Pronunciamento de José Sarney em 29/10/2007
Discurso durante a 197ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Alerta para perigo de investimentos militares da Venezuela, e solicita ao Governo Federal uma reflexão mais profunda sobre o assunto.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA EXTERNA.:
- Alerta para perigo de investimentos militares da Venezuela, e solicita ao Governo Federal uma reflexão mais profunda sobre o assunto.
- Aparteantes
- Edison Lobão.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/10/2007 - Página 38029
- Assunto
- Outros > POLITICA EXTERNA.
- Indexação
-
- ADVERTENCIA, TRANSFORMAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, DITADURA, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, MATERIAL BELICO, DEMONSTRAÇÃO, PERIGO, BRASIL, AMERICA DO SUL, DESEQUILIBRIO, PODER, ARMA DE FOGO, PAIS.
- COMENTARIO, CONDUTA, VIDA PUBLICA, ORADOR, DEFESA, DEMOCRACIA, PAZ, BRASIL, MUNDO, OPOSIÇÃO, NEGOCIAÇÃO, ARMA DE FOGO.
- QUESTIONAMENTO, DEMOCRACIA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, PROVOCAÇÃO, APREENSÃO, BRASIL.
- DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, EFICACIA, EXAME, PEDIDO, ENTRADA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), CUMPRIMENTO, REQUISITOS, DEMOCRACIA.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs Senadoras; Srs. Senadores; minhas senhoras e meus senhores que, por meio da TV Senado, nos assistem neste instante:
Vou abordar um tema e gostaria da contar com participação de grande parte das Senadoras e Senadores. Infelizmente, as mudanças feitas nas normas rígidas do nosso Regimento e a concentração das atividades nas sessões de terças e quartas-feiras impedem os grandes debates nesta Casa, tal como já tivemos oportunidade de ouvir. Estou vendo o nosso colega Pedro Simon, que tantas vezes se utilizou das regalias do Regimento para promover esses debates.
Por isso estou falando nesta segunda-feira, com a certeza de que, se necessitar de mais tempo, poderei contar com a condescendência de V. Exª, Sr. Presidente, para fazermos uma reflexão do maior interesse para o nosso País.
Quero falar sobre o assunto Venezuela, que é de extrema gravidade e merece uma reflexão mais profunda do Brasil inteiro. O Presidente Hugo Chávez censurou o Senado Brasileiro, quando aqui tratamos dos caminhos que estava seguindo o governo venezuelano em termos de afirmações democráticas. Tive a oportunidade de tratar desse assunto por algumas vezes. Eis que agora, na semana passada, o Presidente Chávez colocou-me no centro do debate na Venezuela, dizendo:
O Sr. Sarney tenta condicionar, manipular e chantagear a Venezuela, dizendo que ela não entrará no Mercosul se não dermos sinais expressos de que somos democratas. Quero dizer ao Sr. Sarney que a democracia venezuelana é, hoje, a mais perfeita do mundo. Não temos nada contra o Governo Lula e o povo do Brasil, mas, sim, contra esse cisto lacaio e servil que parece um boneco de alguns ventríloquos que fazem outras pessoas falar.
Sr. Presidente, pessoalmente, não tenho nada contra o Presidente Hugo Chávez, mas tenho o compromisso, com a minha consciência e com este País, de defender sempre os princípios democráticos, porque, tendo sido eleito Presidente da República por uma aliança chamada Aliança Democrática, com um programa construído e delineado no sentido da restauração da democracia no País, sinto-me no dever de ser, pelo resto da minha vida, o maior defensor, em todos os momentos e contra quem quer que seja, interna ou externamente, dos ideais democráticos.
Não estou sendo incoerente, de maneira nenhuma, Sr. Presidente. Não é este momento que está fazendo manifestar-me dessa maneira. Recordo que, quando o atual Presidente Hugo Chávez, em 1984, organizou o Movimento Revolucionário Bolivariano contra o então Presidente Jaime Lusinchi, tive a oportunidade de manifestar-me contra aquele movimento.
