Discurso durante a 207ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do líder indígena Jorge Terena, no último final de semana. Manifestação sobre o debate acerca dos protestos do MST na região sul do Pará, paralisando os vagões da Companhia Vale do Rio Doce.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA. POLITICA MINERAL.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do líder indígena Jorge Terena, no último final de semana. Manifestação sobre o debate acerca dos protestos do MST na região sul do Pará, paralisando os vagões da Companhia Vale do Rio Doce.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2007 - Página 40025
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA. POLITICA MINERAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LIDER, GRUPO INDIGENA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ELOGIO, EMPENHO, DEFESA, DIREITOS, INDIO, PESAMES, FAMILIA.
  • COMENTARIO, VAGÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, PARALISAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), FORMA, PROTESTO, EXCESSO, LUCRO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), EXPLORAÇÃO, MINERIO, OPORTUNIDADE, ANALISE, HISTORIA, OCUPAÇÃO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA, VIOLENCIA, GENOCIDIO, VITIMA, POPULAÇÃO, DIVERSIDADE, GRUPO ETNICO, DEFESA, ORADOR, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, COMPROMISSO, EMPRESA PRIVADA.
  • DEBATE, HISTORIA, REGISTRO, DADOS, LUCRO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), CONTRADIÇÃO, AQUISIÇÃO, BRASIL, AÇO, COMPARAÇÃO, INVESTIMENTO, NATUREZA SOCIAL, MEIO AMBIENTE, EMPRESA, EXTRAÇÃO, MINERIO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EXAME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, RESULTADO, EMPRESA, BRASIL, QUESTIONAMENTO, ORADOR, INFERIORIDADE, PAGAMENTO, TRIBUTOS, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, COMPARAÇÃO, DADOS, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • LEITURA, REIVINDICAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, AMPLIAÇÃO, REFORMA AGRARIA, REESTRUTURAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, CONCESSÃO, CREDITOS, CONSTRUÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CAMPUS UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), SUBSIDIOS, RADIO, TREINAMENTO, CAPACIDADE PROFISSIONAL, JUVENTUDE, ELOGIO, GOVERNADOR, AUSENCIA, REPRESSÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho nesta tarde, no Senado da República, tratar de um assunto que mereceu o pronunciamento de alguns Senadores nas sessões de quarta e quinta-feira da semana que passou.

Antes, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar com muito pesar o falecimento de uma das grandes lideranças do Movimento Indígenas do nosso País, que é do nosso saudoso Jorge Terena.

Jorge Terena, desde os meados dos anos 70, vem militando e defendendo com muito ardor, com muita convicção, as causas dos povos indígenas. E ele faleceu na noite de sexta para sábado desta semana, lá em Manaus.

Jorge Terena é de Mato Grosso do Sul e viveu os últimos anos em Manaus, porque se casou com uma outra liderança indígena do Amazonas, conhecida como Mara Cambeba, com quem teve um filho de seis anos.

Quero solicitar ao Senado que dê conhecimento desse voto de pesar, da nossa solidariedade, a sua esposa, aos seus filhos, aos seus familiares e a todas as lideranças do Movimento Indígena; solicito ainda que faça chegar até a COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas do Brasil - que tem sede em Manaus, o voto de pesar e a solidariedade, com certeza, de todos os Senadores e Senadoras que conheceram a luta do Jorge Terena como uma das principais lideranças desses últimos 30 anos. Sem dúvida alguma, o Jorge deu uma grande contribuição não só no Brasil, não só nos debates, na Amazônia, como em nível internacional.

É com muito pesar que eu registro esse acontecimento.

O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho. Bloco/PT - RR) - Será V. Exª atendido de acordo com o Regimento.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Com certeza, Sr. Senador, muito obrigado.

Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que, na quarta-feira e na quinta-feira da semana que passou, o Senado travou um debate do qual participei.

Foi denunciado aqui mais um protesto do MST que redundou na paralisação dos vagões da Companhia Vale do Rio Doce, que explora as jazidas de minério de ferro, em Carajás, no Pará. E o debate ficou acalorado; chegou, inclusive, a Liderança do PSDB a pedir obstrução, naquela sessão, por conta desse debate.

Eu quero refletir, mais uma vez, sobre a denúncia. Sobrou para a Governadora Ana Júlia, para o Presidente Lula - mais uma vez -, mas eu gostaria, Sr. Presidente, nesta sessão, de refletir como Senador da República, como um Senador que vive na Amazônia, que milita nos movimentos sociais lá na Amazônia, que é filho do interior do Estado do Amazonas; refletir acerca desse debate, indo mais a fundo nesse episódio dos protestos - ou dos fatos, pois são fatos - do MST nessa região do sul do Pará; refletir, Sr. Presidente, acerca da experiência da ocupação na Amazônia, e não ficar apenas na superficialidade do protesto dos trabalhadores, na paralisação dos vagões.

