Fala da Presidência durante a 193ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Ernesto Che Guevara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2007 - Página 36906
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ERNESTO CHE GUEVARA, VULTO HISTORICO, SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, REGISTRO, HISTORIA, REVOLUÇÃO, LUTA, LIBERDADE, POVO, AMERICA LATINA, LEITURA, TRECHO, TEXTO.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

A presente Sessão Especial destina-se a reverenciar a memória de Ernesto Che Guevara, de acordo com os Requerimentos nºs 885 e 1.137, de 2007, de autoria do Senador José Nery e outros Srs. Senadores.

De acordo com decisão desta Presidência, usarão da palavra os Srs. Líderes e quem S. Exªs indicarem. A Presidência, ainda, concederá a palavra alternada entre um Senador e um Deputado Federal, tendo em vista a maior representatividade às duas Casas, em homenagem que será feita nesta sessão a Ernesto Che Guevara.

Convido para compor a Mesa o Exmo. Sr. Pedro Juan Núñes Mosquera, Embaixador de Cuba, e demais representantes do corpo diplomático, Sr. Tisso Saenzi, Presidente da Associação dos Cubanos residentes no Brasil; Exmo. Sr. Senador José Nery, autor do requerimento desta sessão; Deputada Lídice da Mata, representando a Câmara dos Deputados; e Deputada Manuela d’Ávila, do Partido Comunista do Brasil.

Neste momento vamos ouvir a música Hasta Siempre.

(Procede-se à execução de música.)

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Srªs e Srs. Senadores, Exmº Sr. Embaixador de Cuba Pedro Juan Núñes Mosquera, Deputada Manuela D'Ávila, Deputada Lídice da Mata, Srªs e Srs. Deputados Federais, Sr. Tirso Sáenz, Presidente da Associação Nacional dos Cubanos Residentes no Brasil, Senador José Nery, Senador Inácio Arruda, Ernesto Guevara de la Serna, o Che Guevara, que deixou Rosário, em Santa Fé, para conquistar a Argentina e, logo, a América Latina e o mundo, tinha inscrita em sua personalidade a sincera preocupação com o próximo.

Essa preocupação com o outro constituiu o móvel primeiro das tomadas de posição que transformaram Che Guevara em uma das mais notáveis expressões políticas atuais.

A transformação do homem em mito exige mais do que a mera passagem do tempo. O mito compõe-se de ações que redefinem a realidade e ultrapassam o senso comum.

O destemor é apenas um desses predicados, além de sensibilidade social, visão de mundo, ousadia, sonhos e realizações que fecundam e estimulam o espírito de mudança.

É assim, Srªs e Srs. Senadores, que surge, em toda a sua complexidade, o verdadeiro líder revolucionário, destinado a permanecer como um ideal nos nossos corações e nas nossas mentes.

Che Guevara, na sua moto, “La Poderosa” e na companhia de Alberto Granado, percorreu o continente sul-americano. O estudante de Medicina, nascido e criado em uma família de classe média, descobriu a realidade e o sofrimento do quotidiano de homens e mulheres que eram as verdadeiras populações da América Latina.

Correndo as planuras do Pampa, o litoral do Pacífico, a árida beleza de Atacama, os abismos deslumbrantes dos Andes e os profundos mistérios da Amazônia, Guevara realizou o seu rito de passagem para a realidade.

Assim, ao menino asmático, convencional e romântico, desvelaram-se todas as iniqüidades, incoerências e dores que a realidade impunha, e ainda impõe, a milhões de latino-americanos.

A partir daí se foram configurando os fundamentos e os ideais que haveriam de pautar sua existência - breve, mas vital.

Por outro lado, com aguda sensibilidade, ele também conseguiu vislumbrar os desafios e as inesgotáveis possibilidades de mudança que o mundo insinua em seus imponderáveis caminhos.

Anos mais tarde, ao compartilhar com Fidel Castro as intensas lutas de Sierra Maestra, Che Guevara deu mostras de um desprendimento único.

Che renunciou à cidadania cubana e ao Ministério que ali detinha. Seu objetivo não era a mera conquista do poder, mas a revolução com base nos ideais de igualdade e justiça.

O que viu na sua peregrinação pela América do Sul operou uma radical transfiguração de um jovem médico promissor em um revolucionário comprometido com a libertação dos povos.

Uma aventura-descoberta, admiravelmente plasmada pela lente superior do cineasta brasileiro Walter Salles, em Diários de Motocicleta.

Como poucos, Che Guevara percebeu que a vocação da América Latina, esta extraordinária porção do continente americano, não é a subalternidade e a periferia.

Che atuou numa América Latina convulsionada: de um lado, a bendita utopia da construção de uma sociedade justa e fraterna, capaz de superar seculares estruturas geradoras e reprodutoras da desigualdade; de outro, as forças da reação, insensíveis aos novos ares que o mundo passava a respirar depois da II Guerra.

Guevara simbolizava, em nosso Continente, a tensão dos anos 1950 e 1960, tempo de confronto entre a realidade iníqua e o sonho da redenção.

Assim, os sonhos e os ideais de Che, chegam aos nossos dias. Isso vai além dos pôsteres, das camisetas e dos adereços que estampam a imagem captada pelas lentes do fotógrafo Alberto Korda.

Che vive, inconformismo e na vontade de mudança por um mundo melhor e mais justo, nas mais diversas sociedades e distintas atitudes.

O legado desse líder, a sua mensagem de vida, é a possibilidade, sempre presente, de mudarmos o mundo, de transformá-lo para abrigar o humano em toda s sua humanidade.

A sua ação humanitária e médica foi ímpar, sobretudo na luta em favor das pessoas atingidas pela hanseníase. Aliás, está registrado em suas biografias que, precocemente, durante o curso de Medicina, ele se interessou pela chamada leprologia. No entanto, depois de formado, especializou-se em alergologia e seu doutorado e a maior parte de seus estudos e publicações são nesse campo, principalmente sobre a asma.

Não se pode perder de vista a face espiritual de Che Guevara. Embora não se declarasse um religioso, Che exteriorizou a espiritualidade na sua dimensão superior.

O Irmão Marcelo Barros, pernambucano, que é monge beneditino e teólogo, resgatou, em recente artigo, esse lado espiritual de Che Guevara. Ele nos trouxe um poema que é, na verdade, uma oração. Gostaria de levar a todos esse pequeno trecho, redigido em 1967, na Bolívia. Diz o seguinte:

Cristo, te amo. Não porque desceste de uma estrela, mas porque me revelaste que o homem tem lágrimas e angústias e chaves para abrir as portas fechadas da luz.

Sim, tu me ensinaste que o homem é Deus, um pobre Deus crucificado como tu. E aquele que está à tua esquerda no Gólgota, o mau ladrão, também é um deus.

Ao finalizar, quero cumprimentar o Senador José Nery, autor do requerimento para esta justa homenagem.

Parabenizo também os demais Senadores que subscreveram o documento: Senador Paulo Paim, Senador Eduardo Suplicy, Senador Flávio Arns, Senadora Patrícia Saboya, Senador Cristovam Buarque, Senador Inácio Arruda, Senador Renato Casagrande, Senadora Serys Slhessarenko, Senador Jefferson Péres, e Senador Almeida Lima.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2007 - Página 36906