Em 4 de fevereiro de 1992, cinco unidades do Exército venezuelano, sob o comando de Chávez, arrojaram-se em Caracas com a missão de tomar instalações militares e de comunicações no Palácio Miraflores, o Ministério da Defesa e a base aérea. O plano tinha como objetivo prender o Presidente Andrés Perez, que estava retornando de uma viagem ao exterior, interrompendo, assim, o processo democrático da Venezuela. Tive oportunidade, também naquele momento, de me solidarizar com o Presidente Andrés Perez, protestando contra qualquer golpe aqui no continente.
Da mesma maneira, Sr. Presidente, quando o Presidente Chávez sofreu um golpe de estado que o depôs por 48 horas, também me manifestei contra, dizendo que era inadmissível que na América Latina de hoje, redemocratizada, se pudesse depor um presidente eleito pelo povo.
As declarações do Presidente Chávez de 1992 foram as seguintes: “Camaradas, infelizmente, por enquanto, os objetivos que havíamos definido não foram atingidos na capital” -- isso foi dito no segundo golpe que ele tentou contra o Presidente Andrés Perez -- “Isso significa que nós, aqui em Caracas, não conseguimos tomar o poder. Onde vocês estiverem, seu desempenho foi bom, mas agora é o momento de repensarmos, novas possibilidades podem surgir.”
Sr. Presidente, nós, no Brasil, temos que ficar apreensivos. Não se trata de ficarmos contra a Venezuela e nem pessoalmente contra o Presidente Chávez, mas apenas de adverti-lo de que não terá a solidariedade do povo brasileiro e latino-americano em nenhuma aventura que transforme a Venezuela num país ditatorial, longe dos ideais democráticos.
As minhas apreensões são maiores por quê? Porque o Presidente Chávez está fazendo da Venezuela uma potência militar, e isso é um perigo para todos nós da América Latina. Ele investiu 4 bilhões em armas nesse período, comprando caças de última geração, armamentos, submarinos e foguetes que absolutamente não têm sentido de defesa.
A América do Sul é o continente mais pacífico da face da Terra. Não temos guerras há setenta anos, e o Brasil, sobretudo, é um exemplo extraordinário, porque tem fronteira com dez países e não tem problemas com nenhum deles. Nossos problemas de fronteira foram dirimidos por meios pacíficos, e, assim, constituímos o grande País que somos. Portanto, não podemos, em nenhum momento, admitir outra fórmula que não a do diálogo para resolver os problemas do continente -- nunca o caminho das armas.
É um perigo, para o Brasil e para a América Latina, que haja uma potência militar instaurada dentro do continente. Se não temos condições de destinar mais recursos às forças militares, nem o Brasil nem os outros países da América Latina, uma corrida armamentista em nosso continente nos obrigaria a desviar do nosso caminho de priorizar os investimentos na área social para buscar o equilíbrio militar. A ausência de equilíbrio militar significa um extraordinário perigo ao Brasil.
Devo invocar, Sr. Presidente, minha posição de coerência, embora o Evangelho de ontem nos ensine a não nos vangloriar de nossas qualidades, mas a dar testemunho de simplicidade. Quando os Estados Unidos venderam caças F-16 ao Chile, protestei, e aí estão meus discursos e pronunciamentos. Certa feita, em uma reunião do InterAction, tive oportunidade de me dirigir pessoalmente ao Presidente Carter, num discurso que ali fiz, dizendo que não admitíamos que os Estados Unidos vendessem armas para o Chile, desbalanceando estrategicamente o continente.
Sr. Presidente, não fiquei só aí. Aqui no Brasil, realizou-se uma feira internacional no Riocentro para venda de armas. Tive a oportunidade de escrever contra essa feira, dizendo que não era aqui o lugar exato em que se deveria fazer feiras para venda de armas. Lembro-me aqui até do slogan da feira no Rio de Janeiro: “Armas para todos.” Queriam dizer que não tinham discriminações ideológicas, estavam prontos a vender armas a quem quisesse comprar. Então fui contra.
