Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referências à Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Defesa de melhorias no atendimento às detentas. (como Líder)

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.:
  • Referências à Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Defesa de melhorias no atendimento às detentas. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2007 - Página 42222
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, SERYS SLHESSARENKO, SENADOR, POPULAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), HOMICIDIO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT).
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, AMBITO INTERNACIONAL, EXTINÇÃO, VIOLENCIA, MULHER, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, IMPORTANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, BRASIL, LEI FEDERAL, GARANTIA, PROTEÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEMONSTRAÇÃO, VIOLENCIA, MULHER, COMPROMETIMENTO, FAMILIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, VIOLAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, DISCRIMINAÇÃO, MULHER, SOLICITAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, EMPENHO, PARCERIA, GOVERNO FEDERAL, REVISÃO, ESTABELECIMENTO PENAL, MELHORIA, QUALIDADE, PRESIDIO, GARANTIA, DIGNIDADE, PRESO.
  • COMENTARIO, DISCURSO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONFERENCIA NACIONAL, FEMINISMO, EXISTENCIA, VERBA, DESTINAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria, nesta tarde, de manifestar minha solidariedade à Senadora Serys Slhessarenko e ao povo de Mato Grosso pelo triste episódio que resultou no assassinato dos três professores da Universidade Federal de Mato Grosso.

Mas, Sr. Presidente, a exemplo do que já fez hoje à tarde a Senadora Serys, registrando aqui a passagem da sessão solene, nesta manhã, na Câmara dos Deputados, como um dos eventos da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, também faço questão de me manifestar nesta tarde, até porque, nesta mesma semana, no Senado Federal, ouvimos dizer que não há o que comemorar. E realmente consideramos que há muito o que fazer para que possamos efetivamente comemorar com louvor o fim da violência contra a mulher.

A Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres é uma manifestação que movimenta mulheres e homens em 135 países; e, no Brasil, não poderíamos deixar de participar. É uma campanha que estimula a sociedade brasileira a se envolver no compromisso de respeito aos direitos humanos.

Este ano, o tema central é a implementação da Lei Maria da Penha, e uma das datas que marca o período da campanha é o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher, o dia 25 de novembro, instituído para lembrar, protestar, mobilizar a sociedade brasileira contra a violência praticada às mulheres de todas as raças, idades, condição social, nacionalidades.

A violência, Sr. Presidente, afeta não apenas o núcleo familiar, mas também a economia. Segundo a ONU, compromete 14,6% do Produto Interno Bruto na América Latina, e, no Brasil, custa 10,5% do PIB. Portanto, esse é um assunto da maior importância, e a Campanha 16 dias de Ativismo, que se realiza há 17 anos, tem um significado enorme em nossa sociedade, sem falar que tem contribuído para que as políticas públicas sejam modificadas, no sentido de adotarem mecanismos que possam contribuir para a erradicação da violência praticada contra as mulheres.

A partir do caso da adolescente de Abaetetuba, no Pará, que veio à tona nos últimos dez dias, abusada sexualmente por presos de uma cadeia pública, fato execrável que envergonha a todos nós, novos rostos desse problema surgiram, e um deles é a tragédia do sistema prisional brasileiro. O sistema, que se revela trágico para todos os encarcerados, reproduz, em relação às mulheres, a desumanidade e o preconceito que afloram aqui fora. Reproduz o abuso sexual e os maus-tratos.

O Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, elaborado por várias entidades e entregue em março deste ano à OEA, revela que, em pelo menos cinco Estados brasileiros, constatou-se a utilização de celas com presos e abusos sexuais. Revela uma infinita escala de violações, todas em desacordo com a Lei de Execuções Penais e com os tratados internacionais firmados pelo Brasil para garantir os direitos da pessoa humana, da dignidade da pessoa encarcerada.

Uma das violações são os inadequados prédios para as presidiárias, a grande maioria, como em meu Estado, locações readaptadas. Não há presídio feminino em Rondônia. Na capital, Porto Velho, existe apenas um espaço vinculado à antiga Central de Polícia, uma espécie de calabouço, construção improvisada que já motivou diversas manifestações de insatisfação por parte das detentas.

Mas, Sr. Presidente, quero aproveitar este tempo que me resta para pedir aos Governadores que se empenhem, em parceria com o Governo Federal, aproveitando a boa vontade política do Presidente Lula, para revertermos essa situação, para que revejam seu sistema prisional penitenciário e sistema prisional policial, a fim de levarmos às presidiárias condições dignas de convivência no ambiente de privação de liberdade.

