Discurso durante a 215ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o que vem ocorrendo na Venezuela nos últimos 50 anos, e sua relação com o Brasil. Crítica ao Congresso brasileiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Reflexão sobre o que vem ocorrendo na Venezuela nos últimos 50 anos, e sua relação com o Brasil. Crítica ao Congresso brasileiro.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2007 - Página 41803
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, FREQUENCIA, SENADO, DEBATE, CONDUTA, HUGO CHAVEZ, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, AUSENCIA, ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, ORIGEM, AUTORITARISMO, PERDA, OPORTUNIDADE, ENTENDIMENTO, PROCESSO, BRASIL.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, APOIO, POVO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, RESTRIÇÃO, LIBERDADE, CONTROLE, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, MOTIVO, PERDA, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, FALTA, ATENÇÃO, ANTERIORIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO, MAIORIA, NECESSIDADE, ENTENDIMENTO, SEMELHANÇA, BRASIL, REQUISITOS, PREJUIZO, ESTADO DEMOCRATICO.
  • DETALHAMENTO, ANTERIORIDADE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, RIQUEZAS, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, FALTA, PRIORIDADE, COMBATE, POBREZA, DIVISÃO, PAIS, ATUALIDADE.
  • ANALISE, DIFERENÇA, GESTÃO, CHEFE DE ESTADO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, CARATER PROVISORIO, CONTROLE, CONFLITO, CLASSE SOCIAL, UTILIZAÇÃO, POLITICA SOCIAL, BOLSA FAMILIA, AUSENCIA, REALIZAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, BUSCA, DIRETRIZ, DEMOCRACIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POVO, CONSTRUÇÃO, FUTURO, LONGO PRAZO, BRASIL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, SENADO, DESRESPEITO, VONTADE, POVO, ABSOLVIÇÃO, SENADOR, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), ELEIÇÃO, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, ATENDIMENTO, INTERESSE, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, FUNÇÃO, IMPRENSA, PREPARAÇÃO, REQUISITOS, AUTORITARISMO, AUSENCIA, DENUNCIA, DESVIO, PRIORIDADE, POLITICA NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como é costume fazer, se algum órgão de imprensa, Senador Mão Santa, fizer uma pesquisa sobre a palavra mais ouvida no Senado nos últimos meses, pelo menos aquelas palavras que são nomes próprios, nomes de pessoas, Senador Geraldo Mesquita, eu não tenho dúvida de que talvez o nome mais citado neste Senado tenha sido o do Presidente Chávez, da Venezuela. Creio que nunca na História do Brasil um Presidente de um País latino-americano recebeu tantas vezes referências no Senado. Mas o incrível, Senador Geraldo Mesquita, é que a conversa aqui, sempre, é quem é e o que faz o Presidente Chávez. Até aqui, eu não ouvi perguntarem, sequer uma vez, por que a Venezuela tem o Presidente Chávez. A gente não pergunta o porquê. E, ao não perguntar o porquê, a gente está deixando de observar o Brasil.

Na semana passada, na semana do feriado, 15 de novembro, estive na Venezuela. E, de repente, querendo ver a Venezuela, eu terminei vendo o Brasil. Não porque haja aqui autocrata. Não, nada disso, como vou explicar bem, Senador Tião, mas porque, ao conversar com as pessoas, a pergunta que me surgiu foi: por quê?

A Venezuela vivia, há 50 anos, numa democracia. É preciso lembrar que, nos anos 70, quando os outros Países estavam em ditadura, a Venezuela tinha a mais consolidada democracia do continente. Os outros Países, a Argentina, o Uruguai, o Brasil, o Paraguai, o Chile, todos estavam sob o regime ditatorial. A Colômbia e a Venezuela - estes dois Países -, há décadas, vinham com democracia, com a radical alternância de poder: saía o presidente de um partido e entrava do outro. Acho que raramente o mesmo partido fez o presidente seguinte. Por que um País com tanta democracia, de repente, elege o Presidente Chávez, não apenas uma vez - ele foi eleito uma vez, fez um plebiscito no meio do mandato para ver se continuava, foi reeleito e outra vez reeleito. Qual o porquê disso?

Creio que o Brasil precisa refletir mais sobre por que Chávez, e talvez falar menos quem é, o que é e o que faz o Presidente Chávez.

Em primeiro lugar, quero dizer que, embora eu tenha sido aqui sempre um defensor das políticas sociais do Presidente Chávez na área da saúde e da educação, confesso que hoje sou assustado com os gestos autocráticos - não vou chamá-los de ditatoriais, porque vemos uma imprensa funcionando livremente, mas bem pequenininha, e a dele imensa. Ele tem horas e horas de diversas televisões, mas existe uma televisão livre que diz o que quer, mesmo ameaçada de ser fechada ou de perder a concessão. Então, existe uma mínima liberdade. Não há preso político. Eu não chamaria de ditadura nem de longe. Agora, democracia, no nosso sentido, também não é.

A pergunta é: por que isso aconteceu? A razão, para mim, Senador Tião Viana, é que lá, na Venezuela, duas coisas conspiraram para que houvesse um presidente cujos gestos de governo, aceitos pela maioria, reconhecidos pela maioria, têm rasgos do que podemos chamar de autocracia. Ou seja, o governo de uma pessoa e não o governo das instituições. Esta é a grande diferença entre a democracia, a ditadura e a autocracia: governo de uma pessoa. Por que isso? Duas coisas conspiraram: a insensibilidade histórica das elites em relação ao povo e a desmoralização da classe política e dos partidos. Essas duas coisas acontecem aqui. Essas duas coisas, temos aqui, com a maior clareza, nitidez, aos nossos olhos, e não as estamos vendo. Porque perguntamos o que é Chávez; como age Chávez; ficamos falando como age Chávez e não nos perguntamos por que aconteceu Chávez na Venezuela, para evitarmos que aqui tenhamos de cair em um regime autocrático.

