Discurso durante a 225ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do décimo aniversário da obtenção do título de "Cidade Patrimônio da Humanidade" ao Município de São Luís/MA.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do décimo aniversário da obtenção do título de "Cidade Patrimônio da Humanidade" ao Município de São Luís/MA.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2007 - Página 44163
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, MUNICIPIO, SÃO LUIS (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), ANIVERSARIO, RECEBIMENTO, TITULO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), PATRIMONIO, MUNDO, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, CULTURA, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, ELOGIO, ESFORÇO, POPULAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEMORIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, MUNICIPIO, SÃO LUIS (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), PARTICIPAÇÃO, COLONIALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, FUNDAÇÃO, CIDADE.
  • ELOGIO, VULTO HISTORICO, PERSONAGEM ILUSTRE, POETA, VISITA, MUNICIPIO, SÃO LUIS (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, OBRA ARTISTICA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, dona Ada Carvalho, essa grande dama que tenho tanta satisfação de revê-la, de vê-la prestigiando esta sessão, dona Marly Sarney, que há 60 anos é testemunha do meu amor à cidade de São Luís, senhor representante do prefeito de São Luís, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados Federais, maranhenses que aqui se encontram, minhas senhoras e meus senhores, eu não desejaria falar nesta sessão e não ia falar, mas foram tão generosas as referências que foram feitas pelos diversos oradores a minha pessoa que me senti no dever, pelo menos de gratidão, de vir a esta tribuna e agradecer a todos eles a bondade com que colocaram a minha figura na história política do Maranhão e do nosso País.

Quero agradecer ao Senador Lobão as suas generosas, longas e bondosas palavras, ao Senador Geraldo Mesquita, ao Senador Flexa Ribeiro, enfim, à Senadora Roseana e dizer a todos que, para nós do Maranhão, que nascemos no Maranhão, dizer São Luís é dizer Maranhão. A cidade se confunde com o Estado de tal maneira que a gente, às vezes, falando no Maranhão está falando em São Luís, falando em São Luís está falando no Maranhão.

Eu tive uma grande emoção, quando, há dez anos, por iniciativa da Governadora Roseana Sarney - então Governadora do Maranhão - compareci à cidade de Nápoles e ouvi a proclamação de São Luís como patrimônio da humanidade.

Recordo-me de que nessa sessão também houve outro reconhecimento de um prédio que eu também conhecia: o Hospicio Cabañas, da cidade de Guadalajara. E como não havia ninguém de Guadalajara ali, eu me levantei e bati palmas também por esse reconhecimento. Mas isso distinguia a cidade de São Luís, porque lá no reconhecimento de São Luís como patrimônio da humanidade o auditório estava cheio de maranhenses, todos presos de um profundo orgulho, que explodiu numa grande alegria quando foi lido o decreto da Unesco.

Esse decreto é mais do que um decreto. Dentro dele existe uma afirmação muito mais profunda, a de que o mundo reconhece, por intermédio do seu órgão representativo da cultura, que a história do homem na face da terra passou pelo Maranhão. Ali ele construiu um monumento de tal natureza que deve ser colocado entre aqueles lugares que tem um significado especial para a humanidade, lugares que devem ser preservados para a eternidade.

E realmente São Luís é o maior conjunto colonial do mundo português. Os portugueses, durante 150 anos, dominaram os mares, as duas costas da África, a ocidental e a oriental, dobraram e tomaram o Índico, atravessaram o Estreito de Málaga, foram lá pela costa da China, chegaram até o Japão, levando a língua portuguesa, deixando palavras e recolhendo palavras, deixando costumes e trazendo costumes e, a seu modo, criando uma arquitetura, que restou, em várias partes do mundo, como uma representação da cultura portuguesa do tempo em que eles viveram a aventura dos mares. Mas foi em São Luís que foi deixada o maior exemplo dessa cultura, o maior conjunto de arquitetura colonial portuguesa nas Américas, que nós, no Maranhão, soubemos preservar. Por quê? As outras cidades se destruíram, se dissolveram, se misturaram, se mesclaram com deformações. Por que São Luís ficou tão preservada? Pelo amor que ela despertou em todos os maranhenses, que, ao longo destes séculos, ali estiveram e a que nós, hoje, estamos no dever de dar continuidade, para que, no futuro, também os maranhenses possam continuar este amor, que é o amor que toda a população de São Luís tem pela cidade. Amar a cidade, amor à cidade, é esse o segredo de nós termos São Luís até hoje ali intacta, com seus 3.500 edifícios, como não há em outro lugar do mundo.

