Discurso durante a 211ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso do Dia da Bandeira, hoje, 19 de novembro, e reflexão sobre o seu significado.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SIMBOLOS NACIONAIS.:
  • Homenagem pelo transcurso do Dia da Bandeira, hoje, 19 de novembro, e reflexão sobre o seu significado.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2007 - Página 41032
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SIMBOLOS NACIONAIS.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, BANDEIRA, DETALHAMENTO, SIMBOLO, COR, DEFINIÇÃO, RIQUEZAS, BRASIL, CONTRADIÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, DESTRUIÇÃO, QUEIMADA, FLORESTA, EXTRAVIO, OURO, DEMONSTRAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, POLITICO, INICIO, REPUBLICA, AUTOR, PROJETO, INSCRIÇÃO, PALAVRA, IMPOSSIBILIDADE, ENTENDIMENTO, MAIORIA, POPULAÇÃO, ANALFABETO.
  • QUESTIONAMENTO, INEXISTENCIA, PALAVRA, EDUCAÇÃO, COMPOSIÇÃO, BANDEIRA NACIONAL, DEFESA, AMPLIAÇÃO, DIMENSÃO, SIMBOLOS NACIONAIS, GARANTIA, ORDEM, PROGRESSO, IGUALDADE, DIREITOS, OPORTUNIDADE, AUSENCIA, AUTORITARISMO.
  • COMPROVAÇÃO, REDUÇÃO, PATRIOTISMO, PAIS, COMPARAÇÃO, ANTERIORIDADE.
  • ANALISE, NECESSIDADE, SOLIDARIEDADE, IGUALDADE, EDUCAÇÃO, JUSTIÇA, REFORÇO, SOBERANIA NACIONAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, antes de vir para cá, Presidente, eu estava preocupado, achando que iria falar de um tema que não tem tanto a ver com os interesses dos dias de hoje neste País. Não vinha falar da CPMF, não vinha falar do caso Senador Renan, não vinha falar da Venezuela, não vinha falar da Bolívia, não vinha falar de ética; enfim, eu não vinha falar de nenhum desses problemas que tomam conta do imaginário deste Senado. Nada disso! Eu me perguntei: será que vou fazer um discurso extemporâneo, estratosférico, um discurso de extraterrestre? Até que diminuiu o meu receio ao ouvir os dois discursos anteriores falando sobre educação.

Mas hoje, Presidente, venho falar de algo que não se está dando importância no dia-a-dia deste País. E algo que eu lembro muito bem de que, quando eu era criança, nesse dia, parávamos tudo para falar deste assunto que é a Bandeira do Brasil. Hoje a gente nem lembra que o dia 19 de novembro é o dia reservado à bandeira. Quatro dias apenas depois da Proclamação da República, o Brasil escolheu a sua bandeira republicana, e esse virou um dia nacional.

Não um feriado.

Eu vim temendo falar de algo que possa parecer extraterrestre no Brasil de hoje, onde todos se preocupam com coisas que parecem importantes. E a bandeira ficou para trás.

Vim falar de como essa bandeira pode simbolizar o futuro do País e como pode ser o símbolo das coisas erradas que estamos fazendo. Senador Papaléo, começa pelas cores.

Escolhemos o verde porque eram as florestas; o amarelo porque era o ouro; o azul porque era o céu. Mas onde está o verde hoje nas florestas brasileiras? Se a gente fosse ser fiel, uma parte do azul deveria representar queimadas das nossas florestas. Depois de essa bandeira já estar autorizada, a Mata Atlântica foi destruída - e só tem 3%; e a nossa mata amazônica vem sendo destruída. E o amarelo? O que ficou do ouro que a gente tinha e que foi embora em grande parte, até antes mesmo da República, para financiar as obras em Portugal e, sobretudo, o desenvolvimento da indústria inglesa? Não ficou ouro; não ficou verde.

Vamos falar com franqueza: o que ficou do azul do nosso céu, coberto pela fuligem da constante depredação ambiental deste País? Hoje, o verde é queimado; o amarelo do ouro não existe; e o azul está coberto pela fuligem das chaminés descuidadas das nossas indústrias.

Mas quero falar de outra coisa, eu quero falar de algo que é único quase em todo o mundo, que é o fato de, na nossa bandeira, termos um texto escrito.

Que eu saiba, Sr. Presidente, só há três países que possuem em suas bandeiras textos escritos. Falo de um pequeno país da América Central, chamado Belize, que tem um texto em Latim, e de dois países muçulmanos que colocaram em suas bandeiras frases retiradas do Corão. Salvo esses, só o Brasil.