O que aconteceu na Venezuela nesses 50 anos além da democracia? Primeiro, uma falsa alternância de poder.

E lamento que esteja na Presidência agora o Senador Mão Santa, porque ele seria bom para debater este assunto. Eu tentei fazer este pronunciamento durante a semana, mas não me deram tempo. Deram-me apenas cinco minutos, nos quais não seriam permitidos apartes.

Mas como dizia, nunca houve alternância de poder na Venezuela. Era o mesmo, com nomes diferentes; era o mesmo, de dois partidos diferentes. Então, não havia alternância. Mas, pior: durante 50 anos, a economia venezuelana nadou no petróleo, sem que nenhuma gota deste petróleo chegasse à alma do povo venezuelano. Um dos Países mais ricos do mundo em recursos naturais, que trazem renda - porque o Brasil é um País rico em recursos naturais que não trazem renda, a não ser o ferro, por exemplo, e algumas matérias-primas; não é o petróleo. O petróleo é igual a renda. O petróleo, hoje, é igual a quase US$100 por barril. Durante 50 anos. Durante 50 anos exportava-se petróleo e recebiam-se dólares. Os dólares se transformavam em uísque, em champanhe e voltavam para o Caribe sob a forma dos resíduos dos ricos venezuelanos. Durante 50 anos, o povo não viu para que poderia ter servido o petróleo em seu benefício. Essa insensibilidade das elites diante do sofrimento, dos problemas, da desigualdade, da forma como vive o povo, foi a primeira grande causa do surgimento de um regime, hoje, que tem o apoio da população pobre, que é a maioria do País, como no Brasil. Mas esse apoio da população faz com que haja um governo com gestos autocráticos, governo de uma pessoa, não com as características da democracia que a gente defende. O próprio Chávez diz que o conceito de democracia dele é diferente do nosso conceito.

Sr. Presidente, essa insensibilidade levou, por ela própria, a corroer a credibilidade dos políticos. Os políticos eram os legitimadores do mau uso do dinheiro do petróleo. Os políticos viviam, como nós, para fazer a corrupção nas prioridades, justificar que aquele dinheiro que vinha do solo sagrado da Venezuela - e que se esgotará sem demorar muitas décadas - não fosse usado para atender às necessidades da população. E a população rica estranha hoje que o povo esteja com o Presidente Chávez, apesar de ele não deixar a Justiça funcionar como deve numa democracia, porque ele a controla; apesar de o Congresso ser uma Câmara única, toda ela com seus representantes - em parte, por culpa da Oposição, que não quis disputar a eleição; mas, se a tivesse disputado, seria uma pequena minoria -; apesar de ele administrar o orçamento do País como se fosse quase coisa sua, de acordo com suas idéias. Entretanto, o povo o apóia, por causa da insensibilidade da classe política diante das prioridades no uso dos recursos venezuelanos.

Foram 50 anos de corrupção nas prioridades do uso dos recursos nacionais. Mas não foi só isso. Ao lado dessa corrupção do uso dos recursos nacionais, houve também a própria corrupção da política em si e o uso da política em benefício próprio de parlamentares, de membros do Executivo. O que se poderia esperar de 50 anos de insensibilidade e corrupção? Esperar que continuassem com a insensibilidade e a corrupção? Não! Um dia há um basta. Um dia há um basta nessa corrupção e nessa insensibilidade que estão caminhando juntas, de mãos dadas na política de um País. E aí é que eu digo: observando o Brasil desde a Venezuela, em vez de observar a Venezuela desde o Brasil, creio que a gente está caminhando no mesmo passo. Não com o Presidente Lula. Não. Não estou dizendo isso. Estou falando de alguém que talvez não tenha chegado ainda aos seus 20 anos de idade, que não tem nem profissão ainda, que a gente não sabe onde mora, mas que está sendo cozido no caldeirão da insensibilidade, no caldeirão da injustiça, no caldeirão da corrupção, para um dia dar o grito de ser diferente, e o povo ir atrás.

O Lula já foi eleito por isso, Senador Geraldo Mesquita. Quando o Lula foi eleito, representava a diferença. O Lula foi eleito pela desmoralização da classe política tradicional.

São duas as diferenças entre o Lula e o Chávez, uma muito positiva, a outra negativa. A muito positiva é que o Presidente Lula no poder, tendo sido eleito por ser alternativa, rompeu a falsa alternância de quase 120 anos de uma República que continuou elegendo os príncipes. Só que os príncipes filhos dos ricos, não filhos da aristocracia. A falsa alternância quebrou com o Lula, que representava o novo, o diferente, aquele que gritava que o Congresso tinha 300 picaretas - ou seja, ele é diferente -, e trazia a esperança que o PT representava. O Lula já foi uma opção do tipo Chávez, mas diferente. São duas diferenças. A primeira é que, longe de fazer a divisão do País em dois, como aconteceu com a Venezuela, que é um País às vésperas de uma guerra civil porque as duas classes - uma chamada oligarquia e a outra, povo, que não se juntam; se estranham -, o Lula conseguiu fazer a coesão no Brasil. O Lula representou a coesão social. Isso, a gente tem que reconhecer e respeitar. Enquanto o outro dividiu para mudar o País, o Lula fez a coesão para não mudar o País. É a coesão do status quo.

Com o seu carisma, com a sua capacidade hipnotizadora diante do povo e diante de todos praticamente, com alguns programas sociais para o povo e o atendimento do funcionamento da economia para poucos, o Lula mantém a coesão. O que a inflação fez durante décadas no Brasil foi a coesão graças à mentira sobre o valor do dinheiro: aumentava-se salário, aumentava-se subsídio para os empresários e construíam-se estradas, graças à inflação. E, aí, todo mundo ia jogando para o futuro.

