Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre as motivações que levaram o Deputado Ronaldo Cunha Lima a renunciar ao mandato parlamentar.

Autor
Cícero Lucena (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cícero de Lucena Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Comentários sobre as motivações que levaram o Deputado Ronaldo Cunha Lima a renunciar ao mandato parlamentar.
Aparteantes
Antonio Carlos Júnior, Antonio Carlos Valadares, Arthur Virgílio, César Borges, Eduardo Azeredo, Eduardo Suplicy, Flexa Ribeiro, Marcelo Crivella, Mozarildo Cavalcanti, Mário Couto, Mão Santa, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2007 - Página 38639
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • REGISTRO, RENUNCIA, RONALDO CUNHA LIMA, EX GOVERNADOR, EX SENADOR, MANDATO PARLAMENTAR, DEPUTADO FEDERAL, PERDA, IMUNIDADE, GARANTIA, JULGAMENTO, TRIBUNAL DO JURI, OPORTUNIDADE, ELOGIO, INTEGRIDADE, VIDA PUBLICA, EMPENHO, DESENVOLVIMENTO, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • APRESENTAÇÃO, LEITURA, TRECHO, CARTA, AUTORIA, RONALDO CUNHA LIMA, DEPUTADO FEDERAL, ENCAMINHAMENTO, CAMARA DOS DEPUTADOS, FORMALIZAÇÃO, RENUNCIA, MANDATO PARLAMENTAR.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Cumpro, diante desta Casa, da Paraíba e da história, uma missão particularmente difícil e dolorosamente cruel: comunicar ao Senado a renúncia do ex-Governador e do ex-Senador Ronaldo da Cunha Lima ao mandato de Deputado Federal pela Paraíba.

Essa missão, que jamais desejaria a ninguém e que, muito menos, algum dia imaginei para mim, me é particularmente penosa pela notória fraternidade que nos une e pela incontestável admiração que lhe dedico. Essa é também a oportunidade de um testemunho pessoal de absoluta justiça.

Fui Vice-Governador e Secretário de Ronaldo e, há mais de 20 anos, somos correligionários, amigos e irmãos. Testemunhei exemplos comoventes da mais arraigada tolerância e de uma inexcedível lealdade pessoal e política. Acompanhei uma vida pública inteira dedicada à Paraíba, como Vereador, Deputado Estadual, Prefeito, Governador, Senador e atualmente como Deputado Federal. Todos os cargos públicos disputou e ganhou. Jamais perdeu uma eleição. Mais ainda, jamais cometeu na vida pública qualquer deslize ético. Nem mesmo seus adversários jamais levantaram contra ele qualquer dúvida sobre sua absoluta integridade moral.

Muitos dos senhores terão convivido com o Senador Ronaldo Cunha Lima nesta Casa, durante os oito anos em que aqui defendeu a Paraíba e honrou seu mandato, ocupando, inclusive, a 1ª Secretaria da Casa. O Senado é testemunha da integridade insuperável e da profunda sensibilidade humana, que são marcas da vida do homem e do poeta. Dolorosamente foi traído em algum momento da sua vida pela dramaticidade de um gesto e de uma circunstância.

Testemunhei eu próprio a dor que o fato lhe causou, a marca que lhe deixou na alma, tão profunda que o tempo não cicatrizou. Ronaldo sangra até hoje.

Por esse gesto se purgou ao longo dos anos. E, mais de uma vez, aqui nesta mesma tribuna, ele abriu mão de qualquer imunidade, de qualquer prerrogativa, convicto de que, para agir como cidadão, deveria responder à Justiça como mero cidadão, até para não confundir a instituição sagrada da imunidade parlamentar com o privilégio de alguém eventualmente investido do mandato popular. A imunidade é da instituição legislativa e só deve proteger os atos e os fatos decorrentes do exercício do mandato. Ronaldo queria ir a júri. Ronaldo quer ir a júri.

Registre-se, por oportuno, que sua defesa compareceu rigorosamente a todos os atos processuais, sem uma falta sequer, sem ao menos uma iniciativa que pudesse ser confundida como tentativa de procrastinação dos ritos e dos prazos processuais.

Ronaldo deixa o Parlamento, despindo-se das prerrogativas e privilégios para poder comparecer como simples cidadão ao júri popular.