Outra singularidade é que Deus, no Maranhão, era pobre; Deus, no Maranhão, não tinha ouro; Deus, no Maranhão, não tinha prata; Deus, no Maranhão, não tinha mármores. Mas, com o barro pobre daquela área, com as pedras escassas, o homem maranhense conseguiu construir uma cidade que se orgulha como essas grandes cidades de que falaram aqui, ricas em ouro, em prata, em mármore, em grandes nomes, em grandes gênios artesãos e, ao mesmo tempo, geniais construtores. Nós, não. Foi uma gente anônima, que trabalhou a terra, o barro, que fez o adobe, e foi construindo esta cidade tão bonita que nós temos até hoje.

Porque da beleza de São Luís não se diz assim: “É este edifício”. Há edifícios que são bonitos, mas é o conjunto, o casario que se derrama ao longo das ondulações da cidade; as telhas que se juntam; o ondulado que se conjuga com o céu, e que faz da cidade de São Luís essa cidade de um encanto tão grande.

Então, é por isto que nós - eu acho - temos amor a essa cidade: porque ela foi fruto do trabalho de cada um.

São Luís talvez tenha sido a primeira cidade planejada do Brasil.

Em 1615, quando os portugueses já haviam vencido os franceses, em São Luís, já se encontra o mapa do engenheiro Francisco Frias de Mesquita, que tinha ido com a tropa de Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos Moreno para a conquista do Maranhão. Na Batalha de Guaxenduba, ele era encarregado de planejar as fortificações. E ele deixou um mapa com o traçado da cidade de São Luís, no qual ele já havia riscado as ruas, que começavam ali, a partir do Largo do Palácio, e que, acima do Largo do Carmo, eram apenas pontas das que depois surgiram. Essa planta foi também incluída no livro de Barleus, quando ele coloca a planta que era a cidade já no tempo dos holandeses, mostrando que a cidade seguiu o risco feito pelo engenheiro Frias.

Porque aquela área era totalmente deserta. No século XVI, no começo do século XVII, os mapas eram inventados. Não tínhamos nada dos recursos atuais. De um lado, existiam o ouro e a prata das conquistas espanholas e, mais abaixo, os portugueses exportavam do Brasil o pau-brasil, a madeira e uma grande riqueza: os papagaios. Há a história da apreensão de uma nau, a Pelérine, que tem a relação das cargas que iam do Brasil. E essas cargas eram toras de pau-brasil e seiscentos papagaios. E, naquele tempo, essa nau Pelerine, que era francesa, ele dizia: “Sachant déjà quelques mots de français”, falando já os papagaios algumas palavras de francês.

Ouço o Senador Mozarildo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Sarney, ouso pedir um aparte ao brilhante pronunciamento que V. Exª faz para prestar uma homenagem especial a V. Exª. O povo de Roraima, notadamente os maranhenses que estão lá, devem a V. Exª, quando Presidente da República, a sanção e a implementação de um projeto de lei meu que criava a Universidade Federal de Roraima, que hoje é uma realidade. Uma universidade lá no extremo norte, com 23 cursos superiores, que tem mais de 4 mil alunos e que já formou mais de 10 mil. A Escola Técnica Federal também foi V. Exª que implementou, um projeto autorizativo, que V. Exª, como Presidente, não tinha obrigação de fazer, fez e hoje já é um Centro Federal de Educação Tecnológica. Também foi de V. Exª a criação da Área de Livre Comércio de Pacaraima, que eu, como Deputado, peguei uma carona e incluí a de Bonfim. Infelizmente, essas duas áreas de livre comércio até hoje não foram implementadas. Mas Roraima, portanto, deve a V. Exª muito, tanto que a nossa Universidade já lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa, que está faltando V. Exª ir receber.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mozarildo, pela sua bondade e gentileza pela referência que acaba de fazer.