O Brasil não rompeu, não se quebrou do ponto de vista da divisão entre incluídos e excluídos porque a inflação era um mecanismo de engano. Hoje, com a estabilidade monetária e mais uma competência específica, o Presidente Lula conseguiu encontrar essa maneira genial de fazer com que todos continuemos nos sentindo brasileiros, porque temos o Bolsa-Família, temos alguns gestos na saúde, temos a economia funcionando do mesmo jeito de antes e ainda temos a Copa do Mundo e o carisma dele. Ele deu a coesão, mas é temporária; ela não é permanente porque ele não fez as transformações que são necessárias fazer.

O Chávez dividiu o País. Longe de nós querer-se isso. Muito melhor a coesão do Lula.

Mas está mudando ao atender às necessidades sociais da população. Você conversa com motoristas de táxis, você conversa com o povo na rua e pergunta: “como é que vocês querem um regime, cuja Justiça foi definida pelo Presidente?” Eles dizem: “A Justiça de antes não pensava na gente”. A nossa está pensando no povo? Quando a gente houve falar de aumento de salários é para os juízes; quando a gente vê um homem preso é do povo preso, e os ricos soltos. Alguém espera que, se um dia vier um autocrata aqui, o povo vá para rua defender o sistema judiciário, a Corte Suprema? Não irá.

E este Congresso? Alguém acha que o povo, hoje, iria para a rua defender o Congresso? O Congresso da insensibilidade, o Congresso da corrupção nas prioridades? Nem quero tocar na corrupção do comportamento de cada um, porque eu gosto de falar genericamente e não fulanizando. E gosto de me incluir entre aqueles que estão errados. Não vou me colocar entre os errados na corrupção do comportamento, mas eu me incluo entre aqueles que votam aqui o Orçamento sem uma preocupação nítida, clara, direta para que a gente resolva os problemas do povo. Para usar o nosso petróleo, que não é o petróleo, é a indústria, é a agricultura, são os serviços, é a 8ª, 9ª, 10ª potência do mundo. Isso é o nosso petróleo. A gente aqui vota sem que isso chegue lá na base, no povo, como os venezuelanos de antes - os governos não usavam o petróleo para chegar ao povo. Mais do que isso, os dirigentes venezuelanos usavam o dinheiro sem pensar no povo e sem pensar num projeto estratégico de longo prazo para a Venezuela, como se o petróleo fosse eterno, Senador Mesquita. Não é eterno. Nunca houve um projeto estratégico no sentido de estabelecer a direção para levar a Nação venezuelana.

E hoje a gente está levando para a frente um projeto alternativo de Brasil que diga onde nós estaremos daqui a cem anos? Não estamos.

Estamos trabalhando no dia-a-dia. Estamos costurando as coesões provisórias. É isto o que o Presidente Lula faz com competência: a coesão provisória, a coesão do dia, da semana, do mês, do ano, do mandato até, mas não a coesão de décadas, que é do que este País precisa.

Estamos costurando, cozinhando, colocando no forno a solução autocrática pela falência da solução democrática, porque não estamos mostrando ao povo que a democracia funciona para o povo. Não estamos mostrando, Senador Mão Santa, que a democracia é capaz de construir o futuro de longo prazo de um País.

Hoje o povo diz que há um acordo para três coisas que o povo não quer: não cassar um Senador, aprovar a prorrogação de um imposto que ninguém quer e eleger o Presidente do Senado de acordo com o gosto do Presidente da República. E a gente quer que o povo defenda este Senado? A gente faz tudo contra o povo e ainda quer que o povo nos defenda?! E quer que o povo na Venezuela vote no plebiscito contra Chávez se eles têm medo do que havia antes?

Os estudantes venezuelanos, que são contra o Chávez, fazem manifestações e não aceitam um político na passeata deles - da oposição, claro. A manifestação é contra o Chávez, mas político contra o Chávez não entra porque elas acham que são todos corruptos, são todos insensíveis, são todos descomprometidos com a Nação venezuelana. Ou seja, a autocracia e o autocrata - e o passo seguinte pode ser a ditadura e o ditador - são costurados, cozidos, formados pelo vazio da democracia. Nós estamos nesse vazio.

Nós estamos num vazio em que não manifestamos sensibilidade para os problemas que o povo enfrenta, não manifestamos competência para a transformação social e não passamos a idéia de que somos políticos com ética e com respeito à opinião pública.

A coesão do Presidente Lula não é uma coesão transformadora; é uma coesão momentânea, é a paz do hipnotizador. O hipnotizador traz paz, mas, na hora que o cliente acorda, acabou a paz do cliente. Não é a paz permanente, não é a paz duradoura de que a gente precisa. E não é o Presidente Lula que é o responsável por isso; somos nós todos. Quando nós aceitarmos aqui, como parece que estamos caminhando, que o próximo Presidente do Senado seja escolhido pelo Presidente da República, nós estaremos colocando mais um ingrediente nesse caldeirão que forma os autocratas. Por quê? Porque vamos ter como Presidente alguém que representa o Presidente da República. O que acontece aí? Já é a desmoralização do Congresso. Daqui a 5, 10, 20 anos, vem um autocrata que fecha o Congresso ou que manipula o Congresso, e o povo vai dizer: “Mas sempre foi assim, só que disfarçado”. Vem alguém que propõe um plebiscito pelo terceiro mandato, aí a gente diz: mas é autoritarismo três mandatos. Aí o povo vai dizer: “Mas sempre foi assim, porque só mudava o nome do Presidente; não mudava a cabeça, não mudava as idéias e, sobretudo, não mudava o coração do Presidente em relação aos problemas sociais e não mudava o comportamento dos políticos”.

