Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário sobre matéria publicada no O Globo, intitulada "Sem fôlego para crescer", que revela a falta de mão-de-obra qualificada no Brasil. Críticas ao ensino público brasileiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Comentário sobre matéria publicada no O Globo, intitulada "Sem fôlego para crescer", que revela a falta de mão-de-obra qualificada no Brasil. Críticas ao ensino público brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2007 - Página 38661
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APRESENTAÇÃO, DADOS, QUANTIDADE, DESEMPREGADO, BRASIL, FALTA, QUALIFICAÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, PREJUIZO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • REGISTRO, REUNIÃO, ORADOR, PRESIDENTE, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA (CNI), RECONHECIMENTO, EMPENHO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, AUMENTO, QUANTIDADE, CRIANÇA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, GARANTIA, ACESSO, MERCADO DE TRABALHO.
  • DEFESA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, falamos todos os dias uns para os outros. Eu hoje estou querendo falar não para os Senadores. Os Senadores já me ouvem muito. Estou querendo falar para 750 mil pessoas, 750 mil jovens, que eu li, pelo jornal O Globo, que fizeram parte de 1,5 milhão de pessoas desempregas que foram, Senador Wellington Salgado, às agências de trabalho e saíram de lá sem emprego, apesar de que as vagas existiam.

Havia 1,5 milhão, 720 mil conseguiram o emprego e 750 mil vagas continuaram vagas,porque aqueles que procuraram o trabalho não tinham condições de exercê-lo. Este é um país onde existem vagas e desempregados, e os desempregados não casam com as vagas por falta de qualificação.

Quero falar para esses 750 mil que foram procurar emprego, que sabem que as vagas estão ali e tiveram de sair da agência de empregos cabisbaixos, sabendo que as vagas não seriam para eles - sem direito a reclamar, porque as vagas exigiam qualificação que eles não tinham. Quero falar para eles, seus pais, seus tios e seus irmãos para que saibam que não têm como reclamar daquela agência de empregos, mas têm, sim, direito de reclamar daqueles que, durante os últimos anos, não lhes deram a formação necessária e não criaram os programas educacionais que permitissem que, quando chegassem a uma agência de empregos, havendo vaga, soubessem que receberiam o emprego. Quero falar também para aqueles cujos filhos ainda são pequenos e, daqui a 10 ou 15 anos, vão entrar na fila em busca de um emprego numa agência, apresentar-se, saber que as vagas estão nos computadores do outro lado da mesa e sair cabisbaixos, sabendo que as vagas não casam com eles.

É para esses que eu quero falar, para que não esperem que só no Senado e no Palácio do Planalto as medidas sejam tomadas para mudar essa realidade. Se este País não se mobilizar, se cada pai e mãe não lutarem, nós não vamos ter a mudança de que a gente precisa, Senador Wellington, para que daqui a dez anos haja um casamento entre desempregados e vagas.

É para eles que eu falo, para que não se acomodem. Não aceitem, como aceitam a má qualidade da educação, como se isso fosse uma condenação da população pobre brasileira. Briguem para que não aconteça isso com os filhos de vocês ao longo dos próximos anos, como está acontecendo neste momento. Eu não quero falar para os Senadores hoje. Quero falar para esses que hoje procuram emprego, sabem que existem vagas e sabem que as vagas não serão dadas a eles.

E nem serão dadas a ninguém, porque no Brasil, hoje - e essa matéria do jornal O Globo mostra -, não há pessoal qualificado para preencher a demanda que nós temos. O título da matéria é: Sem fôlego para crescer.

Nós nos acostumamos a ver que o Brasil não cresce por falta de porto, de estrada, de energia, o chamado “apagão de infra-estrutura” que o Brasil vive. Mas esquecemos um apagão maior do que esse, e mais difícil de resolver, porque leva anos para formar uma pessoa: é o apagão de qualificação profissional.

Essa matéria do jornal O Globo mostra empresas que estão se preparando para ir embora porque aqui não vão ter mão-de-obra preparada. Mostra empresários que começam a desativar seus investimentos por falta daqueles que querem, que precisam trabalhar e que não estão preparados.

Quando a gente lê isto aqui, a gente vê a declaração do grande economista José Márcio Camargo, que diz: O País não tem fôlego para crescer 5% ao ano por vários anos seguidos. O Brasil bate de frente com a restrição de mão-de-obra. Ou seja, ele diz, freamos o crescimento por falta de mão-de-obra qualificada. A gente vê um empresário como Roger Agnelli, da Vale do Rio Doce, admitir que os investimentos não serão maiores por falta de mão-de-obra qualificada. Só a Vale precisa contratar sete mil pessoas qualificadas e não consegue. A gente vê todos aqui deixando claro, os especialistas, que nós esbarramos no muro da falta de qualificação profissional.