Também faço um apelo às autoridades judiciais. Diferentemente do que disse há poucos dias um juiz de Mato Grosso do Sul, é preciso que a Justiça se ajuste. No meu Estado, a Presidente do Tribunal de Justiça veio a público para dizer que não há colaboração do Governo Federal. Ora, Srs. Senadores, Sr. Presidente, o Presidente Lula anunciou recentemente, na abertura da 2ª Conferência Nacional de Mulheres, a destinação de R$1 bilhão para o combate à violência. Há recursos públicos, há disposição do Governo Federal. Resta aos Estados disposição para oferecerem projetos e disponibilizarem esses recursos para que se resolva o problema da violência contra a mulher no nosso País. Isso não se resolve apenas com políticas públicas, porque é um problema cultural, mas as políticas públicas podem contribuir, e muito, para que possamos resolver e reverter a cultura da violência; e, em substituição a ela, implantarmos na nossa sociedade a cultura da paz.

Esperamos que as autoridades judiciárias...

(Interrupção do som.)

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - ...cumpram aquilo que determina a Lei Maria da Penha e criem, no âmbito dos Estados, da Justiça Estadual, varas especializadas no atendimento à mulher violentada.

Portanto, Sr. Presidente, este era o registro que eu gostaria de fazer neste dia.

Solicito que meu pronunciamento seja dado como lido na íntegra.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE.

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A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos em plena Campanha 16 dias de Ativismo pelo fim da Violência Contra Mulheres, manifestação que movimenta mulheres e homens em 135 países, e no Brasil não é diferente. Esta pujante campanha estimula a sociedade brasileira a se envolver no compromisso de respeito aos direitos humanos, a considerar que não é normal uma vida de violência. Estimula a sociedade a se informar e entender que uma vida sem violência é um direito das mulheres.

Repito: uma vida sem violência é um direito das mulheres. Esta é a frase adotada pela campanha, para destacar a necessidade de se respeitar sempre os direitos humanos. Este ano, o tema central é a implementação da Lei Maria da Penha, e uma das datas que marcam o período de campanha é o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher, o dia 25 de novembro, instituído para lembrar, protestar e mobilizar a sociedade contra a violência praticada às mulheres de todas as raças, idades, condição social, nacionalidades.

O 25 de novembro, sempre vale rememorar, foi reconhecido em 1999 como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra Mulher, para lembrar o cruel assassinato pela ditadura de Leônidas Trujillo, na República Dominicana, das irmãs Patria, Minerva e Maria Tereza Mirabal, ativistas políticas que se opunham ao regime de opressão estabelecido em seu país.

Toda a história humana, antiga e moderna, remete à condição subjugada a que são submetidas as mulheres, vítimas de conceitos e valores morais ultrapassados. Muito embora as mulheres tenham conquistado direitos civis e liberdades equivalentes aos dos homens - com muita tenacidade, faço questão de registrar -, ainda somos prisioneiras dos costumes. As mulheres vitimadas pela violência o são mais ainda.

A tradição machista, presente em muitos lares brasileiros, não somente afeta a companheira de toda uma vida, mas a alma e a esperança da família, despedaçada pelas agressões verbais, físicas, psicológicas. Patrocinada em sua maioria pelos mais próximos, namorado, companheiro, irmão, pai, marido, padrasto, tio, a violência contra a mulher na família é, segundo a Organização das Nações Unidas, ONU, uma das formas mais insidiosas de violência dirigida à mulher, representando a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo.

A violência não apenas afeta o núcleo familiar. Ainda segundo a ONU, ela compromete 14,6% do Produto Interno Bruto na América Latina, e ao PIB do Brasil custa 10,5%. Portanto, este é um assunto da maior importância, e a Campanha 16 Dias de Ativismo, que se realiza há 17 anos, tem um significado enorme em nossa sociedade. 

Nos últimos dias, Srªs e Srs. Senadores, somos confrontados com histórias de violência contra a mulher dentro das cadeias e presídios. A partir do caso da adolescente de Abaetetuba, no Pará, abusada sexualmente por presos de uma cadeia pública, fato execrável que envergonha a todos nós, novos rostos surgiram nessa tragédia que é o sistema prisional brasileiro.

O sistema, que se revela trágico para todos os encarcerados, reproduz, em relação às mulheres, a desumanidade e o preconceito que afloram aqui fora. Reproduz o abuso sexual e maus-tratos.

A mulher brasileira encarcerada é jovem, mãe solteira, afrodescendente e na maioria dos casos condenada por envolvimento com tráfico de drogas. Este perfil consta do Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, elaborado por várias entidades e entregue em março deste ano à Organização dos Estados Americanos, OEA.