Nós hoje somos um forno, uma cozinha, um cadinho de laboratório fabricando autoritarismo. E volto a insistir: não estou dizendo que é o Presidente Lula que vai ser esse autoritário. Longe de mim isso! Acho que ele não tem essa vocação. Não é que ele vai ser. Nenhum de nós. Porque vai levar uns dez anos para que se esgote essa coesão provisória que Lula consegue fazer. Mas vai se esgotar. Não resiste a política, na democracia, coesa com Congressos que não sejam muito respeitados pela opinião pública. Eu fiz questão de não dizer “respeitados”; eu fiz questão de dizer “muito respeitados”. Não resiste! É questão de tempo. Não resiste se não tem uma Justiça muito respeitada pelo povo. Não resiste! Pode até durar um tempo. Mas, se o povo não se identifica com aqueles que são os guardiões da justiça, o povo não vai ter dúvida na hora de escolher entre um autocrata ou não.

Décadas atrás, quando eu era Governador do Distrito Federal, Senador Mesquita, eu tive a oportunidade de almoçar, em uma recepção ao Presidente Fujimori, no Palácio do Itamarati. Coisas a que a diplomacia obriga.

E o Presidente Fujimori, que tinha os rasgos de autocrata, trouxe com ele representantes da Oposição, parlamentares da Oposição. E eu sentei ao lado de um desses parlamentares da Oposição, porque eu queria saber o que ele tinha a dizer de Fujimori. E eles meteram o pau no Fujimori. Eles criticaram pra caramba o Presidente Fujimori. Mas chegou a hora em que falamos que Fujimori tinha fechado, se não me engano, a Suprema Corte do seu País. Quando eu falei isso, sabe o que o Deputado disse? “Mas aí ele estava certo!” Porque todos tinham medo do terrorismo. Era tempo do terrorismo lá. E alguns eram temerosos...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, regimentalmente teria terminado o seu tempo. Mas eu me inspiro em Montesquieu, em O Espírito das Leis. Se eu fosse o Presidente de direito - e poderia até ser, isso seria uma boa - eu, no lugar de Tião Viana, convocaria uma rede nacional para que o Brasil aprendesse com o pronunciamento de V. Exª.

V. Exª pode usar a tribuna pelo tempo que achar conveniente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Presidente.

            Mas eu dizia que sentei ao lado desse Deputado de oposição a Fujimori. Uma oposição consentida. Aí eu perguntei sobre a Justiça. Eu me lembro muito bem de que o Presidente do Supremo nosso, à época, Sepúlveda Pertence, tinha se negado a ir ao almoço. E o Deputado queria saber de mim por que o Presidente do Supremo tinha se recusado a ir ao almoço com Fujimori. Eu disse: “É claro que ele se recusou! Ele tem toda razão. Ele não veio porque Fujimori fechou a Corte Suprema”. E aí o Deputado da Oposição, que criticava Fujimori, disse: “Mas, sabe, Governador, aí ele tinha razão”. Eu lhe perguntei: “Mas por quê?” Ele me respondeu: “Porque metade tem medo dos terroristas. Então, não fazem justiça, assustados na defesa da própria vida. E, os outros, a gente sabe que se submetem a algumas influências”. Felizmente, a nossa não é assim. Mas não vamos dizer também que está no outro extremo de ser querida, respeitada e reconhecida pela população. É vista como algo isolado, distante, separado. E é até vista até, injustamente muitas vezes, como responsável pela impunidade que pesa no Brasil entre os ricos, porque a força da justiça cai sempre sobre os pobres.

            Não basta falar do Congresso e da Justiça. Aqui sou o único que jamais critica a mídia, porque penso que, no que ela denuncia, alguma coisa de verdade tem, senão tudo. Mas a mídia está cometendo um erro, Senador Tião Viana, nesse caldeirão de fabricação de um autocrata, ao ficar na superficialidade de suas denúncias, ao ficar como a imprensa do fato e não como a imprensa também...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, permita-me interromper para, com muita honra, transferir a Presidência a esta Liderança jovem de quem o Brasil muito espera, Tião Viana.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso que é alternância de poder, não é, Presidente? Durante um único discurso, tivemos três alternâncias de Presidente.

Presidente Tião Viana, estou falando aqui, abusando da liberalidade de tempo que temos às sextas-feiras pela manhã, do porquê de Hugo Chávez, e não de como é o Chávez, nem o que faz o Chávez, nem mesmo qual o risco do Chávez, mas do porquê.

Deixei claro que ele é resultado de um casamento maldito entre a insensibilidade das elites diante das necessidades do povo, tratado como à parte, e a incompetência, a corrupção e a desmoralização da política e dos políticos. E analisei que a principal causa disso é o Parlamento, mas também o Poder Executivo. E analisei também o distanciamento que há na credibilidade, na confiabilidade, na sensibilidade do povo em relação à nossa Justiça, que hoje é quase um divórcio.

E estava falando, Senador Tião, do outro ingrediente nesse caldeirão que fabrica o autoritarismo, que é a imprensa. Mas não faço as minhas críticas como os outros que criticam a mídia pelo que ela diz. Não! O que ela diz está certo. Exagere ou não, é outro problema. Eu falo é pelo que ela não diz: ela não analisa as causas. Ela fala dos atos de corrupção dos políticos, não analisa as causas da corrupção, em grande parte pelo divórcio entre o povo e a elite, que faz com que o dinheiro vá tão pouco ao povo que o que fica do lado de cá permite que corruptos engordem seus bolsos. Se o dinheiro fosse todo para atender às necessidades do povo, não sobraria centavo para os corruptos. A corrupção no comportamento começa na corrupção das prioridades. A gente não faz as prioridades certas, aí sobra dinheiro para que se roube.

