O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Srªs e Srs. Senadores, quero, nesta tarde, abordar, no tempo que me é concedido, pelo menos três temas. O primeiro está relacionado ao pronunciamento aqui já feito anteriormente pelo Senador Flexa Ribeiro, do Estado do Pará, tratando de um crime, de um atentado aos direitos humanos. Revoltante, hediondo, triste, intolerável e humilhante o que se passou na cadeia de Abaetetuba, cidade do meu Estado que tem uma população honrada e trabalhadora e que não se confunde com os autores do indigno ato de violência cometido contra uma jovem cidadã que se achava detida na cadeia pública, sob a guarda de agentes da lei.

Foi um dos mais graves atentados aos direitos humanos ocorridos no Estado do Pará. É com tristeza e revolta que subo a esta tribuna para falar de mais um caso de violação dos direitos humanos, dos direitos inalienáveis da pessoa humana.

A jovem adolescente ficou detida durante um mês em uma cela da cadeia de Abaetetuba, juntamente com os demais detentos, onde teria sofrido toda sorte de humilhação, privação e violência sexual.

Quero lembrar que o Estado tem responsabilidade nesse caso, pois deveria oferecer espaço em instituição especial para mulheres, adolescentes e meninas em caso de detenção ou internação sob ordem judicial ou sob qualquer outra circunstância.

O fato é que o Estado do Pará não oferece condições dignas para o atendimento da população carcerária, que se vê privada dos mais elementares direitos de cidadania. Que esse grave e triste episódio sirva de alerta para uma tomada de decisão quanto à melhoria das condições da população carcerária no Estado do Pará.

O aparato policial do Estado do Pará necessita, como aliás necessita as polícias de todo o Brasil, observar os direitos mais elementares da cidadania e, principalmente, os direitos humanos.

Espero que o assunto não caia no esquecimento e que haja uma rápida apuração dessa denúncia. Abaetetuba, o Pará e toda a Nação brasileira, além de repudiarem esse hediondo crime, querem ver, na prática, a punição dos responsáveis envolvidos com esse episódio de violação dos direitos humanos.

Ontem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomei a iniciativa de enviar carta à Governadora Ana Júlia Carepa, denunciando o atentado de tal natureza que causa indignação à população brasileira e, em especial, à população do Pará, pedindo todas as providências urgentes e necessárias para que esse fato não seja mais um na longa escalada da violência contra o povo pobre e oprimido do Pará. E que, a bem da verdade, não é uma violência apenas de hoje; é uma violência perpetrada historicamente contra trabalhadores rurais. Há um acúmulo de histórias relacionadas a massacres contra os trabalhadores rurais, constatação de trabalho infantil, bem como toda a sorte de violação dos direitos humanos ao longo da nossa história.

Acreditamos e queremos que a administração da Governadora Ana Júlia tome todas as providências, inclusive para se diferenciar, justamente em relação aos governos que a antecederam e que não apuraram adequadamente os casos de violação de direitos humanos, tentaram, de todas as formas, impedir a sua livre apuração. Vide a situação que envolve o massacre de Eldorado dos Carajás, em que a maioria dos que perpetraram aquele crime ficaram até hoje impunes, inclusive os seus mandantes. Portanto, esperamos, em relação a esse fato, a mais absoluta urgência com pronunciamentos e atitudes do governo do Estado do Pará, no sentido de que a população tenha a certeza de que haverá punição. Muito mais: atitudes enérgicas servirão para impedir que fatos dessa natureza se repitam no Estado do Pará.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Município de Abaetetuba, onde moro e onde trabalho há muitos anos, tendo exercido inclusive o honroso cargo de vereador do Município de Abaetetuba, não há só violência, tristeza ou indignação.

Queria, meus caros Senadores, também colegas do Estado do Pará, Senador Flexa Ribeiro, Senador Mário Couto, fazer referência, nesta tarde, a importante evento religioso que se realizará no próximo domingo. Trata-se do Círio de Nossa Senhora da Conceição.

Há pouco mais de um mês, vim a esta tribuna para homenagear aquela que é, certamente, uma das maiores e mais singulares manifestações religiosas e culturais do povo da Amazônia: o Círio de Nazaré. Em meados de outubro, ouve-se falar, Brasil afora, dessa grande festa, que se realiza todos os anos na cidade de Belém do Pará e que reúne mais de dois milhões de pessoas todos os anos, entre fiéis, seguidores ou simplesmente admiradores desse impressionante e maravilhoso evento que marca o calendário paraense e amazônico.