Os países que colocaram em seu símbolo nacional palavras vindas do Corão o fizeram por razões religiosas. Nós colocamos em nosso bandeira as palavras “ordem e progresso” também por uma religião chamada positivista, desenvolvida por um filósofo chamado Augusto Comte, que transformou a própria filosofia em uma religião. Até hoje há igrejas positivistas, pelo menos uma no Brasil.

Mas o que quero chamar a atenção aqui é de que estas duas palavras, “ordem e progresso”, que estão na nossa bandeira, de acordo com a idéia inicial, deveriam ser três: amor, ordem e progresso. Os republicanos não quiseram escrever três palavras porque ocuparia muito espaço e deixaram “ordem e progresso.”

Agora, Senador Papaléo Paes, os republicanos brasileiros, quando fizeram essa bandeira para representar o Brasil inteiro, eles sabiam que neste nosso País 65% eram de analfabetos; e colocaram um texto escrito na bandeira! Vejam que desprezo ao povo! Uma bandeira que deveria representar todo o País, só era compreensível para 35% da população!

Uma bandeira feita para uma república elitista, que diz que a bandeira é só para nós; os analfabetos não precisam reconhecê-la. Pouca gente sabe ou presta atenção nisso, mas, para uma pessoa analfabeta, se misturarem as letras do “ordem e progresso”, continua sendo a Bandeira brasileira; se colocarem de cabeça para baixo as letras, continua sendo ordem e progresso; se escreverem “desordem e atraso”, continuaria sendo a Bandeira do Brasil.

Sessenta e cinco por cento eram analfabetos! Que republicanos elitistas foram esses!? Agora, vamos fazer o mea culpa. Nenhum de nós era vivo naquela época. E de lá para cá? De lá para cá, quase 120 anos de República, foi possível baixar a percentagem de 65% para 13%, mas o número de analfabetos mais que dobrou. Esta é uma república que escreveu um texto na sua bandeira e esqueceu-se de ensinar ao povo a reconhecê-la, porque despreza o povo. O povo não importa na República brasileira; só a elite. É uma república de aristocratas, de excelências, de doutores, de engravatados, de ricos, de quem sabe ler e é capaz de reconhecer a bandeira.

Os nossos republicanos passaram horas e horas e horas para definir a nossa bandeira, discutindo em que lugar colocar cada estrelinha, porque cada uma dessas estrelas tem um lugar certo e representa o céu do Brasil no dia 15 de novembro. Horas discutindo onde colocá-las, até porque não havia GPS ou grandes telescópios. Nenhum deles perdeu tempo discutindo se era correto escrever um texto em um País de analfabetos e nenhum deles lembrou as palavras ausentes.

Por que, nessa bandeira onde se escreveu “ordem e progresso”, cujo aniversário comemoramos hoje, não se escreveu “solidariedade”?

Não está escrito “solidariedade.” Está escrito “ordem e progresso”. E a solidariedade nacional, a solidariedade entre as pessoas deste País, a solidariedade entre as classes não era tão importante quanto ordem e progresso? Mas não foi incluída. Não escrevemos o “amor” que estava na própria consígnia de Augusto Comte, que recomendava que todas as bandeiras o incluíssem. Não colocamos “soberania.” Tanto não o fizemos que a nossa bandeira foi, de certa maneira, importada filosoficamente de um autor estrangeiro. Não colocamos “igualdade.” Fizemos uma bandeira mais de cem anos depois da Revolução Francesa, e a palavra igualdade não entrou, nem a palavra fraternidade.

Por que nossa elite se preocupou apenas com ordem e progresso? Porque queria manter a população pobre sob ordem e a população rica beneficiada do progresso. Essa é a verdade. Por isso, “ordem e progresso.” Ordem para os pobres não se manifestarem, não fazerem revolução, e progresso para os ricos aumentarem seu consumo, seu benefício. Não colocamos na nossa bandeira a palavra “emancipação.” Não entrou “emancipação”. Não entrou a palavra “natureza”, e, sim, as cores verde, amarelo e azul, que foram vilipendiadas, abandonadas e desprezadas, passando a representar a natureza do passado. Não colocamos “amor à natureza”, “respeito às florestas.” Não colocamos “solidariedade aos irmãos brasileiros.”

E a gente não colocou, sobretudo, a idéia de que o progresso está na educação.