E a imprensa não está fazendo essa análise mais profunda. O caso do Chávez é um exemplo. É factual sem analisar a causa. Não para desculpá-lo, mas para explicá-lo e nos prevenirmos para que aqui não aconteça isso. Porque nós hoje somos uma fábrica de Chávez: não de Chávez com “s” no final, Chávez com “z” no final; não de Chávez com “c” minúsculo, mas de Chávez com “C” maiúsculo.

O Lula foi capaz de captar a alma do povo mantendo a coesão social e respeitando as regras democráticas. O Lula teve a sensibilidade de trazer essa vontade de uma alternativa diferente do que antes existia, dizendo: “Sou um metalúrgico”. Nunca tivemos aqui um metalúrgico. “Sou um pobre”. Nunca tivemos aqui um pobre. “Não tenho diploma universitário”. Nunca tivemos um que não tivesse. “Represento um Partido de Esquerda”. Nunca tivemos isso antes. “Vou ser eleito porque sou diferente.” Pena que lá ele ficou igual. Pena e sorte porque, se não fosse isso, talvez ele tivesse feito a divisão do País em vez de fazer uma coesão provisória. É uma coesão sem perspectiva; é uma coesão sem projeto de longo prazo, mas é uma coesão. Evitou a situação da Venezuela de enfrentamento, de desconhecimento entre uns e outros.

Hoje, na Venezuela, há supermercados onde vão pessoas ligadas ao Chávez, não vão os que são seus adversários. Os jornais são divididos entre os que são a favor ou contra. Tudo é a favor ou contra, e alguns contra todos, como os jovens estudantes que se manifestam hoje e não aceitam, Senador Tião Viana, a presença de políticos da oposição lá dentro, porque dizem que não querem votar o passado, porque o passado não é melhor que o presente. Isso é muito grave. Isso é a descrença total. Jovens sozinhos na rua não fazem revolução, porque a revolução exige uma liderança que eles ainda não representam.

Vim hoje aproveitar esta sexta-feira para dizer que é preciso que reflitamos um pouco mais, não olhando para a Venezuela como todos olham, mas da Venezuela para o Brasil, como eu consegui ver nesses dois dias em que estive lá, conversando com as pessoas, ouvindo pessoas, e percebendo o que dizem alguns como os com quem conversei: “Antes a gente não existia; agora a gente existe, os pobres”. Não estou falando dos Ministros, não; também não estou falando daqueles que conseguiram lugar no Governo. Estou falando daqueles que não eram vistos, que eram invisíveis, como é invisível uma parcela imensa da população brasileira, porque a elite e o Congresso passam na rua e não vêem aqueles que são os excluídos. Se a gente visse, a gente já teria tomado medidas diferentes. A gente lê e, numa sessão ou em uma das comissões, a gente faz discursos, mas, no outro dia, esquece.

Esse caso dessa menina do Pará chocou a todos nós, como chocou, há alguns meses, o caso de um menino no Rio de Janeiro que foi arrastado por um carro. Já ninguém fala nele... Daqui a alguns dias ninguém vai falar mais nessa menina, porque a gente não está tendo a sensibilidade necessária e não estamos tendo a responsabilidade necessária. E a irresponsabilidade e a insensibilidade são os coveiros da democracia.

Pode vir uma ditadura, como já veio, em alguns momentos no passado do Brasil, ou pode vir uma autocracia, que nem é democracia, nem é ditadura, pelo menos ainda, que é o que vemos hoje no regime do Presidente Chávez: um Governo que foi fabricado, não pelo Chávez; foi fabricado pelos democratas, foi fabricado pela democracia, a democracia insensível, incompetente e irresponsável, o que não temos o direito de deixar que aconteça aqui.

Sei que esgotei o meu tempo, mas há dois Senadores pedindo apartes, e creio que esta fala não terá grande valor ou nenhum valor se não pudermos debater isso aqui, Senador Tião, mais profundamente.

Como dizer aqui: aqui não passa um regime autoritário e autocrático? Não dá para dizer que não passa apenas porque vamos colocar o corpo na frente, mas, sim, não passa porque faremos com que o povo não deixe que passe. Para isso, é preciso mudar as prioridades, trazer sensibilidade para o exercício do poder e mudar o comportamento, fazendo com que seja tal que passe credibilidade, algo que nós perdemos. Nós perdemos! Não se trata mais de não perder, mas se trata de uma estratégia para recuperar.

Alguns meses atrás, muitos de nós falávamos que era preciso não perder a credibilidade. Hoje, com tristeza, digo que não é mais questão de não perder a credibilidade - já a perdemos - é questão de tentar recuperá-la. E essas próximas semanas serão importantes ao votar um imposto que o povo não quer, ao salvar ou não um Senador que o povo condenou, justamente ou injustamente, e ao começar a eleger um Presidente do Senado sem passar a idéia, pelo menos, de que foi escolhido, tirado do bolso do Presidente da República, porque um Poder dependente do Executivo já é um Poder desmoralizado em si.