Quando veio o debate para o plenário do Senado da República, ouviram-se pronunciamentos contundentes no sentido de punir rigorosamente os trabalhadores que realizaram os protestos, exigindo da Governadora o cumprimento imediato, com a presença da Polícia Militar, do mandado judicial. Ouvi pronunciamentos aqui de que democracia é punir, é ter um rigor, mas quero dizer que, na democracia, cabe o protesto. Porém, não quero ficar nessa superficialidade de analisar apenas o protesto. Penso, Sr. Presidente, que o grito dos trabalhadores e das trabalhadoras remete o Senado da República, a sociedade brasileira e quem tem compromisso com uma Amazônia trabalhada de forma solidária a refletir acerca das experiências de ocupação daquela região: como se deu e como se dá a ocupação na Amazônia brasileira, na nossa Amazônia?

Vem de muito tempo uma relação violenta contra os povos da Amazônia. A nossa história registra passagens contra o povo que sempre ocupou a Amazônia - quero destacar as dezenas de etnias que trabalham a Amazônia, que trabalham culturas, que trabalham a agricultura, que trabalham saberes. Então, a ocupação da Amazônia sempre foi, na realidade, uma história marcada pelo genocídio, pela violência contra aquele povo. Essa é a história da Amazônia, lamentavelmente.

Portanto, quando vejo esse protesto dos trabalhadores em uma linha férrea da Companhia Vale do Rio Doce e ouço aqui a cobrança para que a ex-Senadora - que passou por esta Casa fazendo um belo trabalho como representante do Estado do Pará - e Governadora Ana Júlia aja com rigor, digo que poderíamos refletir mais sobre a ocupação da Amazônia e sobre a Vale do Rio Doce, essa empresa que, outrora, foi uma estatal brasileira e que, em 1996, foi privatizada por R$3,337 bilhões. A Vale teve, neste último ano, um lucro líqüido de US$15 bilhões, extraindo o ferro, este mineral que é um bem da União, do subsolo do Estado do Pará. Algumas perguntas não são respondidas: o que fica para o povo da Amazônia desse fabuloso lucro que tem a Vale do Rio Doce? O que fica para as mulheres trabalhadoras da Amazônia? Por que não pensamos essa questão com mais compromisso social, com mais compromisso com a Amazônia e com os povos que vivem naquela região, se é sabido que a empresa está arrancando do nosso subsolo um mineral importante, que sai nos seus 26 vagões, vai para o exterior, e o Brasil tem de comprar aço?

Repito: o Brasil tem de comprar o aço.

Por isso, quando os trabalhadores protestam, não fico, com certeza, isolado, porque há Senadores comprometidos com outra visão, com outro projeto de desenvolvimento, comprometidos com a equidade social, com o equilíbrio ambiental, com o equilíbrio econômico, com a distribuição de renda.

Mas isso não se discute. O que se discute aqui é o porrete nas costas do trabalhador. Isso não pode acontecer! A Vale passa soberana, soberana, arrancando os minérios do solo da Amazônia e deixando um vazio - essa é a realidade - não só no subsolo, mas um vazio - e isso é o mais dolorido - no estômago das mulheres e dos homens da Amazônia.

Então, Sr. Presidente, a Vale é essa empresa. A Companhia Vale do Rio Doce está presente em 14 Estados de nosso País, opera nove mil quilômetros de estrada de ferro e dez portos, além dos 50% do consórcio que venceu o leilão quando ela foi privatizada, em 1996.

Quem é que detém a Vale do Rio Doce? Vou dizer a V. Exª: Vinte e um por cento pertencem ao Bradesco, 18% pertencem a um grupo japonês, 11% ao BNDES e o restante são ações negociadas na Bolsa de Valores.

Então, Sr. Presidente, a Vale do Rio Doce e a Petrobras são as duas principais empresas do nosso País. Mas, comparando as duas, vemos que a Petrobras e controladas pagam R$27 bilhões ao ano em impostos, enquanto que a Vale e controladas pagam R$2 bilhões em impostos ao ano.

Investimentos na área social. A Petrobrás investe, por ano, R$546 milhões; a Vale investe R$286 milhões.

Investimentos na área ambiental. A Petrobrás investe R$1,4 bilhão; a Vale investe R$317 milhões.

Esses números são importantes para mensurar e analisar o compromisso das duas maiores empresas do nosso País. Na realidade, a Vale do Rio Doce é uma empresa privilegiada, que deveria ter mais compromisso com a Amazônia, principalmente com o Estado do Pará, da Governadora Ana Júlia, e com os habitantes do entorno de Carajás, essa imensa região onde é explorada uma jazida de minério de ferro.

Esses números mostram a diferença e a pouca participação da Vale principalmente na Amazônia brasileira, a quase falta de compromisso com os filhos da Floresta Amazônica, com os filhos da Amazônia, com os trabalhadores da Amazônia.

