente complexo que não quero discutir aqui neste momento.

Confesso que este é um dos temas que me deixam, Senador Sarney, sem posição, diante de valores morais que nós herdamos e que não queremos abandonar e diante de problemas de saúde que, de fato, existem. Porém, o que não podemos, nem de longe, aceitar é essa idéia de que aborto em famílias pobres reduz a criminalidade. Isso abre margem a discussões muito mais graves. Por exemplo, se o aborto de uma criança que ainda não nasceu pode ajudar a reduzir a criminalidade, por que não a pena de morte para aqueles que já cometeram crimes, que é uma forma de aborto já tendo a vítima demonstrado a sua vocação?

E se se abre a possibilidade de aborto nos bairros onde a violência começa por causa do tráfico, quanto tempo vai levar para alguém provocar o debate sobre o aborto nos bairros onde estão os consumidores das drogas?

Isso mostra que este é um debate enlouquecedor e enlouquecido, que tira o País do eixo de procurar a solução e dirige a imaginação para caminhos tortuosos que não levam a resolver os problemas.

Sobretudo, isso não traz para o debate o problema central de um aborto legal, permanente e sistemático que existe neste País, que é o aborto da inteligência, o aborto cerebral, que é a permissão para que os cérebros não nasçam. O corpo nasce na maternidade, o cérebro nasce na escola. Dos 185 milhões de brasileiros que temos, não mais de 30 milhões vão ter a possibilidade de desenvolver plenamente a sua formação intelectual. Ou seja, vamos abortar 155 milhões de cérebros brasileiros. Ninguém está falando desse aborto, que já existe, que acontece, que tem cinco séculos no Brasil e que ameaça o futuro deste País, porque essa é a grande energia que temos disponível e que está sendo abortada naturalmente, de uma maneira invisível.

Alguns falam em abrir clínicas legais de aborto para que não nasçam as crianças, mas não falam em abrir escolas de qualidade para evitar o aborto cerebral, mental, intelectual.

Os Governadores dessa geração estão enfrentando a violência já há dez meses. Muitos deles tiveram a coragem necessária para colocar a polícia lá em cima dos morros. Quantos colocaram escolas nos morros? Quantos implantaram horário integral nesses morros para tentar impedir o aborto intelectual, o aborto cerebral, o aborto da inteligência como este País faz de uma maneira sistemática, repetida, sem nem ao menos discutir a sua legalidade ou não?

Creio que o Governador merece todo apoio na luta que está tendo para trazer ordem outra vez no Rio de Janeiro. Mas que, por favor, não traga ordem física trazendo uma desordem lógica - nem falo moral; nem falo do aspecto moral, porque quanto a esse, teríamos de abrir um debate muito mais complexo sobre o direito de a mulher usar o seu corpo para interromper uma gravidez, ou o direito da criança de nascer, ou o problema da saúde pública. Isso é mais complexo. Vai chegar aqui um dia para discutirmos isso.

O que eu quero discutir é o absurdo da vinculação de redução de violência com redução na taxa de natalidade entre os pobres, e mais grave ainda, a redução da taxa de natalidade pelo aborto. Trazer esse debate de que o País precisa descobrir que somos um crematório de cérebros, somos uma imensa clínica de aborto da inteligência brasileira e que isso levará ao aborto da Nação brasileira, Senador Sarney.

O jornal O Globo deste fim de semana, creio que no sábado, mostrou que, de um milhão e meio de vagas para trabalhadores, apenas 720 mil foram preenchidas; as outras vagas continuam vazias por falta de pessoal formado para exercer essas atividades.

Em primeiro lugar, isso está paralisando a economia. A gente fala tanto que a economia cresce pouco por causa da falta de infra-estrutura, de portos, de estradas, de energia, e não está falando que a economia cresce pouco por falta de cérebros que conduzam as mãos dos operadores modernos, capazes de fazerem as máquinas funcionarem.