Senador Mesquita, passo-lhe a palavra, com autorização do Presidente Tião Viana.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Senador Buarque, é muito difícil, em um minuto ou dois, fazermos considerações acerca do pronunciamento de V. Exª, para não fugir à regra, de extrema profundidade. Mas eu me arrisco a pontuar algumas coisas que observei. Como V. Exª, também estive em visita à Venezuela no ano passado. E também trouxe impressões e observações, se bem que muito superficiais, porque a nossa passagem é sempre rápida, de três ou quatro dias. Não dá para fazer um diagnóstico, algo mais denso, acerca do que está acontecendo em um País vizinho e amigo, como a Venezuela. Mas eu queria antes, quando V. Exª falava da impressão que o povo brasileiro tem das nossas instituições - e aqui eu cito todas -, V. Exª falando e eu aqui maquinando... E a imagem que passou na minha cabeça foi a do último baile da Corte ou algo muito parecido. Parece que estamos realizando o último baile da Corte, e o povo, à margem. Nós aqui reajustando os nossos salários, os do Judiciário, do raio que o parta, e o povo, à margem. Isso não pode dar em boa coisa. V. Exª tem razão. A Venezuela é um país literalmente tungado por décadas e décadas e décadas, como, em regra, ocorre com os Países da América Latina. Acontece que é prática também nossa, na América Latina, o oito ou o oitenta. Fomos tungados durante décadas e, de repente, pipocam experimentos que beiram o oitenta. Em visita à Venezuela, estive ali com muita curiosidade, e pude observar alguns sinais exteriores. A primeira observação que eu fiz, Senador Buarque, é que, para não fugir à regra também, o povo venezuelano não é protagonista de nada, de absolutamente nada. Essa é uma observação muito pessoal. Ele continua sendo, como aqui o povo brasileiro, como o povo do Equador, como o povo de qualquer País da América Latina, beneficiário - quando é - de programas assistencialistas, alguns executados de forma mais competente, outros descaradamente, absolutamente assistencialistas, meramente assistencialistas, e o povo jamais consegue ser protagonista da transformação inerente à sua própria vida, à vida do seu País. Foi uma observação que fiz. Há sinais aparentes de que a coisa beira para o oitenta. Culto exacerbado da personalidade, uma coisa impressionante! O Comandante Chávez está até nos meios-fios das ruas, nos frontispícios dos prédios, seja onde for: culto à personalidade exacerbado. Eu tenho uma experiência triste nesse sentido, com o culto à personalidade, que é uma coisa que me arrepia. Isso não pode dar em boa coisa. Concentração máxima de poder, autoritarismo exacerbado, garroteamento de instituições, como imprensa, como Poder Judiciário, seja lá o que for. Agora, como V. Exª também observou, entram na Venezuela - pelo menos a informação que tivemos lá, eu tive, e é o que se sabe - milhões de dólares por dia. Eu fiquei em Caracas, que é cercada de favelas, como V. Exª observou. Sr. Senador, no fim da década de 60 e início da de 70, eu morei na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, cumprindo tarefa política. Não me satisfiz em olhar de longe as favelas de Caracas. Pedi a um rapaz que me levasse lá dentro para sentir como era a situação. A gente vê de longe aquela ruma de favelas... Uma coisa impressionante! Fui lá ver, e o grau de miséria e de degradação humana que presenciei é espantoso. A miséria absoluta me fez comparar a situação com aquilo que eu já havia visto. A Favela do Jacarezinho, pelo que assisti em Caracas, é o bairro de Copacabana. Entram milhões de dólares naquele País por dia. Creio que, já passados oito ou dez anos do mandato do Presidente Chávez, ele teria tido condições de fazer uma transformação muito mais acentuada do que a gente ouve falar em torno dos programas sociais, educação, saúde, saneamento, habitação etc. Eu não vi isso. Estou sendo absolutamente isento e reproduzindo o que vi. Não foi o que ninguém me contou. Andei por ali, fui às favelas e conversei com as pessoas. O pessoal também tem essa impressão. Conversei com uma senhora sem querer provocar, mas provocando: “Poxa, a coisa aqui está muito ruim.” Ela disse: “Está ruim, mas temos Chávez”. É uma coisa que o pessoal está construindo, está fixando no seu imaginário, e eu não sei o que vai dar aquilo ali, Senador. Sem brincadeira. Não sei. A impressão que eu tenho é que, mais uma vez, a coisa tende para o oitenta. Temos que soterrar todo aquele entulho que maltratou, que massacrou o país durante décadas e décadas. Mas parece que só há esta opção: temos que ir para o oitenta. Ou seja, fazer a mesma coisa em outros moldes, com outras ferramentas, com outros instrumentos. Acho que isso não é a solução, não. Agora, quero aproveitar, mais uma vez, a oportunidade e dizer que mesmo assim, com tudo isso, continuo e permaneço a favor do ingresso da Venezuela no Mercosul, por considerar que é importante para a América Latina. Eu não compreendo, Senador Cristovam Buarque, um processo de integração que já começa excluindo. “Olha, vamos promover a integração da América do Sul, mas vamos excluir aquele ali”. Não compreendo como é que se pode pensar em integração excluindo. Eu disse um dia desses, e O Globo, inclusive, reproduziu literalmente a frase que pronunciei: “Sou a favor do ingresso da Venezuela, porém sem o culto à personalidade”. Isso aí eu acho que é um desastre, é algo que não constrói, e não se pode pensar num processo de integração, não se pode pensar na união de povos centrada no culto à personalidade. Isso aí é um desastre não só para a Venezuela, como para nós, como para a América Latina como um todo. Muito obrigado pela sua atenção.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço e compartilho, Senador Geraldo Mesquita, com sua preocupação, sua análise, mas volto a insistir: que estou querendo olhar o Brasil desde a Venezuela, estou querendo analisar o que pode vir acontecer aqui, Senador Mão Santa. 

Estamos perdendo tempo demais falando da Venezuela como o objeto do nosso desejo, quando o objeto do nosso desejo é o Brasil, e o que passa lá pode nos servir de exemplo. Estou de acordo com o senhor em relação ao Mercosul: uma coisa é o Presidente, outra coisa é o país. É verdade que o estatuto do Mercosul estabelece que não se podem receber países que não sejam democráticos. Então, vamos discutir se há ou não democracia e qual democracia existe na Venezuela. Depois, decide-se se ele entra ou não; mas não discutamos se entra ou não, discutamos qual é, se quisermos.