Por isso, Sr. Presidente, sem saber até se isso é regimental ou não, quero mostrar aqui uma bandeira igual às duas mil bandeiras que eu vi hoje na frente do Congresso. É a Bandeira do Brasil, mas, no lugar de “Ordem e Progresso”, está escrito “Educação é Progresso.” Eu não sei se o telespectador lá longe vai conseguir saber que aqui o termo é outro, um dos termos. Não sei se essa juventude que está aqui assistindo a esta sessão, vinda de todo o Brasil, como eu soube nos corredores, vai conseguir ler. Certamente não, mas aqui está escrito “Educação é Progresso.”

Não estou propondo, absolutamente, mudar a bandeira com a qual eu nasci, mas estou propondo, sim, acrescentar uma nova dimensão ao espírito da bandeira: a educação, que é a única forma de se casar ordem com progresso sem autoritarismo. Ordem e progresso só se juntam se você distribuir o progresso; aí, a ordem se mantém. Ou se você fizer uma ditadura sem distribuir o progresso; aí, consegue-se manter a ordem. Além de distribuir o progresso ou realizar um regime autoritário, a única forma de manter ordem e progresso casados, as duas palavras, é você ter um processo radical de educação que iguale as pessoas, que iguale os direitos, que iguale as oportunidades que as pessoas têm de crescer ou não na vida conforme o seu talento, a sua persistência, a sua vocação, e não conforme a renda da sua família, conforme a cidade onde vive.

É uma pena que os nossos Republicanos de 1889, que desenharam a bandeira, não tenham pensado - como hoje ficaram aqui na frente do Congresso duas mil dessas pequenas bandeiras - na possibilidade de colocar “Educação é Progresso”, no lugar de “Ordem e Progresso.” Então, é uma pena que eles e todos nós que o sucedemos não tenhamos pensado em colocar educação como forma de construir ordem e progresso na democracia; ordem e progresso distribuídos, garantidos para todos.

Hoje, o Dia da Bandeira já não é mais comemorado como quando eu era criança. É possível até que, nos dias de hoje, seja considerado saudosismo, conservadorismo. É capaz de ser considerado algo antiquado, caduco, velho vir aqui falar de bandeira, quando coisas tão importantes como CPMF, mensalão, corrupção, cassação, Venezuela, Bolívia, Chávez, Evo Morales, assuntos que dominam aqui todos os dias os nossos discursos... É capaz de a bandeira ser uma coisa muito menor do que esses grandes temas que nós discutimos todos os dias. Mas, saudosista como eu devo ser, e patriota como não tenho dúvida de que sou, não podia deixar de vir aqui trazer essa dimensão no dia de hoje: o Dia da Bandeira.

Não é apenas no gesto de um patriotismo chauvinista, de ficar falando apenas que essa é a bandeira mais bonita do Brasil. Não!

Falar do que representava essa bandeira no momento em que foi criada e como ela é hoje na realidade do nosso País. O que ela representava quando foi criada, do ponto de vista positivo: a lembrança à natureza, às florestas, ao céu, ao ouro, às minas. E a coisa negativa: escrever um texto em um País onde 65% não sabiam ler. Essa foi a maldade da elite brasileira! Essa foi a maldade da elite republicana, que nem fez a Abolição da Escravatura, realizada um ano antes.

E essa elite se esqueceu não apenas de ensinar o povo a ler, mas de incluir estas outras palavras ausentes na nossa Bandeira: a palavra “fraternidade”, a palavra “respeito à nossa natureza”, a palavra “soberania”, a palavra “igualdade” e, sobretudo, a palavra “educação.” É o único caminho para a gente ter uma bandeira fiel ao que nela está escrito, de uma maneira democrática, casando ordem e progresso; que ela seja capaz de ensinar às nossas crianças a respeitar o verde e não destruí-lo, como nós, da nossa geração e das anteriores, o fizemos; a respeitar o ouro, usando-o para benefício nosso e não mandando-o embora - o que a gente corre o sério risco de fazer agora com o petróleo que está sendo descoberto; virar um ouro espalhado pelo resto do mundo, queimando e poluindo a natureza, e deixando quase nada de benefício à nossa população mais pobre.