Eu ia dizendo que aquela área era deserta e, logo acima, saíam as naus que voltavam do México, levando ouro e prata para a Europa.

Quando falo que nossas igrejas eram pobres, também saliento que, quando a primeira cota das duas toneladas de ouro chegou à Espanha, a rainha mandou que fosse feito o altar-mor da Catedral de Sevilha, cobrindo-o com aquele ouro da América, mostrando o agradecimento a Deus e a Nossa Senhora pela oportunidade dada a seu País de descobrir os reinos ricos do México.

Não tínhamos nada disso. Aquela área era vazia. Francisco I até dizia: “Quero ver o testamento de Adão, que dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis” -- porque eles não tinham onde obter riquezas. Os franceses começaram, então, a piratear naquelas costas - mas ficam muito zangados se forem chamados de piratas. Estive em Saint-Malo e Cancale para visitar o lugar de onde eles tinham saído a expedição para o Maranhão, e o Prefeito da cidade disse “os corsários”. Eu, então, só falava em corsários - que tinham saído daquela área.

Esses corsários que saíam de Saint-Malo e Cancale iam piratear as naus espanholas que vinham do México e aquelas que iam do Brasil com açúcar, outro produto que já havia. Eles levaram 80 anos nessa tarefa, fazendo feitorias, inclusive algumas na costa do Maranhão. A primeira delas guarda referência de um senhor chamado Manois. Um pouco mais tarde Jacques Riffault e Charles des Vaux também tinham outras feitorias ali.

Os franceses estavam há 80 anos naquela área, quando Henrique IV quis estabelecer uma presença mais forte e mandou um homem chamado La Ravardière - Daniel de la Touche, Senhor de La Ravardière -, que vem a ser o fundador de São Luís, para que ele escolhesse o lugar onde os franceses deviam estabelecer a sua presença na aventura colonial daqueles tempos. E mandou, nessa viagem, junto com ele, Jean Mocquet, que era o Ministro das Singularidades do Rei.

É até interessante, porque esse rei, depois, quando estava doente, mandava chamar Jean Mocquet para contar para ele as coisas do Brasil, do Maranhão, as aventuras que tinha vivido, as histórias dos índios.

Primeiro ele chega à Guiana. Em sua primeira viagem, em 1604, La Ravardière funda Caiena; depois, em 1609, descendo a costa, se encantou com a ilha de Upaon-açu e ali resolveu estabelecer uma cidade francesa. E nasceu a aventura de uma expedição estatal, a França Equatorial, colocada e patrocinada pelo governo da França. Aí eles vêm em 1612 e fundam a cidade de São Luís.

João Lisboa, quando fala, nos seus apontamentos da história do Maranhão, relata a distinção entre as duas missões que foram para o Maranhão: a missão francesa era civilizadora; a missão holandesa era exploradora.

Civilizadora, sim, porque eles chegaram não com a vontade de fundar uma cidade e voltar, tirar riquezas. Não! Eles chegaram para ficar. Trouxeram cientistas, trouxeram artesãos, trouxeram engenheiros, gente de toda natureza para formar a cidade. Deram o nome de São Luís, Forte de São Luís, e ali se localizaram.

Uma coisa interessante: “por tão pouco tempo”, a gente às vezes diz, “a presença dos franceses durou três anos”. Mas nós nos esquecemos de que, durante oitenta anos, eles haviam vivido naquelas costas e feito amizade com os índios. A história de São Luís, portanto, é uma história que tem uma densidade extraordinária.