Algumas vezes, seguidas vezes, a Paraíba já o julgou e o absolveu, porque soube distinguir entre a dramaticidade de um gesto e a história de uma vida. Como ele próprio registrou, em sua carta à Presidência da Câmara dos Deputados, “até para me reconciliar comigo mesmo e com a minha história, devo enfrentar, diante de meu próprio povo, toda a dor dessa circunstância”.

Permitam-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a leitura da correspondência do ex-Governador e ex-Senador Ronaldo Cunha Lima à Câmara dos Deputados, que, por si só, retrata, mais que tudo, a alma e o coração do poeta e reflete, mais ainda, o escrúpulo de um homem público que, mesmo nos gestos mais extremos e nos momentos mais definitivos de sua vida, sempre soube separar o privado e o público e, defendendo sempre a imunidade parlamentar, faz questão de recusar prerrogativas. Essa coerência o torna ainda mais admirável para a história deste País.

Leio a carta do ex-Senador e do ex-Governador Ronaldo Cunha Lima ao Presidente da Câmara dos Deputados:

Sr. Presidente, venho, através desta, formalizar minha renúncia definitiva e irretratável ao mandato de Deputado Federal pelo Estado da Paraíba.

Quero, com esse gesto extremo, despir-me de quaisquer prerrogativas para assumir, apenas como cidadão, episódios particularmente dolorosos de um passado já remoto no tempo, mas ainda muito presentes em minha alma e minha consciência, por seus desdobramentos de sofrimento e de dor.

Não é a primeira vez que, no enfrentamento desse episódio, abro mão de prerrogativas. Ainda no Senado, eu o pedi formalmente e de público a todos os meus pares, ao defender o que para mim é princípio fundamental: a imunidade parlamentar deve cingir-se exclusivamente a fatos ligados ao exercício do mandato. Pedia para ser processado e julgado. Queria enfrentar o júri popular, sem quaisquer imunidades.

Serei julgado não por atos da função pública, mas por gestos de cidadão. Como mero cidadão é que terei de ser tratado.

Por esses gestos já me penitenciei junto aos que fiz sofrer. Deus me permitiu receber do adversário de outras épocas o gesto de perdão, que nos permitiu estabelecer a paz entre dois corações e vencer as atribulações de duas histórias. A reconciliação muitas vezes desejada, sinceramente querida com toda a força de meu coração, e felizmente alcançada, não me tornou menos responsável por meus atos.

O povo da Paraíba, em repetidas ocasiões, distinguiu-me, com clareza inequívoca, a dramaticidade de um gesto e a história de uma vida, entre o momento esparso e isolado de um minuto e a prática consolidada de uma existência. Mas até para me reconciliar comigo mesmo e com minha história, devo enfrentar, diante de meu próprio povo, toda a dor dessa circunstância.

À Paraíba, a que dediquei toda a minha vida, entrego meu destino. A Paraíba me julgará, soberanamente, através do seu Tribunal do Júri.

Agradeço aos paraibanos a confiança de mais um mandato, do qual me despeço com a proclamação explícita de homenagem à Justiça e ao Tribunal do Júri Popular. Em todas as tribunas que a vida me permitir, continuarei entoando meu mais profundo respeito ao Parlamento brasileiro e a minha mais profunda convicção de que a imunidade parlamentar, com todos os seus desdobramentos, deve resguardar exclusivamente atos relativos ao exercício do mandato.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Cícero Lucena, sem entrar no mérito da questão que V. Exª está abordando, com propriedade, quero aproveitar para trazer uma análise dessa questão da dita imunidade parlamentar, também chamada de foro privilegiado, que não tem nada de privilegiado, que não deveria existir, como foi dito por V. Exª, para qualquer ato que não fosse praticado pelo Parlamentar no exercício do seu mandato. Por qualquer ato comum, seja de ilicitude, cível ou criminal, o Parlamentar teria que responder normalmente. O pior é que às vezes vem em desfavor de quem tem esse foro. Vou citar o caso da Senadora Ideli Salvatti. Ela e mais quatro sindicalistas foram processados por um crime na época em que ela não tinha mandato. Como, depois, ela foi eleita Deputada Estadual, seu processo foi apartado e levado para o Tribunal de Justiça. Quando ela foi eleita Senadora, esse processo foi remetido ao Supremo Tribunal Federal e está para ser julgado. Os outros sindicalistas já foram absolvidos na primeira instância. Então, o gesto do Deputado Ronaldo Cunha Lima é importante até para demonstrar que realmente essa questão da imunidade parlamentar e do foro privilegiado tem de ser repensada e revisada.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Obrigado pelo aparte.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Cícero Lucena, agradeço a V. Exª. Eu gostaria apenas de expressar minha profunda tristeza. Sei que Ronaldo Cunha Lima, o Governador, o Senador, o Deputado, o servidor do povo, o amigo de todos, já enfrentou, na vida pública, tantos agravos, injúrias e calúnias que nos lançam os ódios e as paixões inerentes à vida parlamentar, hoje se vê na situação de renunciar a um mandato que o povo lhe deu. Privo da amizade de seu filho, Governador da Paraíba, e lamento profundamente. Pude sentir nas palavras de V. Exª, aliado de Ronaldo há vinte anos, a dor que o seu pronunciamento causa a esta Causa. Quero solidarizar-me com V. Exª esperando que o nosso Deputado possa encontrar, nesse exílio que se auto-impõe, os momentos mais sublimes da sua alma como estadista e, na planície, como dizemos, forças também para vencer mais essa etapa da sua trajetória. Parabéns a V. Exª!