Vim aqui, Sr. Presidente, fazer essa saudosista e patriótica referência à nossa Bandeira, mas com uma reflexão pesarosa e, ao mesmo tempo, esperançosa, já que vi duas mil pequenas bandeiras hoje aqui na frente, Senador Alvaro Dias, dizendo “Educação é Progresso.” Se a gente praticasse isso, pelo menos com o espírito da bandeira, hoje todos seriam capazes de reconhecê-la, porque todos seriam alfabetizados. Num País de analfabetos, ter um texto escrito é não querer uma bandeira para todos.

Recebi um pedido de aparte do Senador Suplicy e, para mim, um aparte dele é obviamente uma honra. Por isso, passo a palavra ao Senador Suplicy, cujo aparte certamente vai me corrigir em alguns pontos ou vai enriquecer, certamente, a minha fala.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, ao ouvir V. Exª falar sobre o Dia da Bandeira e sobre a Bandeira do Brasil, eu me recordo de uma sugestão feita a mim pelo nosso querido amigo comum, publicitário que tantas coisas boas criou neste País, inclusive para nós, do Partido dos Trabalhadores - V. Exª era nosso companheiro. Eu me refiro ao Carlito Maia, que era amigo também de V. Exª. Certo dia ele me disse: “Eduardo, seria bom você tomar a iniciativa de propor que a Bandeira brasileira trouxesse o que era a sua inscrição original, pensada pelos que a criaram: “Amor, Ordem e Progresso.” A peça Os Sertões acaba de ser encenada em Quixeramobim, a terra de Antônio Maciel, o Conselheiro; mais de novecentas pessoas lotaram o teatro da cidade para, por cinco dias, assistirem à peça. Não pude ir a Quixeramobim ver o espetáculo, mas acabo de ter notícias de que, num dos episódios da peça, entram os atores de Os Sertões com uma faixa dizendo “Amor, Ordem e Progresso” - era o final do século XIX, e essa era a proposta. Então há uma cena em que vem alguém e corta, com a espada, a palavra “Amor”, que ficou faltando na nossa Bandeira. Macalé, grande músico brasileiro, tem defendido, inclusive por meio de sua música, que a proposta seja considerada seriamente pelo Congresso Nacional. O Deputado Chico Alencar apresentou proposta nessa direção. Eu aqui coloco um pensamento alto para V. Exª: será que não estaríamos nós melhor se considerássemos aquilo que foi pensado originalmente? V. Exª sabe que a expressão “Ordem e Progresso” teve sua origem no Positivismo, mas a inscrição original era “Amor, Ordem e Progresso.” Houve quem pensasse que a palavra “amor” poderia significar algo inadequado. Será que não seria bom considerarmos essa sugestão para que o nosso País viesse a ter ações mais no sentido da fraternidade e do amor entre as pessoas? É a reflexão que faço no dia em que V. Exª homenageia a nossa Bandeira, que está logo ali atrás e aqui, em nosso Senado Federal.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, agradeço a lembrança do Carlito. De fato, ele defendia isso, mas Darcy Ribeiro também.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mais um bom nome!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade.

Na origem estava o que os positivistas defendiam, que era: “Amor por princípio, ordem por base e o progresso por objetivo.”

Confesso que, para mim, seria muito difícil propor qualquer mudança, para mim a bandeira é essa. Contudo, Senador Eduardo Suplicy, eu me contentaria se todo mundo soubesse ler o que está escrito na bandeira. Que seja “amor, ordem e progresso”, mas que saibam ler, que reconheçam que aquela “ordem” que está nas letras é pelo menos tão importante quanto a posição em que estão as estrelas.

Mas os nossos republicanos se preocuparam com a posição das estrelas para representar o céu do Brasil naquele dia, não se preocuparam em fazer com que o povo entendesse a ordem na qual as letras apareciam, que as pessoas pudessem ler.

Faltam muitas palavras aí. Além do amor, falta ética, falta justiça, falta igualdade, falta soberania, falta emancipação. Mas não vamos encher a bandeira, transformando-a num quadro negro, como se fosse a bandeira dos professores. Que fique “Ordem e Progresso”, mas que, pelo menos, todo mundo seja capaz de ler o que está escrito nela. Para isso, não seria preciso mudar a bandeira, mas trazer para o seu espírito a idéia dessas pequenas bandeirinhas que hoje estavam na frente do Congresso dizendo: “Educação é Progresso.”

O SR. PRESIDENTE (João Pedro. Bloco/PT - AM) - V. Exª já encerrou?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Encerrei.

O SR. PRESIDENTE (João Pedro. Bloco/PT - AM) - Se V. Exª quiser, tem mais tempo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não. Estou satisfeito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2007 - Página 41032