Hoje, entretanto, quero prestar a minha homenagem a evento semelhante, muito menor, claro, em suas dimensões numéricas, mas igualmente grandioso, fervoroso e relevante para o povo do Pará. Trata-se do Círio de Nossa Senhora da Conceição, que acontece no próximo domingo, dia 25 de novembro, no Município de Abaetetuba, minha cidade do coração, onde, por três mandatos seguidos, tive a honra e a alegria de representar o povo abaetetubense naquela Câmara Municipal.

Este ano, teremos a alegria de participar da 95ª edição dessa belíssima festa religiosa, que atrai fiéis de toda a região do baixo Tocantins e cujo tema central é: “Da Igreja que somos à Igreja que Cristo quer”. O Círio começa na noite de sábado, com a trasladação da imagem de Nossa Senhora da Conceição que, ao longo de todo o ano, fica na Catedral da cidade, para a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro do Algodoal.

Do dia 25 até o encerramento, no dia 8 de dezembro, a cidade de Abaetetuba, e mais especificamente a Praça Matriz da cidade, será palco de uma extensa programação que inclui desde arraiais festivos, com exposição dos tradicionais brinquedos de miriti, símbolos do Círio e da cultura local, romarias, novenas e outros eventos religiosos dedicados à devoção de Nossa Senhora da Conceição.

A primeira imagem de Nossa Senhora da Conceição chegou ao município de Abaetetuba ainda no final do século XVIII. Surpreendido por uma tempestade, quando cruzava a região, o português Dom Francisco Azevedo Monteiro rezou para Nossa Senhora da Conceição e alcançou a graça de chegar são e salvo ao local que hoje é o município de Abaetetuba. De volta para Lisboa, mandou fazer uma imagem de N. S. da Conceição esculpida em cedro mogno da Amazônia e adquiriu, junto à Coroa, a área do atual município de Abaetetuba. Voltou ao Brasil e construiu uma pequena capela em homenagem à Maria. Desde então, enfermos de todas as vilas vizinhas passaram a fazer romarias até Abaetetuba em busca de alívio e atribuíram grande número de milagres à padroeira.

Dessa forma, senhoras e senhores Senadores, é de se notar a forma como a história da Festividade de N. S. da Conceição se funde á própria história de Abaetetuba. Um município que é, atualmente, o sexto mais populoso do Pará, com mais de 130 mil habitantes e que se criou e se fortaleceu sob a égide e as bênçãos de N. S. da Conceição.

Por isso, Sr. Presidente, quero aqui deixar o meu caloroso, fraternal e sincero abraço a todos os meus “conterrâneos” do coração, os cidadãos de Abaetetuba, na certeza de que as festividades do 95º Círio de Nossa Senhora da Conceição serão coroadas de todo êxito, iluminadas pela fé, pela devoção e pela alegria do povo de Abaetetuba, apesar, Sr. Presidente, dos graves problemas das denúncias que envolvem a violação dos direitos humanos. Mas isso não pode tirar do nosso povo a possibilidade de celebrar a vida, a sua fé naquele que é um dos mais importantes eventos religiosos do Baixo Tocantins.

Externo meu abraço e minhas congratulações a todos os organizadores da festa: o Bispo da Diocese de Abaetetuba, Dom Flávio Giovenale; o Pároco, Padre Mariano, da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, e o Padre João Alves, Coordenador da Pastoral de Comunicação da Diocese de Abaetetuba.

Ouço o aparte do Senador João Pedro, do Estado do Amazonas.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Vizinho do Estado do Pará.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Com muito orgulho.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Colado. Senador Nery, eu quero externar minha opinião no sentido de registrar minha indignação, como V. Exª registrou, como também outros Senadores já o fizeram, acerca desse episódio em Abaetetuba, envolvendo uma mulher, envolvendo a mulher brasileira.

Eu penso que é um simbolismo a presença da mulher, mas, acima de tudo, da Justiça brasileira e das instituições. Na primeira parte do seu pronunciamento, V. Exª pede providências à Governadora Ana Júlia. Quero assinar também o requerimento. Na realidade, a Governadora deve afastar o delegado. Estamos falando de uma instituição que tem um delegado concursado. Como um delegado concursado, uma pessoa formada, deixa acontecer algo assim em Abaetetuba, um município importante, onde as instituições funcionam, que está entre os principais, colado com um centro político, Belém? É preciso punir, sim, os culpados por essa violência, por esse desrespeito à dignidade humana, à mulher. Penso que o delegado, ou melhor, a instituição Polícia Militar não pode deixar de assumir a culpabilidade diante dos fatos. Quero me congratular com V. Exª e parabenizá-lo pelas providências que está tomando e pedir nesta fala, neste aparte, providências à Governadora.