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado pelo aparte, Senador Crivella.

Concedo o aparte ao Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Cícero Lucena, a notícia da renúncia do Deputado Ronaldo Cunha Lima me pegou de surpresa e eu custei a entender as razões nobres que a motivaram, porque o meu primeiro ímpeto foi lamentar o que pode ser a perda momentânea da convivência com uma figura tão encantadora e de tanta riqueza humana. Mas a grande verdade é que essa renúncia, mais uma vez, mostra o espírito grandioso de Ronaldo Cunha Lima, porque ele pretende mesmo é ser julgado pelo júri popular. Ele abriu mão do que chamam uns de foro privilegiado e que eu prefiro, de maneira moderada, chamar de foro especial. Ele abriu mão disso. Reportando-me, em seqüência, ao aparte tão sensato do Senador Mozarildo Cavalcanti, e me reportando à figura de Ronaldo Cunha Lima, eu tenho que ele pagou um preço muito alto pelo gesto que cometeu em determinado momento. Conheço muito bem a história. V. Exª foi um dos que relataram uma versão que coincide com as outras versões que chegaram aos meus ouvidos. Eu era amigo pessoal e fui colega de Tarcísio Buriti na Câmara dos Deputados. Os ânimos se acirraram. Estava em jogo o atual Governador da Paraíba. Em determinado momento, Ronaldo, literalmente, perdeu a cabeça - um homem de emoção, com a graça de Deus, não tirou a vida do seu adversário, do seu inimigo àquela altura. Mas tem um fato que é de desconhecimento de muita gente: Ronaldo pediu desculpas a Tarcísio Buriti. Não sei se V. Exª se referiu a isso em seu pronunciamento.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Pediu perdão.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Perdão e foi perdoado. Passou tanto tempo que eu entendo que a pena que Ronaldo Cunha Lima já amargou pelo gesto impensado e violento, pelo gesto condenável daquele momento, essa pena foi muito alta, muito alta; custou a ele noites de amargura, custou a ele o remorso, homem profundamente religioso que é, custou a ele muita dor.

Portanto, eu gostaria aqui de ressaltar a grandeza humana e a coragem desse homem profundamente inteligente, quase genial que é Ronaldo Cunha Lima. Parabéns a V. Exª pelo discurso que faz, explicando à Casa e à Nação as razões do gesto. Ronaldo volta à vida pública quando quiser. O povo da Paraíba o ama, e ele já demonstrou a reciprocidade a esse amor muitas vezes. Obrigado.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio, ao resgatar parte da história esclarecendo um pouco mais do que eu tinha feito em meu pronunciamento.

Sem dúvida, esse é o gesto de Ronaldo, que sempre assumiu os seus atos, mesmo se penitenciando. Em sua correspondência, ele afirma exatamente isso, que buscou a reconciliação muitas vezes e que, graças a Deus, encontrou-a na pessoa do ex-Governador Tarcísio de Miranda Buriti.