Estou de acordo que a melhora podia ser até mais rápida, mas hoje, dois anos depois, pelo menos eles têm médicos. Pelo menos, têm sistema de saúde em todos os rincões, segundo me disseram as pessoas com as quais conversei - médicos importados, cubanos. Mas vocês acham que ele está preocupado se é cubano ou sueco? Vocês acham que o povo está preocupado como aqui a organização dos médicos está, o CFM? O CFM daqui fica preocupado se o médico é cubano ou brasileiro. Lá, não, até porque - eles não disseram, mas eu pensei: no Brasil, os doentes, pelo menos até há pouco tempo, pegavam o avião e iam para Houston. Ninguém nunca reclamou, nunca vi o Conselho Federal de Medicina reclamar quando um rico pegava um avião para ser atendido por um médico no exterior.

Agora, não aceita, diz que, em nome da saúde, não pode aceitar que um médico estrangeiro venha a atender um doente aqui. Não dá para levar todos os pobres para Houston ou Cleveland, esses lugares que costumam receber ricos brasileiros. Não recebiam antes do desenvolvimento da nossa medicina. Então, de fato, eu concordo que surgiu a esperança, e ele vende essa esperança. Até quando? E aí os senhores não sabem o que vai acontecer. Eu creio que dá para a gente saber o que vai acontecer.

Essa forma de choque que se encontra a cada tanto tempo num plebiscito vai sair das urnas e vai cair nas armas. Eu acho que é uma questão de tempo, a não ser que o Presidente consiga construir pontes com essa Oposição, porque não há pontes com a Oposição - como, aliás, aqui dentro, está faltando pontes; conversei uma vez com o Presidente Tião Viana -; a não ser que o Chávez comece a construir pontes com a Oposição, mas é difícil. Ou que a Oposição, como alguns dizem, vá toda embora e deixe a Venezuela só para o povo pobre, como alguns chegam a dizer que pode ser o caminho, como fez a aristocracia russa, em 1917, depois de perder a guerra civil.

Mas estou mais preocupado com o nosso objeto de desejo: o Brasil democrático, portanto, o Brasil com uma classe política sensível às necessidades do povo e ética no seu comportamento na atividade pública. Este é o desafio: a gente deveria aproveitar o que acontece na Venezuela e fazer aqui dentro, antes que seja tarde demais.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, quis Deus estar presente o Tião Viana. Tião Viana, vamos ter aqui um entendimento das coisas. Eu acho que nada acontece por acaso. V. Exª está aí. Eu acho que Deus não ia abandonar - está ali o filho Dele, Cristo - esta Casa. A história sagrada diz, em dificuldade, ele pinçou gente. Numa das dificuldades da história, ô, Tião, ele pinçou um jovem. Foi Davi, para salvar Seu povo que sofria pressões; a outro, para guiar Seu povo, entregou leis - Isso é para trazer nitidez às coisas, tem que se entender -, mostrando que temos que ter leis para vivermos bem. A justiça é divina - errare humanum est -, a nossa erra, mas pelos homens, e ela é uma inspiração divina. O próprio filho de Deus, que discursava assim como Cristovam Buarque, dizia “bem aventurados os que têm fome e sede de justiça”. Mas, Presidente Tião Viana, quando digo que este é um dos melhores Senados da República, digo com convicção. Um quadro vale por dez mil palavras: sexta-feira, hoje... Em 183 anos, fomos nós que fizemos este Senado trabalhar sexta-feira. Podíamos estar em Copacabana, melhor do que em Copacabana, na praia do Delta, mares verdes, mares bravios, calientes, sol nos tostando, ventos acariciando. Podíamos, mas estamos aqui e ouvimos o pronunciamento do professor Cristovam Buarque, importantíssimo para a Nação. Eu, se fosse o Presidente Tião Viana, ia arrumar uma cadeia nacional. Mas eu queria focalizar que só estou aqui porque acho que Deus nos preparou para estar aqui. Que isso aqui tem erro, tem. Somos 81; o Senadinho de Cristo tinha 13, e deu um bocado de rolo lá, deu traição, deu dinheiro no meio daqueles vinhos e pães, forca. Aqui tem que ter rolo, mas este Senado é muito bom. Agora, V. Exª, com a sua cultura... Eu acho que lá, no senado romano, vou buscar... Não acredito que Cícero fosse melhor do que V. Exª, não. Olha, tem muito rolo lá. Uma vez um chegou e disse: “Um cavalo vai ser senador”, e foi: Calígula. Para você ver como é, e era o povo. Outra vez, esfaquearam um lá dentro, não é? Então, estou dizendo que V. Exª, para mim, é igual a Cícero. Ele ficou na história, como V. Exª já entrou para a história da educação deste País. Mas V. Exª chamou uma atenção que quero chamar. E nós estamos aqui. Não tem razão. Ô Deus, jogue um raio aqui se esse não for o... Luiz Inácio, de que nós gostamos... O Presidente que está ali, o Tião, V. Exª, eu aqui votei nele. Eu acho ele uma figura que dá um exemplo, no mínimo, de família, esposa e tal, mas nós estamos aqui é para ensinar. E V. Exª chamou a atenção, chamou por Tião, porque o Moisés, também escolhido, como Tião foi. Foi uma determinação de Deus: “Busque os mais velhos, os mais experientes, e eles te ajudarão”. Está aí, ele disse tudo aí. A história do Senado é longa, mas ele resumiu. Um professor, V. Exª é um abençoado. Eis aqui o problema. Estou só bordando, o mérito foi do Professor Cristovam. Olhe o que ele disse. Estude história. O Senado romano tem uma sigla que eu não sei o nome. Mas ela diz que todos os decretos, todas as crises são eternas. Eterno foi o Renascimento. Até a época medieval não teve ignomínia, como V. Exª citou. Aquele caso - eu não me contive na Presidência, tive que comentar - do Pará, aquilo é uma nódoa na história da humanidade! Nunca existiu!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Mas V. Exª citou. E V. Exª deu a salvação, Senador Tião. Está aí. Vamos ver as entrelinhas, porque eu estava atento. Lá em Roma dizia-se: o Senado e o povo de Roma; o Senado e o povo de Roma - tire Calígula; o Senado e o povo de Roma - tire Nero; o Senado e o povo de Roma fizeram a democracia eterna. O Senado e o povo de Roma fizeram a época medieval. E o Demóstenes foi infeliz ao dizer que aquilo era medieval. Não. A época medieval foi da queda de Roma ao Renascimento. Havia Santo Tomás de Aquino. Tudo se esperava de Deus. Não eram propensos à pesquisa, ao trabalho, ao estudo. Mas eles eram devotados à história de Deus. Aquilo foi uma ignomínia, uma atrocidade! Eu não me contive na Presidência e disse: vamos pedir ao nosso Presidente, generoso, humano, e a sua encantadora esposa, que representa a mulher brasileira... Ainda vem uma nota do PT, infeliz. Ignomínia! A representante disse que a Governadora do PT informou que ela vai ser julgada. Ô, Geraldo Mesquita! Ela sofreu a maior condenação da história do mundo. Ela já foi condenada! O Presidente da República, que nos representa, que representa este País cristão, e a Dona Marisa voam tanto! Peguem esse “aerolula” e vão lá, pedir desculpa, pedir perdão, simbolizando... Ela já foi condenada à pior das penas. Uma moça de 15 anos, uma mulher, em uma jaula de 20 bandidos, tarados sexuais! Mas V. Exª disse: “Nós não podemos estar dissociados do povo”. O Senado romano e o povo de Roma tiraram Nero, botaram, fizeram o Renascimento e as leis. Então, é isso. Nós temos que estar aqui. E nós somos este povo. Este povo... E aqui nós somos aqueles... Oh, Luís Inácio, que Moisés busque os mais velhos, os mais sábios e experientes, porque eles o ajudarão a carregar... Nós queremos ajudar Luiz Inácio e Marisa a levar ao povo brasileiro a justiça e a felicidade.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa. Primeiro, por lembrar esse fato que mostra como a gente caminha para um regime autocrático em algum momento. Como é que uma moça como essa ainda vai ser julgada? Por qual crime? Enquanto os grandes deste País estão soltos! Eu não sei qual foi o crime que ela cometeu. Roubou alguma coisa? Um roubinho?

