Discurso durante a 193ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2007 - Página 36907
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, ESTUDANTE, SEM-TERRA, REPRESENTANTE, ENTIDADE, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, REVOLUÇÃO, SOCIALISMO, AMERICA LATINA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, RESGATE, PENSAMENTO, ANALISE, HISTORIADOR, ATUALIDADE, INFLUENCIA, LUTA, POVO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, NICARAGUA, MEXICO, REGISTRO, BIOGRAFIA, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, EXPERIENCIA, COMUNISMO, ESPECIFICAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, CUBA, COMBATE, DITADURA, IMPERIALISMO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • SAUDAÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, LIDER, REVOLUÇÃO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, LIDER, SEM-TERRA, VITIMA, HOMICIDIO, LUTA, COMBATE, LATIFUNDIO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO.

     O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana; Sr. Pedro Juan Nuñez Mosquera, Embaixador da República de Cuba; Sr. Tirso Saenz, Presidente da Associação dos Cubanos Residentes no Brasil; Senador Inácio Arruda, do Partido Comunista do Brasil; Deputada Federal Lídice da Mata, que também contribuiu para a realização desta sessão conjunta de homenagem, com a Deputada Manuela D´Àvila, Srªs Deputadas e Deputados aqui presentes.

     Saúdo a presença dos estudantes de Brasília, da representação de companheiros da Marcha a Brasília que vieram do Estado do Pará; e os representantes de entidades do Movimento dos Sem-Terra e de outras entidades dos movimentos sociais e populares presentes nesta sessão especial.

     Quero cumprimentar também os Srs. Senadores e Senadoras que honram, com suas presenças, esta sessão especial: Senador Cristovam Buarque, Senador Geraldo Mesquita Júnior, Senador Pedro Simon, Senadora Fátima Cleide, Senador Sibá Machado. A todos nossos agradecimentos pela presença neste momento tão importante da homenagem a Ernesto Che Guevara.

     Che Guevara foi, com certeza, um dos maiores revolucionários socialistas que o mundo conheceu. Ao realizar esta sessão solene especial no Senado da República, conjuntamente com a Bancada de Deputados Federais, com a Deputada Lídice da Mata, a Deputada Manuela D’Ávila, demais Deputadas e Deputados Federais, o faço buscando preservar e honrar a memória do Comandante Che Guevara justamente em um momento em que setores reacionários da Imprensa brasileira faz ataques virulentos contra a verdadeira história do nosso herói revolucionário.

     Em matéria veiculada na revista Forum deste mês, intitulada “Che, além da imagem”, é feito um resgate de seu pensamento revolucionário quarenta anos após sua morte.

     O artigo destaca que a presença de Che ainda pode ser vista em inúmeras citações, por líderes da Esquerda de todo o mundo, em camisetas e objetos dos mais variados e também na produção cultural principalmente nos países da América Latina.

     Outra contribuição importante de Che à Esquerda é justamente o fato de ter sido um dos primeiros teóricos do marxismo a deslocar o foco do setor urbano e dar importância fundamental aos camponeses. Isso explica o fato de ter influenciado a Frente Sandinista na Nicarágua, o Exercito Zapatista no México e o MST no Brasil.

     Cada qual adaptou a sua maneira os ideais guevaristas, mas a sua marca é nítida em todos eles. O artigo da revista destaca a análise da historiadora Mariana Villaça, onde afirma que sua presença no imaginário latino-americano se deve à força e à multiplicidade de representações que o cerca: há muitos “CHES”: mártir, herói, santo, guerrilheiros, irmão etc.

     Isso ocorre após sua morte e através da divulgação, muito impactante, da foto de seu cadáver, de seu rosto com expressão sofrida e olhos entreabertos, que lembra muito a imagem de Cristo.

     Portanto, explica a historiadora, sua figura passa a ser moldada às ansiedades de cada contexto de luta política: para a esquerda cristã, ele é exemplo de homem abnegado, humilde, solidário; para os grupos guerrilheiros, ele é o soldado implacável, eficiente, que conhece as montanhas e sabe usar como ninguém sua metralhadora; e assim por diante.

     Poucas figuras foram tão romantizadas quanto a do revolucionário Ernesto Che Guevara. Sua trajetória na Revolução Cubana e em outras lutas guerrilheiras na África e na Bolívia, e sua morte fizeram dele um personagem emblemático da contestação, sinônimo da luta antiimperialista.

     A vida de Che tem muitas aproximações com a vida de Fidel Castro. Ambos nasceram em família de classe média na década de 1920, estudaram na universidade e envolveram-se no movimento contra os Estados Unidos na juventude até encontrarem-se no México e se unirem para fazer a revolução. Primeiro em Cuba e, depois, em outros países, como queria o Che.

     Formado em medicina em 1953, entrou em contato com a miséria dos países da América Latina dois anos antes, quando empreendeu uma viagem de motocicleta pela América do Sul com seu amigo Alberto Granado.

