Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra assassinato de sem-terra no Paraná. Apelo à governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, pela investigação do assassinato do sindicalista Manoel "Borracheiro", em 23 de setembro no município de Dom Elizeu.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Protesto contra assassinato de sem-terra no Paraná. Apelo à governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, pela investigação do assassinato do sindicalista Manoel "Borracheiro", em 23 de setembro no município de Dom Elizeu.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2007 - Página 37352
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • PROTESTO, DENUNCIA, HOMICIDIO, PARTICIPANTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, VITIMA, VIOLENCIA, MILICIA, VINCULAÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, ORGANIZAÇÃO RURAL, TENTATIVA, DESOCUPAÇÃO, CAMPO, EXPERIMENTAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, INTERIOR, ESTADO DO PARANA (PR).
  • REGISTRO, HOMICIDIO, LIDER, SINDICALISTA, EX PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO MUNICIPAL, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO PARA (PA), VITIMA, PLANO, FAZENDEIRO, SINDICATO.
  • SOLICITAÇÃO, ANA JULIA CAREPA, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), SECRETARIO, SECRETARIA DE SEGURANÇA PUBLICA, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, PRISÃO, QUADRILHA, GARANTIA, SEGURANÇA, MORADOR, REGIÃO, COMBATE, IMPUNIDADE.
  • COMENTARIO, DECISÃO JUDICIAL, TRIBUNAL DO JURI, ESTADO DO PARA (PA), CONDENAÇÃO, REU, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MARCHA, TRABALHADOR, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), REIVINDICAÇÃO, PERMANENCIA, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Gerson Camata, Srªs e Srs. Senadores, no célebre auto de Natal pernambucano - Morte e Vida Severina -, criado pela genialidade de João Cabral de Melo Neto há mais de 50 anos, logo nos primeiros versos o retirante, protagonista do drama, deve se apresentar. Eis que Severino, “da Maria do finado Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba”, esclarece:

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

...

Morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte que se morre

de velhice antes do trinta,

de emboscada antes dos vinte,

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade

e até gente não nascida).

            Valmir Mota de Oliveira tinha 42 anos e há quase vinte havia tomado uma decisão que iria mudar os rumos de sua vida severina: aderiu ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e passou a dedicar sua existência a construir um país com terra e dignidade para todos, pão e poesia para aqueles que há séculos recebem apenas as migalhas que, vez por outra, caem da mesa farta da elite proprietária de “gados e de gentes.” Renegou, portanto, o destino de ser, ele também, mais um “Severino, igual em tudo na vida.”

No início da tarde do último domingo, 21 de outubro, Valmir, conhecido entre seus companheiros por Keno, encontrou a morte com dois tiros no peito, disparados por pistoleiros, a soldo de uma poderosa empresa multinacional suíça, a Syngenta.

O cenário da tragédia: o acampamento da Via Campesina em Santa Teresa do Oeste, interior do Paraná, no campo de experimentos transgênicos da Syngenta, que havia sido ocupado pelos trabalhadores, em mais um capítulo de uma luta que se arrasta há vários anos.

Foi, como sempre, uma morte anunciada, severina e cruel, como tantas, para lembrar que a imoral estrutura de propriedade agrária é e continua sendo a raiz mais profunda que estimula a persistência e a ampliação da espiral de violência que ensangüenta o campo brasileiro.

O ataque aos sem-terra foi executado por cerca de 40 integrantes de uma das muitas milícias privadas que existem no Estado do Paraná, financiadas pelas organizações ruralistas e tantas vezes denunciadas como envolvidas em despejos ilegais e assassinatos de líderes de sem-terra na região.

Sob o rótulo de “seguranças privados” se escondem pistoleiros de aluguel da mesma estirpe daqueles que, por exemplo, chacinaram, em fevereiro de 2005, num ponto perdido da Floresta Amazônica, no meu Estado do Pará, a missionária Dorothy Stang.

Seguranças, milicianos, numa palavra, matadores de aluguel a espalhar o terror, como peças de um enredo trágico que parece não ter fim.