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Foi. Foi um roubinho.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Passa semanas em uma prisão com 20 homens e vai ser julgada. E os grandes que roubaram milhões? Donos de bancos... Estão soltos. Como é que a gente vai querer que o povo defenda a Justiça no dia em que um autocrata a fechar? Como? O povo não é tolo! O povo acha que isso não é dele.

Eu tenho discutido o problema da legalização de lotes nos morros, teoricamente, porque eu não tenho nada a ver com morros aqui em Brasília eles nem existem - em vez da legalização das drogas, como estão defendendo. Chamo de legalização da virtude em vez da legalização do vício. O povo nem busca legalizar os seus terrenos, porque acham que não existe isso. Legalidade? Justiça? Isso é outro mundo!

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sr. Presidente, quero homenagear a grandeza deste Senado, que não é só nós, não é o Presidente. Somos o melhor Senado da República e as estrelas que faltavam estão aqui. Um é esse Zé Roberto. Não sei de onde saiu. Ô homem competente! Tínhamos o nosso Carreiro. Agora temos esse, que é de uma cultura... Perguntei sobre uma sigla: SPQR - Senatus Populus Quid Romanus. Isso é verdade. Este é o Senado, que vai desde o Zezinho, símbolo do servidor prestativo, ao nosso Presidente, que é a esperança. “O Velho e o Mar”, aquele romance de Ernest Hemingway , diz que a maior estupidez é perder a esperança. V. Exª é a esperança do ressuscitar do Senado e do povo brasileiro.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Fico feliz que tenham trazido a sigla SPQR, que até hoje é usada nas obras de Roma. Naquela época, de fato, o Senado se dava ao respeito. Hoje, vamos reconhecer... Quero falar isso para reconstruir, não para destruir, porque não imagino o Brasil sem o Senado, embora alguns defendam que ele não deveria existir. Isso seria a morte da democracia federativa no Brasil. Antes, como disse Mão Santa, era o Senado e o povo; hoje não falamos no povo na hora de fazer as leis.

E fazemos o quê?

De um lado são as medidas provisórias do Poder Executivo; do outro, são as liminares judiciais. A gente só faz cumprir. A gente não exerce o poder, Senador Tião, no alto da sua posição de Presidente. A gente não exerce o poder de Casa do povo. Por um lado, podem ser deficiências, deformações da Constituição. Mas não é isso. É que não encontramos o rumo claro de como exercer o nosso poder. E essa falta do exercício claro do nosso poder, com sensibilidade para os problemas sociais do povo e com responsabilidade ética para o exercício da política, vai fazer de nós os pais do autoritarismo, da autocracia, que vai receber um dia o apoio do povo se a gente não mudar. Mas, felizmente, ainda é tempo de mudar.

Encerro o meu tempo de falar, Sr. Presidente, mas espero que este assunto não morra, que voltemos a discutir como fazer para que não sejamos os coveiros da democracia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2007 - Página 41803