     Em 1955, encontrava-se na Guatemala quando o Presidente Jacobo Arbens-Guzman anunciou uma reforma agrária no país e viu seu regime derrubado pela intervenção do governo dos Estados Unidos, através da CIA e de militares da extrema direita. O Presidente foi assassinado pelos conspiradores, que implantaram uma ditadura cruel naquele país centro-americano. Che não poderia mais permanecer na Guatemala.

     Foi para o México e entrou de corpo e alma na preparação da guerrilha cubana, juntamente com Fidel Castro e seu irmão Raúl Castro, Camilo Cienfuegos, e dezenas de outros revolucionários. Nessa época, Fidel falou a Ignácio Ramonet sobre Che: “Ele tinha a simpatia de todos. Era dessas pessoas por quem todos sentem afeto imediatamente, por sua naturalidade, sua simplicidade, por seu companheirismo, por sua originalidade e por todas as suas virtudes”.

     Concedo com satisfação um aparte ao Senador Cristovam Buarque.

     O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Nery, o meu gosto seria fazer um discurso em homenagem ao Che Guevara; entretanto, às 11 horas, tenho que presidir a reunião da Comissão de Educação. Mas não poderia deixar de pedir este aparte, talvez fazendo a indelicadeza de interromper o seu discurso - e agradeço a sua generosidade - para dizer o que eu falaria se tivesse mais tempo: as cinco lições do Che para nós políticos de hoje. E rapidamente eu diria que a primeira lição dele é ter uma causa, o que está faltando hoje, mesmo na Esquerda na hora de fazer política; segundo, a capacidade de doar-se a esta causa, inteiramente, como um missionário, não apenas como quem busca cargos; terceiro, é o destemor da doação dele, a coragem, arriscando tanto a vida que, no final, ele terminou sacrificando-a; quarto, é o gosto pela luta, ele não fez isso sacrificando, ele fez isso com um amor tão forte que ele sentia prazer nisso; e, quinto, o sentimento poético de quem está esculpindo a sociedade nova de que o mundo precisa, o sentimento poético de quem está esculpindo uma sociedade com o povo emancipado, livre de todas as formas de exploração. Essas são as cinco lições, Sr. Presidente, que o Che nos deixa, porque são cinco coisas que estão faltando hoje na política não apenas no Brasil. Oxalá Deus queira que a gente aprenda, ao lembrar do Che, graças a sua iniciativa, tudo isso que está faltando no dia-a-dia de nossa vida de políticos que querem ter uma utopia, mas terminamos ficando presos na burocracia política do dia-a-dia. Parabéns ao senhor por essa iniciativa. E que tomemos as lições que o Che nos deixou com sua vida e sua morte, quarenta anos atrás.

     O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Obrigado, Senador Cristovam Buarque. Seu aparte enriquece o nosso pronunciamento com a certeza de que o legado, a memória, a história, a trajetória de Ernesto Che Guevara continua e deve ser uma referência fundamental para todos nós que acreditamos num futuro de paz, de justiça, de transformação social com a causa que defendeu. Com certeza é a causa de muitos que, neste País, na América Latina e no mundo, ainda acreditam na utopia socialista, apesar dos ataques, apesar dos que pensam, dos que declaram o fim da história onde não haveria mais razão para lutar, para construir um futuro diferente. Sem dúvida, temos mil razões para continuar lutando e construindo a revolução socialista, o mundo das mudanças em nossos países tal é o grau de violência com que as elites tratam os nossos povos, tal é a desigualdade reinante em que parcelas majoritárias dos nossos povos não têm os direitos básicos da cidadania garantidos.

     Por isso, celebrar a memória de Che Guevara, 40 anos após o seu assassinato e realizar no Senado Federal esta sessão especial, com a presença dos Srs. Senadores e Senadoras é muito importante para a reafirmação da luta e dos nossos sonhos. Saúdo ainda a presença dos Senadores Jarbas Vasconcelos, Efraim Morais, da Senadora Rosalba Ciarlini, além dos Srs. Deputados e Deputadas.

     Continuando, Sr. Presidente, Che, passageiro destacado do pequeno navio “Granma”, que levou seus revolucionários cubanos do México a Cuba, passou de médico das tropas rebeldes a Comandante guerrilheiro, sendo o primeiro a chegar em Havana em 02 de janeiro de 1959, após o triunfo da Revolução.

     Che foi proclamado Cidadão Cubano. Foi designado para o Banco Nacional de Cuba e, em seguida, para o Ministério da Indústria. Ali desenvolveu uma política econômica voltada para a diversificação da agricultura e a industrialização a fim de reduzir a dependência externa. Permaneceu no cargo até 1965, quando deixou Cuba para continuar a luta revolucionária e internacionalista em outros países.

     O Comandante Che passou pelo Brasil em 1961, onde foi condecorado pelo então Presidente Jânio Quadros. Talvez tenha sido o gesto mais acertado daquele Governo à época, pois, logo a seguir, o Presidente brasileiro renunciaria a seu mandato, abrindo grave crise política no País.

