Discurso durante a 212ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato sobre viagem empreendida por S.Exa. à Venezuela. Questionamentos sobre o papel do Congresso Nacional.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Relato sobre viagem empreendida por S.Exa. à Venezuela. Questionamentos sobre o papel do Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2007 - Página 41388
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, ORADOR, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, APREENSÃO, EXCESSO, PROPAGANDA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, FAVORECIMENTO, GOVERNO, ANALISE, EVOLUÇÃO, AUTORITARISMO, FALTA, ETICA, CLASSE POLITICA, AUSENCIA, CLASSE SOCIAL, ATENÇÃO, NECESSIDADE, POVO.
  • REGISTRO, MOVIMENTO ESTUDANTIL, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, REJEIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POLITICA, APREENSÃO, ORADOR, SEMELHANÇA, PROCESSO, BRASIL, PERDA, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, POSSIBILIDADE, FAVORECIMENTO, AUTORITARISMO, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, DEFESA, DEMOCRACIA, COMBATE, INCOMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senador Eduardo Suplicy, demais Senadores. Eu gostaria de pedir, Srª Presidente, se for possível, um pouquinho de tolerância. Em geral, fico dentro do limite do meu tempo. Hoje estou inscrito para falar por vinte minutos, mas quero aproveitar o debate com o Senador Eduardo Suplicy, com o Senador Paulo Paim e os demais Senadores, porque acho que o que eu vim falar, de fato, é inadiável, embora não precisasse ser neste minuto.

            Eu vim falar, Senador, de uma viagem que fiz, esta semana, à Venezuela, e da sensação que tive, não de todos nós aqui, que do Brasil olhamos a Venezuela, mas da visão que fiquei da Venezuela para o Brasil. A sensação, Senador, é a de que a Venezuela pode ser hoje o Brasil de amanhã.

            Primeiro, eu quero dizer que tenho sido um dos defensores do Presidente Chávez. Estive lá inclusive quando a Venezuela foi declarada território livre do analfabetismo. Eu confesso que hoje a minha sensação, Senador Mão Santa, é de extrema preocupação, desconforto e até susto, não com a ditadura, mas com a autocracia que está surgindo. Qual é a diferença entre a democracia, a ditadura e a autocracia? Não há presos políticos, os jornais que querem escrevem o que querem, mas é um contra centenas a favor dele. A televisão que quer diz o que quer, mas é uma contra algumas falando o tempo todo positivamente, e o controle sobre os três poderes. Há uma autocracia, sim, e isso me assusta. Agora, o que eu acho importante é que a gente discute sempre aqui quem é e como é Chávez. Eu quero discutir porque, Senador Mozarildo, existe um governo como o da Venezuela. Eu quero dizer, provocando cada um dos senhores, que nós somos fabricantes de regimes autoritários. Nós estamos aqui, Senador Valadares, certamente até sem saber, fabricando, em algum lugar deste País, alguém que vai ocupar o papel que o Presidente Chávez faz hoje na Venezuela. Por quê? Porque o que a gente vê na Venezuela é o resultado de duas coisas: uma elite insensível diante das necessidades do povo e uma classe política desmoralizada. Essas duas coisas fabricam os autoritários. É inevitável que surjam.

            Fala-se muito hoje que o Presidente Chávez quer ficar mais três, quatro, cinco mandatos. Na Venezuela, há cinco séculos são os mesmos. Nos últimos 50 anos de democracia, mudava o nome, mudava até o nome do partido, mas não mudava nada do governo. Durante 50 anos de democracia, o petróleo foi queimado para beneficiar uma minoria privilegiada. Essa insensibilidade no uso dos recursos da Venezuela em favor do seu povo levaria, mais dia ou menos dia, a um regime e a um governo do tipo do Presidente Hugo Chávez, que está atendendo às reivindicações de uma maneira que eu não quero para o meu País.

            Mas não foi só isso. Houve também a desmoralização da classe política a ponto, senhores, de os estudantes - com quem conversei - que fazem passeatas contra o Presidente Hugo Chávez terem dito que não aceitam político em seus movimentos. Para eles, não há diferença entre os políticos que estão ao lado do Presidente Hugo Chávez no governo - e eles são contra - e os da oposição, porque consideram que representam um passado sem qualquer proposta alternativa para o país. É a minha tristeza.

            Hoje, o Senador Mão Santa tocou nesse assunto durante a nossa reunião da Comissão de Educação. Por isso, digo que é inadiável, Srª Senadora, porque estamos fabricando uma alternativa autoritária. Tivemos a sorte de o Presidente Lula, que é um produto desse fracasso da classe política tradicional - essa é a verdade -, ter buscado a coesão social no Brasil. O Presidente Hugo Chávez optou pela divisão do País, escolhendo um lado - o povo - contra a elite. O Presidente Lula teve a competência, a seriedade e o cuidado de fazer o Brasil coeso. Em compensação, o Presidente Chávez escolheu as mudanças; e o Presidente Lula foi obrigado, para fazer a coesão, a manter o nosso regime atual, o Governo, sem fazer as mudanças necessárias.