Concedo o aparte aos Senadores Romeu Tuma, Mário Couto, Mão Santa, Flexa Ribeiro e Eduardo Suplicy.

O Sr. Romeu Tuma (Bloco/PTB - SP) - Senador Cícero Lucena, depois de suas palavras e das palavras do Senador Arthur Virgílio, que expuseram a parte importante do que significa o foro, não é o foro privilegiado nem especial, mas é a instância única. Senador Arthur Virgílio, é um foro de instância única, não tem recurso. A condenação lá encerra qualquer questão, não tem como recorrer do que for decidido. É algo para o cidadão muito pior do que ter a seqüência natural para responder o processo. Acho que o foro especial foi criado para proteger o Parlamentar nas suas palavras, nos seus princípios, fundamentalmente, quando usa da tribuna, para evitar que a força de terceiros possa servir de argumento para derrotá-lo em uma questão judiciária. Serve para protegê-lo, mas não para preservá-lo da prática de um ato de violência. Conheço bem a história, porque convivi bom tempo com Ronaldo Cunha Lima quando ele era Governador e eu Diretor da Polícia Federal. E um dos lugares a que eu mais gostava de ir era a Paraíba, porque ele era um homem sentimental, poeta, tinha vocação para cantar, para se dedicar aos amigos e ser simpático com eles. São coisas inesquecíveis. Vi a história dele, a angústia que guardou depois do fato ocorrido até conseguir o perdão, tanto é que vários problemas de saúde prejudicaram a locomoção, o raciocínio dele. E com a força espiritual que ele tinha e tem, consegue hoje fazer uma carta como esta que V. Exª teve a virtude de trazer ao conhecimento do povo brasileiro, porque é um homem de bem, apesar de ter praticado um ato impensado. Então, acho que, nessa ânsia de buscar o julgamento correto e justo, ele declina da sua missão de Parlamentar, para poder responder com honra e dignidade um processo normal. Eu não poderia deixar de cumprimentar V. Exª por essa bondade de coração em trazer ao nosso conhecimento e da sociedade, por meio da TV Senado, tudo aquilo que representa Ronaldo Cunha Lima, principalmente para a Paraíba.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. Ao lhe agradecer, assim como aos demais Senadores que o antecederam, tenho certeza que o faço também em nome de Ronaldo, por toda essa demonstração em depoimento de quem é o cidadão, o homem, o pai e o Senador Ronaldo Cunha Lima, nosso eterno poeta.

Concedo a palavra ao Senador Mário Couto.

O Sr. Mário Couto (PSDB - PA) - Senador Cícero, acho que falar de Ronaldo...

(Interrupção do som.)

O Sr. Mário Couto (PSDB - PA) -...já o fizeram muito bem os Senadores Arthur Virgílio e Romeu Tuma. Eu só quero dizer a V. Exª, em rápidas considerações, que a minha admiração por V. Exª aumentou muito hoje. Quando entrei neste Parlamento hoje, sentei em minha cadeira, virei-me para cumprimentá-lo, como faço normalmente, e senti que V. Exª estava abalado, não era o mesmo Cícero Lucena alegre dos outros dias. Estava triste, comovido, me passou um papel imediatamente e, falando muito baixo, citou o nome de alguma pessoa. Olhei o documento, li e vim, então, a entender por que V. Exª estava tão triste. Um amigo de 20 anos, e V. Exª tinha a tarefa de vir à tribuna - uma tarefa difícil por se tratar de um amigo muito próximo de V. Exª - para fazer essa comunicação tão dolorosa. Por isso, quero reafirmar, neste momento, a minha admiração por V. Exª, dizendo, ratificando a V. Exª que aumentou a minha admiração, principalmente por demonstrar, na tarde de hoje, o carinho, a amizade e admiração que tem por Ronaldo Cunha Lima ao expressar, nessa tribuna, a sua dor e o seu sentimento. São poucos, não são todos que, mesmo num momento difícil, abraçam um amigo, congratulam-se com o amigo e não fogem do amigo, que estão próximos do amigo. Parabéns pela sua postura.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Mário Couto, por mais essa demonstração da sua sensibilidade.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cícero Lucena, é por uma dessas que Cícero, do Senado Romano, disse: “Errare humanum est.” Então, ele pode ter cometido um erro, mas acho que foi o homem público que teve mais acertos. O próprio Cristo disse: “Atirem a primeira pedra...” Ele errou um instante, mas nos instantes todos de sua vida, ninguém acertou mais pelo povo e como homem público do que Ronaldo Cunha. Quando o conheci eu era prefeitinho da minha cidade de Parnaíba, no Piauí, e ele era Governador do Estado e estava numa reunião da Sudene, na Paraíba.