A gente chega ao ponto de não perceber que uma parte da criminalidade, sem dúvida alguma, vem da maldade que algumas pessoas têm, mas muito raras e, pelo menos, na mesma proporção entre ricos e pobres. Não digam que há mais maldade entre pobres do que entre ricos. O que há é menos oportunidade entre pobres. E, ao haver menos oportunidades, é natural, é óbvio que caiam na criminalidade alguns daqueles que não resistem à tentação de encontrar a sobrevivência pela violência.

Os outros animais não passam fome pacificamente; os outros animais usam da violência para matar a fome. O ser humano é o único, e ainda existe milhões e milhões e bilhões até neste Planeta, que controla a violência, passa fome, mas não é violento para comer. Alguns não resistem a isso. Não sei quais são os que merecem mais elogios: se aquele capaz de passar fome com um filho ao lado para ser pacífico, ou aquele capaz de usar da violência para salvar o filho da fome.

Mas é a falta de oportunidade, é o aborto que se fez da intelectualidade dos nossos jovens que faz com que muitos deles terminem caindo, por falta de alternativa, na criminalidade.

O Governador disse que o aborto seria, talvez, uma maneira de fazer com que diminuísse a violência. Eu nunca ouvi ninguém dizer que tapar poço de petróleo seria o caminho para reduzir o aquecimento global. Ninguém aceita o aborto de um poço de petróleo para reduzir o aquecimento global. Mas chega-se a falar na possibilidade do aborto de seres humanos e, portanto, da sua inteligência, antes mesmo de ele nascer fisicamente, para controlar uma hipotética violência que viria daqueles lugares para fornecer drogas a consumidores que estão em outros bairros.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu poderia dar como encerrado o meu discurso exatamente no instante em que terminou o tempo. Entretanto, quero aproveitar esses minutos adicionais para pedir que a gente reflita nesta Casa. Não é para condenar o Governador Sérgio Cabral, longe de mim, uma pessoa com quem tive o melhor relacionamento aqui e que, sem dúvida alguma, é uma das que tem melhor relacionamento com todos os demais Senadores, e que está sob uma pressão muito grande para vencer uma guerra que deixaram para ele, porque não foi ele quem a criou.

Mas vamos refletir melhor, vamos conversar inclusive com ele que o caminho não é necessariamente a gente fazer violência contra a violência apenas, embora ela seja necessária também. Mas é dar oportunidades àqueles que não tiveram e, por isso, caem na violência. Quantas escolas foram construídas nesses dez meses nos locais em que a violência é gerada por falta de oportunidade? Não tenho esses dados. Tentei levantá-los hoje de manhã, mas ou os dados são de que nenhuma escola foi construída ou as informações que tenho são falsas. E é preciso trazê-las corretamente. 

O fato é que temos de deixar de ser um crematório de cérebros como é hoje o Brasil e vem sendo ao longo de cinco séculos. Um crematório de inteligências!. Por que não temos um prêmio Nobel de literatura? Porque, certamente, aquele que seria morreu analfabeto. Por que não temos um prêmio Nobel na área de ciências? Certamente porque aquele que seria morreu sem saber as quatro operações. Porque não tiveram a oportunidade de desenvolver o seu potencial intelectual, que é o verdadeiro potencial de um País.

Daqui a pouco anos, não haverá mais um poço de petróleo com petróleo. Onde vamos buscar energia para substituir o petróleo? Na capacidade intelectual dos seres humanos, dos brasileiros para inventar outras fontes alternativas de energia. Mas deixamos explorar todos os poços de petróleo na maior velocidade possível, seja qual for a violência que a queima desses petróleos provoque, estamos tentando tapar o nascimento desse poço maravilhoso de um petróleo, que é a massa cinzenta das nossas crianças, dos nossos jovens.

Vamos refletir melhor, vamos entender melhor quais são as causas da violência e vamos enfrentá-las de uma maneira não só inteligente, mas também decente.

Sr. Presidente, agradeço o tempo que me foi concedido, mas fica aqui o desafio de tentarmos fazer com que o Brasil deixe de ser um crematório de inteligência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2007 - Página 38027