Ontem, o Senador Eduardo Suplicy, aqui, desta tribuna, denunciou a morte de Valmir, popularmente conhecido como Keno, que iniciou sua militância aqui, no Distrito Federal, em Goiás, organizando as lutas dos trabalhadores sem-terra. E, ontem, o Senador Eduardo Suplicy leu, desta tribuna, uma nota de repúdio e de cobrança de providências junto ao Governo do Paraná, denunciando justamente esse clima de insegurança, de violência que persiste no campo brasileiro.

Mas, Sr. Presidente, ao mesmo tempo em que registro, denuncio e exijo providências em relação ao assassinato, peço a V. Exª que me conceda mais uns três minutos para concluir o meu pronunciamento e dizer que ontem, também no Estado do Pará, tantas vezes banhado pelo sangue de lideranças dos trabalhadores rurais, os pistoleiros de aluguel, a mando de fazendeiros ao largo da BR-222, que envolve os Municípios de Dom Eliseu, Rondon do Pará, Abel Figueiredo e Bom Jesus do Tocantins, ceifaram a vida de um trabalhador rural, uma liderança, presidente de associação de trabalhadores rurais, Senador Gilvam Borges, naquela região. O líder sindical Manoel “Borracheiro” foi barbaramente assassinado, como parte de um plano macabro. Segundo tomou-se conhecimento, há poucos dias, uma reunião de fazendeiros daquela área elaborou um plano para fazer a execução de três sindicalistas que deveriam ser mortos nos próximos dias, segundo relato textual de uma pessoa que teve conhecimento daquela reunião, feita com o objetivo de planejar o assassinato de lideranças sindicais rurais. Da lista constam o Sr. José Soares de Brito, o “Brito”, o Sr. José da Pampa e o terceiro era justamente o Sr. Manoel “Borracheiro”, ontem barbaramente assassinado no Município de Dom Eliseu, no Pará.

No momento em que ocorre o velório naquela cidade, há pouco tive conhecimento de que não há segurança diante do clima de tensão lá na área, porque um dos sobreviventes da chacina - como tivemos notícia - é procurado por um grupo de pistoleiros para ser igualmente assassinado.

Esse clima de insegurança e de violência não pode continuar. Dirigimo-nos, então, à Governadora Ana Júlia e à Secretária de Segurança, Drª Vera Tavares, no sentido de ultimar todas as providências para a investigação desse assassinato, a prisão desses pistoleiros a mando do latifúndio, o devido inquérito policial. E, pela Justiça, esperamos a condenação por esses crimes cometidos contra o povo, que luta para ter direito a um pedaço de terra, para ter direito ao chão, à cidadania.

Quero, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao lado dessas denúncias, exigir providências urgentes para que esses crimes não continuem se reproduzindo como algo sem fim, que inquieta a todos, sobretudo os moradores das ocupações naquela área da BR-222, no Estado do Pará.

Sr. Presidente, na última segunda-feira, em Belém do Pará, acompanhei o julgamento daqueles que estiveram envolvidos, entre os quais o Sr. Rayfran das Neves, no assassinato da Irmã Dorothy. Era o segundo julgamento.

O Tribunal do Júri confirmou a decisão do julgamento anterior e condenou Rayfran das Neves a 27 anos de reclusão pelo crime que tirou a vida da Irmã Dorothy. O julgamento foi presidido pelo Juiz Dr. Moisés Flexa, que teve na acusação o Promotor Edson Cardoso e o Dr. Aton Alves Filho, além de uma equipe de advogados.

Essa decisão da Justiça do Pará, sem dúvida, é um alento para dizer que a impunidade não pode continuar reinando no campo, em nosso Estado, nem qualquer parte deste País.

Por último, Sr. Presidente, queria dizer da minha satisfação por ter participado, no dia de hoje, ao final da manhã, da Marcha Brasília, feita por quase 30 mil trabalhadores do Brasil inteiro, que vieram trazer as suas reivindicações contrárias a qualquer reforma que venha a retirar direitos dos trabalhadores, reafirmando o princípio da organização e da luta para manter e ampliar os direitos sociais dos trabalhadores brasileiros.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador José Nery?

O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. DEM - PB) - Está encerrado o tempo de V. Exª.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Sr. Presidente, V. Exª poderia ser condescendente?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2007 - Página 37352