Pelo Maranhão passaram todos os grandes homens, por exemplo, da história do Brasil: Caxias passou no Maranhão, na Balaiada; o Almirante Tamandaré passou no Maranhão, na Balaiada; o Padre Vieira - esse, muito antes - passou no Maranhão dez anos, e grande parte de sua obra foi feita no Maranhão. Ele, que fez um sermão tão duro com os maranhenses, chamado Sermão das Mentiras, diz: no Maranhão há mentiras, mas não há mentirosos. O padre, com aquele jeito de saber falar, dizia que estava profundamente irritado com os portugueses, obcecados com a idéia de escravizar os índios. Mas, ao mesmo tempo, dizia que queria morrer no Maranhão.

O Maranhão sempre foi muito pobre, como eu disse. E essa cidade não foi feita por ouro nem por prata; ela seria branca, se pudéssemos dizer assim, porque foi feita pelo algodão. Houve a Guerra de Independência dos Estados Unidos, necessitou abrir mercados para substituir o algodão que se produzia na Carolina. Então, São Luís começou a crescer. Da costa e do suor dos negros escravos que trabalhavam naqueles campos de plantação de algodão se retirou a riqueza para fazer essa cidade, que foi se alinhando, como eu disse, de rua em rua, de casa em casa, de sobradão em sobradão, e sem outra riqueza, a não ser aqueles espaços que são tão belos e tão bonitos até hoje.

A Presidente me adverte - eu a conheço de muito tempo -, já me olhou duas vezes e sei que está pedindo que eu não me alongue mais. Assim, não quero me alongar mais, mas quero dizer que, pelo Maranhão, todos os que passaram recolheram aquele amor pela beleza dessa simplicidade que é a cidade de São Luís. Gilles Lapouge, quando escreveu seu livro sobre fronteiras, conta que passou pelo Maranhão. Era um domingo, ele se sentou em um banco de uma praça e não via ninguém, via a cidade toda deserta. Ele olhou e disse: “é a cidade mais lindo do mundo”. Está no livro do Gilles Lapouge.

Por São Luís também passaram nomes científicos e da cultura mundial como Spix e Martius. Todos os viajantes deixaram depoimentos sobre a cidade de São Luís. E nós maranhenses gostamos de dizer uma frase que foi dita pelo Simão Estácio da Silveira quando escreveu um livro chamado Relação Sumária das Coisas do Maranhão. Ele diz: “Das terras que Portugal conquistou, a melhor é o Brasil, mas o Maranhão é o Brasil melhor”. É de Simão Estácio da Silveira, do século XVII, esta frase.

O Maranhão é terra de poetas, cantores da cidade, e todos eles se encantaram pela cidade de São Luís. Eu mesmo já fiz vários poemas de dedicação à cidade de São Luís. Os nossos poetas de hoje continuam cantando São Luís; Chagas, que está lá, lá viveu, vinculou-se à terra; Nauro Machado; Ferreira Gullar, que saiu de lá, mas escreveu o Poema Sujo para falar de São Luís, da sua infância, da nossa mocidade, quando nós lá vivíamos.

Cito separadamente o maior de todos os cantores de São Luís de minha geração, que foi Bandeira Tribuzzi, o que mais viveu a cidade, e o que a cidade mais amou. Todos encantados pela cidade de São Luís. Cidade em que não há estátuas de heróis, nem de grandes vencedores de batalhas. Todas são de poetas. Temos a de João Lisboa, no antigo Largo do Carmo, sentado em uma cadeira, e, embaixo dessa cadeira, livros; temos Gonçalves Dias, aquela palmeira, e ele lá na eternidade do mármore, lembrando a todos nós a Canção do Exílio.

Quero terminar com um verso de Sousândrade, poeta que foi precursor de todas as transformações da literatura brasileira: “Dobrai os joelhos, beijai este chão sagrado dos nossos nobres passados”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2007 - Página 44163