Este documento, base para recente matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, revela que em pelo menos cinco Estados constatou-se a utilização de celas com presos e abusos sexuais. Revela uma infinita escala de violações, todas em desacordo com a Lei de Execuções Penais e com os tratados internacionais firmados pelo Brasil para garantir os direitos da pessoa humana, da dignidade da pessoa encarcerada.

Uma das violações são os inadequados prédios para as presidiárias, a grande maioria locações readaptadas, aproveitadas de espaços públicos desativados. Este é o caso de Rondônia. Não há presídio no Estado. Na Capital, Porto Velho, existe um espaço vinculado à Central de Polícia, uma espécie de calabouço, construção improvisada, e que já motivou diversas manifestações de insatisfação por parte das detentas.

“A inexistência de unidades prisionais para a população feminina gera a escancarada e ampla utilização de cadeias públicas e delegacias de polícia que, embora destinadas e apropriadas para detenções de curto período e em caráter provisório, são recorrentemente utilizadas para cumprimento de penas longas pelas mulheres no Brasil”, afirma o relatório aqui citado.

Isso é da maior gravidade, Srªs e Srs. Senadores.

De modo que, neste dia em que o Congresso Nacional promoveu pela manhã sessão especial para marcar o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, peço a todos os governadores de nossos Estados que se empenhem, em parceria com o governo federal, para revertermos a situação acima descrita. Para que revejam seu sistema prisional penitenciário e sistema prisional policial a fim de levarmos às presidiárias condições dignas de convivência no ambiente de privação de liberdade.

Também faço um outro apelo às autoridades. Trabalhem para que a Lei Maria da Penha seja efetivamente cumprida, em toda sua dimensão. Ela rompe o silêncio, ultrapassa o privado, evidencia uma gravidade que no ponto mais alto é o elevado índice de homicídios praticados contra as mulheres.

O Estado brasileiro vinha se omitindo perante o mundo, Srªs e Srs. Senadores. São muitas as convenções internacionais em que o Brasil tinha se comprometido a adotar leis e políticas públicas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Note-se que até a sanção da Lei Maria da Penha pelo presidente Lula, em 2006, 17 países da América Latina já tinham leis específicas de combate à violência contra a mulher. Por isso, tenho muito orgulho do trabalho feito pelo nosso Governo, pela ministra Nilcea Freire, e por dezenas e dezenas de entidades e organismos públicos que junto com o Executivo construíram a lei 11340.

E o trabalho do governo comandado pelo presidente Lula não se limita à iniciativa legislativa. Políticas públicas exigidas nas convenções internacionais, exigidas por nossas mulheres organizadas, têm sido implementadas. 

A capacitação de profissionais dos sistemas policial e jurídico, a construção de casas abrigo, de centros de referencia de atendimento à mulher, de delegacias, a adoção do monitoramento da violência, a central de atendimento à mulher e muitas outras iniciativas estão acontecendo. 

Infelizmente, as coisas não acontecem como gostaríamos. A transformação causada no aparato policial, com novas rotinas nas delegacias, no corpo jurídico, no seio da família vitimizada, em decorrência da inovadora Lei Maria da Penha, é significativa.

Mas será melhor assimilada se os agentes públicos se despirem de preconceitos e se alimentarem do espírito humanista, da consciência de que a realidade da mulher vítima da violência, no Brasil, exige o alcance da igualdade material.

Tentarei explicar transcrevendo palavras da competente procuradora do Estado de São Paulo, Flavia Piovesan, ativista dos direitos humanos das mulheres.

Ao contestar, em artigo, lamentável decisão da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que declarou inconstitucional a Lei Maria da Penha, com o argumento de que fere o principio constitucional da igualdade, a procuradora diz:

“O texto constitucional transcende a igualdade formal, tradicionalmente reduzida à formula todos são iguais perante a lei, para consolidar a exigência ética da igualdade material, a igualdade como um processo em construção, como uma busca constitucionalmente demandada”.

É, por exemplo, constitucionalmente demandada, “a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos” - artigo 7º, inciso XX. Reconhece diferenças de tratamento entre os gêneros, que precisam ser alteradas. Nossa Carta também diz, no artigo 226, ser dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares.

Portanto, faço minhas as palavras da procuradora: inconstitucional não é a Lei Maria da Penha, mas a ausência dela.

Srªs e Srs. Senadores, finalizo, dirigindo-me aos juízes de nosso Brasil: reflitam antes de emitir sentenças como à descrita acima. Unam-se às mulheres e homens que combatem a violência para o cumprimento de uma das medidas mais importantes da lei - a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em todos os Estados do País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2007 - Página 42222