(Interrupção do som.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Fiquei encantado - eu e todos - com a cultura e oratória daquele grande governador. Depois, Deus e o povo do Piauí me fizeram Governador do Estado e fui aprender a governar. V. Exª estava terminando o mandato dele. E V. Exª foi para Ronaldo Cunha o que Héctor Cámpora foi para Perón. Perón foi exilado, ele era Presidente e renunciou. E Héctor disse: “Perón é mais para a Argentina do que o Sol. O Sol brilha de dia, Perón, dia e noite.” E V. Exª foi esse Héctor Cámpora como governador. E fui lá aprender a governar com V. Exª, que era do MDB, e com Íris Resende, ali em Goiás. E, uma noite, ele me ofereceu um jantar com aquele espírito dele: alegre, conversador, agradável, poeta, levou os livros, bebemos juntos, eu deixei os livros, quase perco o avião. Aí, ele disse o seguinte: “Mão Santa, você vai ser governador? Atentai bem a um conselho: faça pela sua Parnaíba como eu fiz pela minha Campina Grande”. Tudo o que eu fazia em João Pessoa eu fazia em Campina Grande. Até o poliesportivo ... E esse conselho eu segui. Ele ainda disse mais: “Não faça como Lomanto Júnior, não, que disse que não fazia, que era muito, vamos dizer, por Jequié, porque iam comentar mal, que era a cidade dele”. Aí, diziam que ele não fez nem na cidade dele. “Faça pela sua como eu fiz pela minha querida Campina Grande”. E aquele conselho bíblico: “Mateus, primeiro os teus”. Com Ronaldo Cunha eu deixei os livros lá. Mas, eu lhe escrevi e ele mandou todos. Não tem poeta melhor do que ele. Eu quero crer o seguinte: esse povo paraibano bravo e histórico, realmente, sem dúvida nenhuma, ele vai vencer mais uma eleição. Essa sua mais importante eleição. Se ele errou, foi um instante só de erro. Os outros instantes, em sua vida toda, foram exemplos de homem público correto.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Passo a palavra aos Senadores Flexa Ribeiro, Eduardo Suplicy, Eduardo Azeredo, bem como Antonio Carlos Valadares.

Presidente, agradeço a compreensão.

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Nobre Senador Cícero Lucena, quero aqui me associar a tudo o que já foi incorporado ao pronunciamento de V. Exª sobre essa notícia que nos atinge pela amizade que temos com o Deputado Ronaldo Cunha Lima e pelo conhecimento que V. Exª tem de relação próxima, diria, com ele, já de décadas, e o que ele representa na política da Paraíba, além de ser o intelectual da melhor qualidade, talvez seja o brasileiro vivo que mais conheça sobre o escritor Augusto dos Anjos. Eu tive a oportunidade de ouvi-lo numa palestra que ele fez na Academia Paraense de Letras, há muitos anos, e desde aquele instante passei a admirá-lo, pela sua capacidade intelectual, sua capacidade de memória que é quase que fotográfica. Ele hoje toma esta iniciativa de renunciar ao mandato de Deputado federal que lhe foi conferido pelos paraibanos para ter o direito de defesa, abrindo mão da prerrogativa de ir a um julgamento no Supremo, para se submeter a um julgamento no seu Estado, para que ele possa, como disse na sua carta, já que ele deu a justificativa, já se “reconciliou” com a família daquele com quem houve o desentendimento. Então, realmente, é um momento em que a Câmara Federal perde um proeminente representante. Nós, como seus amigos, estivemos com ele, nesse final de semana, no casamento de sua filha, quando mostrou toda a amizade que tem para com os amigos próximos e todos os paraibanos. Quero me solidarizar com V. Exª - sei da amizade que os une - e dizer que a justiça dos homens virá, e ele dará a demonstração de que nenhuma culpa tem para ainda ter que pagar com julgamento.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Flexa Ribeiro.