Da mesma maneira, Sr. Presidente, quando o Presidente Menem, da Argentina, lançou a tese de ligar o seu país à OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, criando um novo tipo de sócio aliado, também desenvolvi uma grande campanha naquele momento, desta tribuna e também por meio dos jornais, escrevendo artigos em O Globo e na Folha de S.Paulo, dizendo que aquilo não podia ser admitido pelo Brasil, ou seja, nenhum país da América Latina deveria se associar a tratados militares.
Além disso, quando Presidente da República, apresentei nas Nações Unidas moção no sentido de se considerar o Atlântico Sul zona de paz. Essa moção foi aprovada com o voto contrário apenas dos Estados Unidos.
Assim, essa minha manifestação pacifista, essa minha convicção democrática não é novidade, de maneira nenhuma.
Relembro, ainda, à Casa, um episódio mais antigo. Estou aqui com o Diário do Congresso Nacional do dia 12 de abril de 1964, com a relação dos nossos colegas que foram injustamente cassados naquele tempo. Eu era Vice-Líder da UDN, combatia o Presidente João Goulart, mas no dia 10 de abril, quando este País estava em choque, perplexo e, dentro do Congresso, víamos somente a face do medo e do temor, fui para a tribuna e fiz um aparte ao Deputado Milton Dutra -- que tinha sido cassado e fazia o seu último discurso.
Eu disse então: “Dentro do meu Partido, ao iniciar-se esse episódio da vida pública brasileira, tive oportunidade de levantar a tese de que não se podia, dentro desta Casa, cassar mandatos, senão nos estritos termos da legislação em vigor.” Fui contra e manifestei-me várias vezes nesse sentido, num momento em que tal gesto podia encerrar minha carreira política.
Quando foi editado o AI-5, fui o único Governador deste País a protestar contra este Ato. Tive essa coragem também, quando o País precisou de mim para a transição democrática, ao romper com o PDS e formar com Tancredo Neves a Aliança Democrática.
É uma linha de coerência, linha de convicção interna, que faz parte da minha personalidade.
Nunca fui de arroubos. Nunca fui de bravatas. Nunca fui de exacerbar situações. Mas sempre fui severo, sempre fui firme nos momentos em que precisei tomar atitudes.
Assim, neste momento, alerto o Brasil para o perigo que estamos correndo em termos de futuro, porque não acredito que, criando-se uma potência militar na América do Sul, possamos esperar alguma tranqüilidade. Poderá não ser mais um perigo para mim, que já tenho, como o Senador Pedro Simon, alguns anos de experiência parlamentar e também de vida, mas o continente enfrentará problemas sérios.
Fizemos um pacto, aqui no Continente, no sentido de que todos os países seriam democráticos. Com Alfonsín, foi este o primeiro compromisso que assumimos: o de só aceitarmos, no processo de integração regional que construíamos, países que fossem democráticos.
O Sr. Edison lobão (PMDB - MA) - Permita-me V. Exª uma ligeira interrupção?
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Em seguida, darei a V. Exª o aparte.
Já vimos o Presidente Hugo Chávez dizendo que a democracia da Venezuela é a melhor democracia do mundo. Agora, vejamos como é a melhor democracia do mundo:
Entre artigos aprovados, na segunda-feira, estão os que permitem ao Presidente criar ou suprimir províncias federais, isto é, estados - lá os estados são chamados de províncias -, cidades, distritos funcionais, municípios federais, regiões marítimas, regiões estratégicas e cidades comunais, além de designar e remover suas autoridades.
Que democracia, Sr. Presidente, eles estão construindo!
Também poderá destituir o vice-presidente, assim como nomear vice-presidentes para governar as novas regiões. O Presidente poderá ainda promover oficiais das Forças Armadas em todos os graus e hierarquias, administrar a Fazenda Pública e as reservas internacionais e reeleger-se eternamente.
Sr. Presidente, basta observarmos o que se faz em relação às armas e às instituições para termos apreensão. Não pense o Presidente Chávez que tenho algo pessoal contra ele, mas vivemos numa democracia pluralista e aberta, temos um Congresso Nacional aberto, com pluralidade partidária, no qual podemos dizer tudo que queremos.