É preciso afastar o delegado. É preciso apurar a participação da polícia nesse episódio que indignou o Brasil todo, que conhece os fatos desde domingo. Então, quero assinar o requerimento e dizer da justeza de V. Exª ao pedir, como Senador da República, como um filho dessa região, que tem compromisso com a cidade de Abaetetuba, a apuração rigorosa desse fato, tendo em vista esse desrespeito à figura da mulher brasileira.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Senador João Pedro, agradeço-lhe o aparte e o incorporo ao meu pronunciamento pela justeza de V. Exª se somar a essa denúncia e à exigência da devida apuração do fato e punição dos culpados.

Queria assinalar que alguns setores da polícia tentam minorar o fato dizendo que não se trata de uma adolescente. Ora, seja adolescente, seja uma mulher adulta, uma vez detida pelas autoridades policiais para investigação da denúncia de um crime de furto, ela merece o respeito das autoridades policiais e, primeiro, o respeito à lei, à dignidade humana. É inaceitável que queiram minorar essa situação pelo fato de dizerem agora que não se trata de uma adolescente, Senador Demóstenes Torres, mas de uma mulher com dezenove anos de idade. Independentemente disso, o crime contra os direitos humanos está claramente identificado e merece toda a punição que a situação requer.

Se o presidente me permitir, vou conceder um aparte ao nobre Senador Demóstenes Torres. 

O Sr. Demóstenes Torres (DEM - GO) - Senador José Nery, é de um absurdo extraordinário o que aconteceu. Não é só uma ofensa à dignidade humana. É uma ofensa a todo o ordenamento jurídico, a tudo o que acontece no mundo. A história de ser menor ou maior, de ser uma pessoa com vida discreta ou vida dissoluta, isso já foi discutido no Brasil na década de 40. Quando o novo Código Penal entrou em vigor se discutia se a prostituta poderia ser estuprada. Chegou-se à conclusão que sim, que qualquer mulher pode ser estuprada bastando que se use a força. Encarcerar qualquer pessoa do sexo feminino junto com outra do sexo masculino em uma mesma cela é algo de mais absurdo que já vi. Não vou dizer que a ex-Senadora e atual Governadora Ana Júlia Carepa tenha responsabilidade nisso - o governador muitas vezes não sabe o que está acontecendo -, mas a providência tem que ser imediata, tem que ser dura, tem que ser segura, forte. Cabe a nós, sim, cobrar da ex-Senadora, nossa ex-colega, que tome imediatamente providências: o afastamento do delegado e talvez até do chefe de polícia. É algo que deve acontecer imediatamente. A atitude dura da Governadora Ana Júlia vai demonstrar que ela não compactua com essa monstruosidade que foi cometida. Isso é uma monstruosidade, isso é uma anomalia, que não podemos tolerar. A lei tem que ser observada em qualquer circunstância. Por mais duro que sejamos, a lei é o limite de tudo. E nós não podemos admitir, Senador Nery, e tenho certeza de que V. Exª está nessa direção, que fatos como esse se repitam no Brasil. Isso é algo que vai gerar, com certeza, uma investigação internacional e com toda a razão. O Brasil já tem uma série de dificuldades nesse campo, é um País que continua infelizmente violando os direitos humanos de forma sistemática, mas nós temos lutado para que isso não aconteça. Nesse episódio, o País vai pagar pela intolerância, pela desfaçatez, de um agente público que tinha a obrigação de velar pela dignidade dessa pessoa. Daí, Senador Nery, quero deixar aqui as minhas palavras de solidariedade a V. Exª e ao Senador Mão Santa, que levantaram a questão, porque no Brasil nós não podemos mais tolerar práticas medievais. É isso Senador Nery.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senador Nery, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Queria conceder o aparte à Senador Fátima Cleide, com a permissão do Sr. Presidente, que sempre é condescendente, sempre tenho sua tolerância quando estou na tribuna e ele preside a Mesa.