            Senador Eduardo Suplicy, eu quero voltar aqui, mas gostaria de ouvir o seu aparte e um debate sobre esse assunto também com os Senadores Mão Santa e Mozarildo Cavalcanti.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Cristovam, não é permitido aparte em comunicação inadiável.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu vou aceitar isso, mas eu vou voltar porque vale a pena discutirmos este tema.

            Estamos aqui fabricando regimes autocráticos. Como, Senador Mão Santa? Quando, por exemplo, passa-se a idéia, verdadeira ou não, de que está se armando um grande acordo para fazer três coisas que o povo não quer: aprovar a CPMF, salvar o Senador Renan e trazer para a presidência do Congresso alguém escolhido pelo Presidente da República. Esta é a imagem que se passa: a imagem de que o Congresso, hoje, é uma Casa inoperante, ineficiente, que não tem nenhuma autonomia. Se o próximo presidente for escolhido pelo Presidente da República, como se indica pelos jornais, nós estaremos fabricando um regime autoritário no Brasil. Talvez não daqui a meses ou anos, mas daqui a uma década.

            É essa desmoralização, essa insensibilidade que caracteriza a elite brasileira e a política brasileira, todos nós. Eu sou parte disso, não me ponho de fora. Nossa incompetência, irresponsabilidade que leva a essa desmoralização, é a causa dos regimes autoritários. As ditaduras são fabricadas pelos democratas insensíveis, incompetentes e irresponsáveis. A gente tem que fazer um exame de consciência relativamente ao nosso trabalho.

            Eu vi lá o Brasil. Eu vi o Brasil porque eu vi que a gente não está respondendo ao que o povo quer. Quando a gente aqui ameaça, pelo menos, o aumento de salário que se tentou o ano passado ou no começo deste ano, a gente contribui para fabricar uma solução autoritária.

            Quando as corporações brasileiras, inclusive a do Poder Judiciário, dá esses aumentos salariais, a gente está colaborando para fabricar um Chávez no Brasil. Quando alguns Parlamentares propõem o fim da verba indenizatória, a transformação do salário, um dinheiro que é para servir ao exercício da profissão, num dinheiro que vai para o bolso, nós estamos fabricando autocratas. Quando a gente faz como a Venezuela, que, ao longo de cinqüenta anos, usou o petróleo em benefício de uma minoria, nós estamos colaborando para a autocracia. Quando a gente trata a escola dos filhos da elite diferentemente da escola dos pobres, quando trata a nossa saúde diversamente da saúde dos pobres, quando trata o nosso transporte diferentemente do transporte dos pobres - e a gente faz isso - a gente, Senador Suplicy, está colaborando para fabricar autocracias. É esse exame de consciência que eu queria fazer, aproveitando esta declaração inadiável. 

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu vou respeitar o Regimento, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas sem o debate sobre isso, Senador Mozarildo, eu acho que nem valeria a pena o meu discurso.

            Por isso, eu peço que seja usado um minuto do Senador Suplicy ou de outros Senadores, até porque eu tenho direito a vinte minutos e estou abrindo mão, apesar de inscrito que sou. E um dos primeiros inscritos. Mas é a Presidenta que vai determinar se é possível ou não a gente ter esse debate. Senadora Serys, é possível ou não?

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko - Bloco/PT - MT) - Desde que seja realmente restrito porque o senhor já está falando há sete minutos. Eu vou conceder mais um tempo ao senhor, só que, nas comunicações inadiáveis, não é permitido. E temos oradores inscritos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Inclusive eu estou inscrito.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko - Bloco/PT - MT) - Mas o senhor não poderá falar pela inscrição porque o senhor está usando os cinco minutos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Exatamente. Então, os meus vinte minutos servirão aos outros.

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko - Bloco/PT - MT) - Mas o senhor teria que ter deixado para falar na inscrição, Senador; não agora; agora, são cinco minutos.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita-me, Senador Cristovam. Estou recebendo o apelo de Senadores para que este rigor no Regimento possa ser respeitado. Haverá o momento em que eu vou trocar idéias, quem sabe hoje mesmo, logo mais, com V. Exª sobre os temas levantados e respeitando o pedido dos colegas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem. Termino, Senadora, lamentando profundamente que estejamos discutindo outros assuntos e não a fábrica de autoritarismo que é hoje o Congresso Nacional, pela nossa inoperância, ineficiência, irresponsabilidade e pauta equivocada. Cada gesto deste Congresso que passa ao povo a idéia de conivência, de arranjo, de conchavo, de submissão ao Poder Executivo é um passo na direção do autoritarismo.

Então paremos de jogar a culpa na Venezuela. Façamos a nossa autocrítica e entendamos que somos os democratas, os verdadeiros pais dos regimes autoritários quando faltamos com a responsabilidade, quando nos comportamos sem sensibilidade para com as necessidades do povo e deixamos que o Poder Legislativo seja desmoralizado como vimos fazendo no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2007 - Página 41388