Quero falar, portanto, não aos Senadores, mas aos pais que fecham os olhos à má qualidade da educação de seus filhos, que fecham os olhos à falta de freqüência de seus filhos à educação ou à freqüência em escolas que só têm de escola o nome, porque nada ensinam.

Agora, quero falar também aos empresários. Hoje tive a oportunidade de falar com o Presidente da Confederação Nacional da Indústria, o Deputado Armando Monteiro Neto, e vi o esforço que a CNI agora começar a fazer para dar um salto na educação, no Brasil. Eles estão com um programa para colocar 16 milhões de jovens e crianças na escola, nos próximos quatro anos, fazendo, Senador Augusto Botelho, o trabalho que o Estado devia fazer. E parabéns a eles que fazem. Mas não esqueçam: dezesseis milhões, em quatro anos, são quatro milhões por ano. Temos 40 milhões de crianças na escola. Nós não vamos resolver o problema apenas com o esforço da boa vontade de um ou outro empresário.

Aqui mesmo na matéria de O Globo está dito que o empresário que não encontra mão-de-obra qualificada traz a criança e o jovem para dentro da fábrica e gasta recursos para treinar os jovens.

Estamos, aqui, brigando com esse negócio de CPMF. A gente esquece que hoje há um outro imposto embutido nas empresas brasileiras. É o imposto que as empresas pagam para formar o pessoal que o Estado brasileiro não consegue formar. Isso é uma forma de imposto. E quem é que paga isso? É a empresa? Não. A empresa transfere isso por meio de seus custos na formação de preço do produto que vai vender às famílias.

Vejam que perversidade: as famílias daqueles 750 mil jovens que procuraram emprego e não conseguiram, quando forem comprar um produto, vão pagar a mais porque a empresa teve que formar aqueles que contratou no lugar dos filhos dessas famílias. É uma maldade, uma perversidade que vem da incompetência, da falta de lógica com que nós administramos os negócios públicos.

Vim aqui falar para aquelas famílias dos 750 mil jovens que ficaram sem emprego, sabendo que há vagas sobrando. Mas não só para eles. Vim também falar para as outras famílias, daqueles que ainda não estão procurando emprego. Essas famílias devem ser alertadas. Seus filhos não vão ter emprego porque a escola de hoje não vai prepará-los para o futuro.

Vim falar também para aqueles que têm os filhos bem educados, aqueles que têm condições de pagar bem a escola privada do filho: Vocês não vão ter o Brasil que querem para os seus filhos, porque educar só uma minoria da população não resolve, não completa as necessidades da Nação. E aí vem, talvez, a maior dificuldade da luta de cada um de nós. É a dificuldade, que reconheço, de que esse discurso, que eu disse que não faço para os Senadores, mas sim para o povo que está assistindo pela televisão, é capaz de chegar lá e ser tão pouco escutado como nós aqui escutamos uns aos outros. Porque, neste País, a parcela rica acha que, educando seus filhos, está tudo bem e resolvido, e a parcela pobre se acostumou, no Brasil, a achar que educação é um privilégio apenas dos ricos, que educação é algo que eles não vão ter, é algo dos nobres.

Enquanto o Brasil tiver essa mentalidade, os ricos achando que educação é apenas para os seus filhos e os pobres achando que educação não é para os seus filhos, vamos viver essa tragédia: um país com vagas sobrando, com a economia carente de mão-de-obra e uma população desempregada carente de emprego.

Está na hora de fazer o casamento - o casamento! - entre os que querem emprego e os que querem empregar.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Fazer o casamento - o casamento! - entre as vagas e os que buscam emprego. E quem faz esse casamento não é a igreja, é a escola. É a escola a instituição que é capaz de casar os que buscam emprego com os que buscam empregados; os que oferecem vagas com aqueles que procuram vagas.

Ou a gente faz esse casamento por meio de uma revolução na escola brasileira, ou vamos continuar a ter matérias trágicas como esta: Sem fôlego para crescer. Por falta de mão-de-obra.

Tanta gente querendo emprego, mas não pode ser considerada mão-de-obra porque a diferença entre uma pessoa e uma mão-de-obra é a qualificação que essa pessoa tem.

Sr. Presidente, agradeço o tempo certo que me deu mas esse era o recado, não aos Senadores mas à população, àqueles que procuram emprego e não conseguem, apesar de haver vaga disponível. E não conseguem, porque, no momento certo, os filhos não estudaram, não se prepararam pela omissão do poder público e também por uma certa conivência das famílias, que fecham os olhos por não perceberem a importância da educação de seus filhos.

Muito obrigado Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2007 - Página 38661