Também chama minha atenção, Sr. Presidente, uma matéria do caderno “Maiores & Melhores” da revista Exame deste ano, que analisa o desempenho das quinhentas maiores empresas brasileiras de 2006. Fiquei surpreso, Sr. Presidente, ao constatar que a Vale não aparece entre as vinte empresas que mais pagaram impostos. 

A segunda maior empresa brasileira não está nem entre as vinte que mais pagaram impostos! A Petrobras é a primeira - já citei o número -, pagando mais de R$27 milhões em impostos, e a Copersul é a vigésima, pagando R$848 milhões. A Vale não aparece nessa lista. Ou seja, enquanto a Petrobras pagou R$ 27 bilhões em impostos, a Vale não chega a pagar R$850 milhões em impostos.

Outro aspecto que me chama a atenção na empresa Vale do Rio Doce é a forma como ela trabalha sem fiscalização, Sr. Presidente. Volto à Petrobras, que é fiscalizada pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados, pelo Tribunal de Contas da União, pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal, pelos organismos estaduais e municipais e, principalmente, pela imprensa. Ou seja, a Petrobras, que explora recursos minerais pertencentes à União, é obrigada a prestar contas permanentemente. Está correto que seja assim, tem que continuar sendo assim. Agora, a Vale, que também explora recursos minerais que pertencem à União, não sofre absolutamente nenhuma fiscalização, Sr. Presidente. Ela não é obrigada a prestar contas aos brasileiros.

Sr. Presidente, precisamos, ao invés de pedir polícia para os trabalhadores do MST que estão protestando contra a Vale, é investigar a Vale do Rio Doce, fazendo com que ela deixe mais para a Amazônia, que invista em programas e projetos sociais.

Vejam os senhores a pauta de reivindicações do MST, vejam o que os trabalhadores querem. Vou ler aqui a pauta de reivindicações:

A entidade pede ao Governo do Estado que construa um amplo programa de reforma agrária, arrecadação de terras públicas griladas por fazendeiros, aparelhamento da Interpa, estruturação e reestruturação dos assentamentos, instalação de agroindústria no campo, política de crédito especial para os assentados em nível estadual, crédito especial para assentamentos de reforma agrária, crédito florestal,; construção de escola de ensino fundamental e médio na zona rural, ampliação do campus da Universidade Estadual do Pará em Marabá, construção de um campus avançado no Município de Paraopebas - é lá o foco -, subsídio para a construção de rádios comunitárias nos assentamos e regiões-pólo e capacitação e treinamento para jovens. Esse é o pleito do MST.

Sr. Presidente, quero finalizar meu pronunciamento, primeiro, prestando minha solidariedade a esta grande mulher que é Governadora do Pará, Ana Júlia, em razão das críticas recebidas, e manifestando, também, neste momento, como filho da Amazônia, o meu reconhecimento no sentido da condução que a Governadora está dando, sem reprimir.

Há uma banca de negociações envolvendo a Vale, o MST, o Governo Federal, o Governo Estadual, há uma agenda da Governadora, para esta semana, com os movimentos sociais e Ministros aqui em Brasília, no sentido de discutirem as proposituras do MST. Quero parabenizar a Governadora por não reprimir os trabalhadores e quero me dirigir aos meus colegas Senadores pedindo para que façamos uma reflexão sobre a Amazônia, uma reflexão sobre os grandes projetos, dando um enfoque especial à Vale do Rio Doce, empresa que obteve, no último ano, um lucro de US$15 bilhões de lucro e que é tratada de forma privilegiada na Amazônia, porque não é fiscalizada e investe pouquíssimo, pelo que ganha, em questões ambientais e sociais.

Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, que também é da Amazônia, que também é Senador de um Estado que compõe a nossa Amazônia brasileira, com certeza V. Exª estará ao lado do povo e dos grandes projetos da Amazônia. Não defendo que a Vale seja depredada. Nada disso. Mas defendo que a Vale tenha mais respeito com os povos da Amazônia, principalmente com as mulheres e com os trabalhadores daquela região.

Não podemos aceitar dessa forma. Precisamos mudar o curso dessa história de grandes empresas arrancarem as riquezas da Amazônia, sem deixar para o povo daquela região aquilo que o povo merece, aquilo de que o povo precisa: saúde pública, moradia decente. O que a Vale faz? O que a Vale deixa? Será que seus dirigentes não têm vergonha de tirar tanta riqueza da Amazônia e deixar o povo ali com fome, sem infra-estrutura, sem escolas dignas? Quantas escolas a Vale do Rio Doce já fez para o povo da Amazônia? Quantas escolas?

Sr. Presidente, é em defesa dos povos da Amazônia e de uma política que possa trabalhar as potencialidades da Amazônia, mas que possa também, em defesa dessa política, levar em consideração a vida, a história, o presente e, acima de tudo, o futuro dos povos da Amazônia.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2007 - Página 40025