Aí está o Presidente Lula, um homem que, hoje, há pouco, ouvi dizer que ainda temos que nos dedicar ao aprofundamento do sistema democrático. Ele está fazendo isso com a democracia, diminuindo a pobreza, enfrentando os problemas sociais. Ele não precisou nem ninguém precisará rasgar a Constituição. O caminho do desenvolvimento social, político e econômico é, sem dúvida, a democracia.
Ouço o Senador Edison Lobão.
O Sr. Edison Lobão (PMDB - MA) - Eu não desejo, com o meu aparte, contribuir para obnubilar o raciocínio de V. Exª. Desejo apenas dizer que não há por que ter V. Exª qualquer preocupação quanto ao seu conceito de democrata em nosso País. As pessoas que o conhecem - e a Nação inteira o conhece - sabem que V. Exª caminhou sempre no rumo da mais absoluta democracia. A sua presença no Governo, como Chefe da Nação, foi a maior prova disso. V. Exª conseguiu conduzir o País nos caminhos rigorosos da democracia, recolocando-o, aliás, nesses trilhos. Todos os exemplos de sua vida têm sido assim. Nós o conhecemos desde Deputado e jamais V. Exª mudou de posição quanto aos princípios basilares da democracia em nosso País. As liberdades são o apanágio da sua luta e da sua vida. Não haverão de ser críticas de um presidente com vocação ditatorial - ele, sim - que poderão retirar V. Exª dessa direção tão nobre, que é a direção da verdadeira democracia no mundo em que vivemos.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado a V. Exª.
Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, penso que, além de tudo que foi dito, temos exemplos históricos que nos dão motivo para apreensão.
Recordemos como, na Europa, pouco a pouco, depois da Primeira Guerra, foi autorizado à Alemanha rearmar-se, Chamberlain assinou aquele pacto cedendo os Sudetos e sabemos o que aconteceu. Da mesma maneira, muitos outros exemplos nos mostram que temos de ser sempre vigilantes, olhar o futuro.
Quando vejo, por exemplo, a invocação que estão fazendo do socialismo bolivariano, confesso que fico com a cabeça meio perturbada. Na realidade, Bolívar morreu em 1830, e a palavra socialismo apareceu pela primeira vez em 1838. Evidentemente que já tínhamos tido antes Proudhon e outros com o socialismo utópico, mas a palavra ‘socialismo’, nos termos do engajamento político, aparece pela primeira vez em 1838. O Manifesto Comunista de Marx e Engel é de 1851. Como se pode, então, descobrir um Bolívar socialista naquele momento?
Entretanto, Chávez evoca Bolívar, grande figura das Américas, digna de exaltação e louvor. Eu mesmo tive a honra, quando começamos a integração latino-americana, de ser chamado de o primeiro Presidente bolivariano do Brasil, porque, pela primeira vez, este País desejava integrar-se à chamada “América Espanhola”, desejo de Bolívar. Li várias biografias sobre ele e as memórias do General O’Leary, seu companheiro.
Portanto, quero que o Presidente Chávez saiba que não tenho nada pessoal contra ele. Ao contrário, desejo que a Venezuela trace os caminhos da democracia, do fortalecimento das liberdades individuais e dos direitos civis e do avanço dos direitos sociais. Esse é o nosso desejo.
Agora, aqui no Congresso, se tivermos o pedido da entrada da Venezuela no Mercosul, devemos examinar se aquele país está realmente cumprindo a condição fundamental, que é a existência de uma democracia, porque um dos pontos que nos levaram a criar esse espaço econômico e político, que é aquela instituição, foi justamente o de fortificar, cada vez mais, os ideais democráticos.
Portanto, este será o nosso dever: o de alertar, cada vez mais, quanto ao perigo de estabelecermos corridas militares neste continente, quanto ao perigo de rasgarmos aqueles direitos fundamentais que estão aqui sendo defendidos por nós e que têm sido o motivo da nossa luta ao longo da integração do continente sul-americano.
Muito obrigado.