     Ao deixar Cuba, Che escreveu uma carta a Fidel Castro, onde afirmava, entre outros pensamentos, que “cumpri a parte do meu dever que me atava à Revolução Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, do teu povo, que já é meu. Faço formal renúncia de meus cargos na direção do Partido, do meu posto de Ministro, do meu grau de Comandante, da minha condição de cubano (...) Outras terras do mundo reclamam o concurso dos meus modestos esforços (...) Até a vitória sempre. Pátria ou Morte!”.

     De Cuba foi para a África, no Congo, onde teve uma difícil experiência nos campos de batalha e em sua relação com os rebeldes daquele país. Resolve retornar a Cuba em segredo, e, dali, parte para as selvas da Bolívia, em 1966, levando alguns guerrilheiros cubanos, para se juntar aos comunistas bolivianos para empreender uma guerrilha que fosse similar à que foi implantada em Cuba.

     O movimento guerrilheiro foi descoberto nas selvas da Bolívia. As forças armadas bolivianas, treinadas por militares norte-americanos, alguns com larga experiência na guerra do Vietnam, aplicam a tática do cerco e aniquilamento dos agrupamentos rebeldes, e, por fim, prendem Che Guevara. No dia seguinte à sua prisão, de forma covarde, soldados do exército boliviano, com a ajuda dos assessores militares americanos, o executam a sangue frio, através de fuzilamento. Foi em 8 de outubro de 1967. Morre o revolucionário. Amplia-se a figura mítica.

     Por isso estamos aqui reunidos no Plenário do Senado da República, com a participação expressiva dos Srs. Deputados e Deputadas Federais, dos Srs. Senadores e Senadoras, reverenciando a memória, a vida, a obra e o legado de Ernesto Che Guevara.

Houve um momento em nossa história recente que era impossível realizar uma homenagem como esta, Sr. Presidente, Senador Tião Viana. Os setores retrógrados e fascistas que mandavam e desmandavam na política nacional, muitos ainda presentes no cenário político nacional, impediam a ferro e fogo que cultuássemos nossos heróis e lutadores das causas populares.

     No Brasil, felizmente, com muita luta, com muito sacrifício e com a doação de muitas vidas, pudemos, juntos, conquistar espaços democráticos e de participação popular. E, se ainda não é o desejável, tem sido o possível.

Portanto, cabe a todos nós celebrar as conquistas das lutas do nosso povo, no enfrentamento à ditadura, nos processos de redemocratização do País, embora muito haja a ser conquistado, mas é bem verdade que, em outros momentos da nossa história, a simples tentativa de fazer uma homenagem - nem era preciso realizá-la - desta importância e magnitude já seria suficiente para enfrentarmos a truculência, a violência dos algozes do povo, daqueles que teimaram e teimam, em muitos momentos, massacrar, sepultar os sonhos e a luta do nosso povo.

     O Brasil, Sr. Presidente, também tem seus heróis revolucionários. Um dia, poderemos livremente ensinar em nossas escolas que Carlos Mariguela, Apolônio Carvalho, Honestino Guimarães, Vladimir Herzog, Manuel Fiel Filho, Carlos Lamarca, Luiz Carlos Prestes, Chico Mendes e milhares e milhares de outros revolucionários e revolucionárias lutaram por uma pátria socialista, livre e soberana.

     Quero prestar a minha homenagem póstuma ao dirigente da Via Campesina e do MST, companheiro Valmir Mota de Oliveira, o Keno, conhecido e dedicado militante na luta pela reforma agrária em nosso País. Keno foi assassinado por pistoleiros, a mando de latifundiários, anteontem, em Santa Tereza do Oeste, no Paraná. Keno era muito querido e admirado aqui no Distrito Federal, onde, juntamente com os trabalhadores rurais sem terra da região, liderou o movimento pela reforma agrária e ajudou na organização de vários assentamentos.

     Todos eles tinham o mesmo objetivo e o mesmo ideário de Ernesto Guevara: lutar por um mundo melhor, por uma sociedade verdadeiramente democrática e socialista e pela unidade de todos os povos em uma sociedade onde estejam presentes a justiça social e a garantia da liberdade, da justiça, da paz, algo que muitos de nós, ou todos nós que estamos aqui, milhões por este País, pela América Latina e no mundo dedicam a suas vidas.

     Agradeço, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, a oportunidade e a decisão sábia do Senado Federal de realizar esta sessão de homenagem, porque, com certeza, estaremos reavivando e reafirmando os princípios, a luta, a utopia, os sonhos de Che, que continuam iluminando, orientando os passos de muitos militantes e lutadores sociais, em todas as partes do Planeta, que não se conformam que o mundo, que produz tantas riquezas, faça com que permaneçam ainda milhões de pessoas segregadas, vítimas da miséria e da exploração.

     Portanto, as razões que fizeram de Che um revolucionário exemplar convocam a todos nós a continuarmos firmes no propósito e no compromisso de libertar os nossos povos da humilhação, da violência e da exploração.

     Viva Che, o amigo-irmão! Viva Che!

     Viva o Socialismo!

     Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2007 - Página 36907