Sei que ele me concederá mais tempo, mas eu queria, rapidamente, comentar o aparte do Senador Demóstenes Torres.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - A Presidência vai permitir o aparte da Senadora Fátima Cleide e pedir a colaboração de S. Exª, já que outros Senadores estão ansiosos para ocupar a tribuna.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Comentando o aparte do Senador Demóstenes, devo dizer que realmente querem, de ontem para cá, minorar o fato com a afirmação de que não se trata de uma adolescente, mas de uma pessoa que tem um histórico policial e já teria comparecido, por conta de denúncias de furtos em outras ocasiões, à delegacia local. Mas, como V. Exª mesmo disse, e esse é o nosso entendimento, nada justifica um procedimento acima dos ditames legais e principalmente contra os mesmos.

Portanto, por uma questão de justiça, digo que temos a convicção de que a Governadora Ana Júlia tomará todas as providências, porque fizemos o pedido nesse sentido e porque sei também da história de luta pela defesa dos direitos humanos da ex-Senadora e hoje Governadora Ana Júlia. Tenho certeza de que S. Exª não permitirá, de forma alguma, que atos dessa natureza continuem a acontecer no Estado do Pará. Também o Brasil deverá tomar conhecimento das medidas que tenham por objetivo punir exemplarmente todos os culpados, inclusive em relação a outros fatos que posteriormente abordarei, que tratam da tortura nas delegacias de polícia em nosso País. É um tema de que, posteriormente, pretendo tratar, porque constitui crime contra os direitos humanos o fato de o Estado que tem sob sua custódia brasileiros que cometeram algum delito praticar torturas para, inclusive, instruir o processo de investigação.

Concedo um aparte à Senadora Fátima Cleide.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Serei breve, Senador José Nery. Desejo apenas solidarizar-me com V. Exª em seu pronunciamento e aqui concordar com as palavras do Senador Demóstenes de que é inadmissível neste País que qualquer mulher, seja ela menor ou maior de idade, seja colocada numa situação dessas, numa cela com vinte homens. Independente da questão de idade, isso é inadmissível. Eu queria dizer ao senhor que já entrei em contato com pessoas do Governo do Estado do Pará que me disseram da reação da nossa companheira, Governadora Ana Júlia Carepa. No momento que soube, sua reação foi a de imediatamente afastar o responsável por essa situação e mandar apurar o fato. Então, eu quero me solidarizar e dizer que também sou solidária no requerimento que V. Exª propõe no sentido de que tudo seja apurado, porque esse tipo de coisa não é permitido acontecer na nossa sociedade pela legislação e pela nossa visão e concepção ética de respeito aos direitos humanos. Então, soube de uma coisa que também carece de investigação. O delegado teria solicitado a um juiz, à Justiça, autorização para transferir a moça daquele local, porque não tinha outro local na cidade, e não teve nenhum posicionamento por parte da Justiça. Então, isto também é muito grave. A Justiça precisa ser o mais célere possível, não é? Precisa ter maior agilidade, maior celeridade nas suas atribuições, para que casos desse tipo não venham acontecer. Só para concluir, Sr. Presidente, agradecendo, quero dizer que é possível que se averigúe tudo o que ocorreu de fato com relação àquilo que é da autoridade executiva e também da responsabilidade da autoridade judicial. Muito obrigada. Minha solidariedade a V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Obrigado, Senadora Fátima Cleide. Suas considerações só nos ajudam a reforçar a luta para combater qualquer tipo de violência que envolva qualquer brasileiro ou brasileira. Nesse caso específico, há a urgência da apuração, porque esse fato se tornou nacional com repercussão internacional. Portanto, as autoridades brasileiras, em especial as do Governo do Pará, precisam efetivamente responder à altura dessa grave denúncia.

Por último, Sr. Presidente, para encerrar o meu pronunciamento, eu queria reportar-me ao fato de ontem ter sido o Dia da Consciência Negra, visando homenagear Zumbi do Palmares, o mais importante líder da resistência negra em nosso País. Como não tive a oportunidade de me pronunciar ontem, desejo passar a V. Exª a solicitação de publicação do pronunciamento em que homenageio a luta de Zumbi dos Palmares e de todos aqueles e aquelas que se dedicam com coragem e determinação à afirmação de práticas que garantam a construção em nossa Pátria de um País multicultural, pluriétnico, e que avancemos na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, sem discriminação de qualquer natureza, sem discriminação ético-racial, para que possamos nos orgulhar de ser um País livre, soberano e democrata.

Um grande abraço e muito obrigado.