Com a palavra o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Caro Senador Cícero Lucena, V. Exª reporta a essa decisão grave na vida do Deputado Ronaldo Cunha Lima em função do episódio ocorrido há muitos anos em relação ao ex-Governador Buriti. V. Exª relata-nos como o próprio ex-Governador Buriti teve uma atitude no sentido de dizer que o perdoava por aquela ação, que muitos dos Senadores aqui já colocaram como uma ação precipitada, em um momento de dificuldade, de angústia pelos quais muitas vezes os seres humanos passam. Mas eu gostaria de dar a V. Exª também o testemunho da convivência que eu próprio tive, assim como tantos Senadores, com o Senador Ronaldo Cunha Lima, também ex-Governador da Paraíba. Em todos os momentos, posso lhe dizer, V. Exª não era nosso colega, mas tivemos uma convivência de extraordinário respeito e de construção. Sempre vi no Senador Ronaldo Cunha Lima, inclusive nos seus poemas, tão belos, que muitas vezes ele criava da tribuna do Senado, muitas vezes no repente, diante da situação pela qual passávamos, ele criava poesia tão bela, mas sempre com o sentido maior de defesa pelo bem comum. Então, eu gostaria de expressar também este sentimento de apreço por ele. Certamente, ele tem também esse sentimento por parte do povo da Paraíba. Meus cumprimentos pelo seu pronunciamento.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Renovo que esse agradecimento é em meu nome e também do nosso querido colega Ronaldo.

Com a palavra o Senador Eduardo Azeredo e, depois, Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Cícero Lucena, assim como o Senador Flexa Ribeiro lembrou, também estivemos com o Deputado e ex-Governador Ronaldo Cunha Lima nesse último fim-de-semana. Essa notícia nos traz surpresa, mas a sua explicação mostra com clareza que são fatos muito antigos que aconteceram e que trouxeram esse incômodo todo em sua vida até hoje. De maneira que quero apenas trazer também a minha solidariedade ao nosso colega Cícero Lucena e ao próprio Deputado Ronaldo Cunha Lima e ao Governador Cássio Cunha Lima. Que eles tenham realmente a tranqüilidade da decisão que tomaram e que todo o episódio acabe sendo devidamente esclarecido.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador.

Com a palavra o Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Lucena, aproveito este momento para me recordar da boa vizinhança que mantive com o então Senador Cunha Lima, meu vizinho de apartamento, onde eu costumava visitá-lo e ouvia dele a declamação de poemas, o aconselhamento e a orientação diante de um Senador que o admirava muito e o admira até hoje, pela inteligência já proclamada por todos, pelo grande coração e por um comportamento solidário com todos os colegas, independentemente de partido. A sua presença aqui no Senado Federal foi marcante, construtiva e exemplar, um padrão de comportamento que chegou a granjear a simpatia, a admiração e o respeito de todos nós durante o exercício de seu mandato de Senador da República. Logicamente, a vida leva a determinadas surpresas, a determinados acontecimentos imprevistos. Até pela força da emoção, o homem é capaz de atos imprevisíveis. É da natureza humana. Como dizia o nosso Victor Hugo, “o tempo não só cura, mas também reconcilia”. Refiro-me à reconciliação que aconteceu ainda em vida, pelo menos do ponto de vista do perdão, dito de público pelo ex-Governador Tarcísio Burity, também uma figura humana extraordinária. Neste instante, eu o homenageio porque fui Governador de Sergipe, quando Burity era Governador da Paraíba. Tivemos um bom relacionamento. Então, tive a oportunidade de conhecer os dois de perto, duas figuras humanas extraordinárias. A Paraíba, aliás, está de parabéns pelo fato de ter V. Exª aqui no Senado Federal, que pontifica não apenas como Senador da República, cumprindo o papel para o qual foi eleito pelo seu povo, mas também por ter com seus colegas um relacionamento da melhor qualidade, da melhor cordialidade. Essa é uma temperança, é um jeito de ser do cidadão, do político da Paraíba, a exemplo de Cunha Lima. Por isso, já tive a oportunidade de pedir a V. Exª, hoje, o telefone de Cunha Lima. Já falei com ele por telefone, emprestei a minha solidariedade, a minha admiração e a minha amizade. Não importa o que possa acontecer daqui para frente. O que acontecer daqui para frente não vai mudar a minha opinião em relação ao nosso amigo e ex-Senador, Deputado Federal Cunha Lima. Ele estará sempre em minha mente como um homem bom, um homem trabalhador, com a admiração não só do Senado e da Câmara dos Deputados, mas de quantos o conhecem e valorizam o seu trabalho no Estado da Paraíba. Portanto, meus parabéns a V. Exª por esse reconhecimento, essa coragem de vir a público para manifestar não somente a sua preocupação, como também o seu lamento diante desse acontecimento inusitado. A Paraíba está naturalmente preparada para receber o Dr. Cunha Lima como cidadão comum e para outros embates que ele vai enfrentar, onde será sempre vitorioso.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares. Posso dar o testemunho da amizade recíproca entre V. Exª e o nosso querido poeta Ronaldo Cunha Lima.

Concedo um aparte ao Senador César Borges e, depois, ao Senador Antonio Carlos, com a permissão do nosso Presidente.

O Sr. César Borges (DEM - BA) - Senador Cícero Lucena, eu quero, assim como tantos outros Senadores que já fizeram, manifestar aqui, por intermédio de V. Exª, a minha solidariedade e a minha admiração pelo ex-Senador e Deputado que abrilhantou esta Casa e o Congresso Nacional, Ronaldo Cunha Lima. E, neste momento, em um ato que eu considero de grandeza, em sua própria carta de renúncia, ele diz que, representando o povo da Paraíba, quer possibilitar que esse povo o julgue, sem prerrogativa de foro, “como igual, que sempre fui”. É assim que ele declara e se coloca. Então, neste momento, resta essa admiração por essa figura humana que teve um problema durante o percurso do seu caminhar, de sua vida, mas já foi perdoado por quem devia. Tenho certeza de que o povo da Paraíba saberá ter esse ato também. Solidarizo-me com o próprio povo da Paraíba, pois sei que também sofre com Ronaldo Cunha Lima. Então, estamos aqui, juntamente com V. Exª, e quero que transmita isso a ele e ao Governador Cássio Cunha Lima, por quem temos também uma grande admiração. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Obrigado a V. Exª. Com certeza, ao fazer - repito - o faço também em nome de Cássio e do nosso querido poeta Ronaldo.

Concedo um aparte ao Senador Antonio Carlos Júnior.

O Sr. Antonio Carlos Júnior (DEM - BA) - Eu convivi, neste Senado, com o Senador Ronaldo Cunha Lima e tivemos uma bela amizade, herdada do meu pai, que era um grande amigo seu.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - É verdade.

O Sr. Antonio Carlos Júnior (DEM - BA) - E agora vejo no Portal UOL uma notícia exatamente com a foto dele com o Senador Antonio Carlos, que me deixou muito emocionado. Então, eu gostaria que V. Exª transmitisse a ele a minha amizade e a minha solidariedade. Ele tomou uma atitude muito nobre, colocando-se em julgamento, sem nenhuma prerrogativa de mandato, sem o foro privilegiado. Então, ele merece todo o nosso apoio, o nosso aplauso e a nossa solidariedade. Eu gostaria que V. Exª transmitisse isso ao Senador Ronaldo Cunha Lima.

O SR. CÍCERO LUCENA (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Júnior. Com certeza, a convivência dele com o Senador Antonio Carlos Magalhães, quando eram 1º Secretário e Presidente desta Casa, respectivamente, foi muito enriquecedora no fortalecimento da amizade entre ambos.

Para encerrar, Sr. Presidente, concluo a leitura da carta do Deputado Ronaldo Cunha Lima: “Com os meus mais sinceros agradecimentos e, em sinal de coerência, Ronaldo Cunha Lima, agora apenas um brasileiro com muita esperança e um paraibano com muito orgulho”.

Encerro, renovando meu agradecimento a todos os apartes dos Senadores aqui presentes e agradecendo a concessão generosa do tempo pelo nosso Presidente.

Com certeza, Ronaldo Cunha Lima continuará neste Parlamento por meio de seus ensinamentos, das suas práticas, da sua solidariedade e da sua amizade. A exemplo de mim, há muitos outros que aprenderam com ele e que irão procurar praticar a amizade e a solidariedade em favor do bem comum.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2007 - Página 38639