Discurso durante a 224ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre matéria publicada no jornal O Globo "Lula comete gafe em discurso durante visita ao Cantagalo." (como Líder)

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre matéria publicada no jornal O Globo "Lula comete gafe em discurso durante visita ao Cantagalo." (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2007 - Página 43617
Assunto
Outros > IMPRENSA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ACUSAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEXATIDÃO, DISCURSO, APRESENTAÇÃO, DADOS, HISTORIA, FAVELA, CAPITAL DE ESTADO, RESULTADO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, ESCRAVO ALFORRIADO, COMBATENTE, GUERRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, ALEGAÇÕES, ORADOR, DIVERSIDADE, TEORIA, HISTORIADOR, POVOAMENTO, MUNICIPIO.
  • DETALHAMENTO, RETORNO, COMBATENTE, CAMPANHA DO PARAGUAI, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFESA, TEORIA, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, NEGRO, FAVELA, COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PERIODO, EXPLORAÇÃO, MÃO DE OBRA, ESCRAVO ALFORRIADO.
  • CRITICA, INCOERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, QUESTIONAMENTO, UTILIZAÇÃO, MATERIAL DE CONSTRUÇÃO, PROTEÇÃO, TRAFICANTE, OMISSÃO, DIVULGAÇÃO, IMPORTANCIA, PROJETO, RESGATE, HISTORIA, MODERNIZAÇÃO, HABITAÇÃO, FAVELA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. telespectadores da TV Senado, o jornal O Globo de sábado passado publicou, até com certo destaque, uma notícia dizendo: “Lula comete gafe em discurso durante a visita ao Cantagalo”.

            A suposta gafe que o jornal noticia é uma gafe histórica. Refere-se a uma informação que eu havia dado ao Presidente Lula, dizendo-lhe que a primeira favela do Rio de Janeiro é resultado da Guerra do Paraguai. Porque foi ali que nossos voluntários da pátria começaram a improvisar seus casarios, assim que voltaram, em 1870. O jornal cita um importante historiador da minha terra, Milton Teixeira, que diz que os escravos foram realmente libertos quando voltaram da Guerra do Paraguai, mas que ocuparam casarios, cortiços, cômodos e não morros.

            Sr. Presidente, o fato concreto é que, no processo de investigação histórica, referimo-nos a fatos que aconteceram há 137 anos - a Guerra do Paraguai começou em 1865 e terminou em 1870. Falar de fatos tão distantes é como observar um objeto a longa distância. E, muitas vezes, fogem os detalhes, as nuances.

            Mas eu gostaria, Sr. Presidente, de invocar uma tese, uma versão, uma tradição histórica defendida por muitos que lêem, leram e pesquisaram sobre a segunda fase do Império e que defendem, Sr. Presidente, sim - e há muita probabilidade de que tenha ocorrido -, os nossos voluntários da pátria.

            Aqui faço uma retrospectiva histórica.

            A Guerra do Paraguai, em 1865, foi o pior confronto já enfrentado pelo povo brasileiro. Para lá, enviamos voluntários da pátria. Quem eram os voluntários da pátria? Negros, escravos, maciçamente, a quem foi oferecida a oportunidade da alforria se aceitassem lutar pela pátria. Foram. A guerra durou cinco anos. Foi um combate sangrento, em que lutamos ao lado da Argentina e do Uruguai, vencemos a guerra de Solano López, e quando esses escravos voltaram para a capital do Brasil foram para o Rio de Janeiro e desceram no cais do Valongo, que era o cais dos pobres, dos negros, dos mestiços. Esse cais ficava no quadrilátero que, desde 1565, na fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, era o epicentro onde fatos econômicos, sociais e culturais iria acontecer.

            O Rio de Janeiro se desenvolve entre o Morro do Castelo, que hoje não existe mais, o Morro do São Bento, o Morro do Estado e o Largo da Carioca.

            Sr. Presidente, eu diria que, por quatro séculos, a cidade fervilhou ali e próximo ao Morro do Estado está o Morro da Providência e, ao sopé deles, o Cais do Valongo, Praça Mauá, onde, historicamente, desceram os nossos escravos oriundos da Guerra do Paraguai. Agora, o que foi que eles encontraram? Encontraram alforria sem trabalho e sem moradia e também a lei do branco, a lei da terra de 1850, a lei da exploração.

            Portanto, Sr. Presidente, se há uma versão histórica de que eles tenham ido ocupar cortiços e casarios e casas, há também essa de que eles tenham ocupado os morros próximos à cidade, porque era assim que os escravos urbanos procuravam se refugiar dos maus-tratos de 350 anos de uma jornada de trabalho de dezesseis horas por dia, de falta de estrutura familiar e de poder se alfabetizar, se aculturar, com alto índice de aborto e de suicídio. No campo e também nas cidades fugiam para os quilombos. Mas a cidade do Rio de Janeiro tem os seus morros ocupados durante todo o período colonial e também durante o período imperial por escravos que fugiam e que, depois, recolhiam nas fontes garrafões de água e iam vender.

            Mas, depois da Guerra do Paraguai, os negros alforriados entre 1870 e 1888, quando definitivamente a abolição se daria, há ali uma exploração do branco, que usa esses negros como negros de ganho em atividades braçais, manuais. 

            Portanto, Sr. Presidente, não se pode dizer que seja uma gafe, não se pode dizer que seja uma coisa errada, porque há muitos que defendem essa linha e ela é muito provável. E mais, duas décadas mais tarde, a primeira favela. E aí, sim, Sr. Presidente, já está sistematizado, já está nos livros, começa no Morro da Providência, nesse mesmo morro, nessa mesma elevação, com a ocupação dos soldados que voltam da Guerra de Canudos.

            Aí já é uma coisa consolidada, consagrada, sistematizada, como disse em todos os livros, que a primeira comunidade carente, a primeira favela inicia-se com aquelas volantes, que fizeram uma ação intensamente discutível, que foi Prudente de Morais massacrando inocentes baianos que só faziam as suas rezas e trabalhavam de maneira comunitária lá no episódio que conhecemos como Guerra de Canudos.

            Mas, Sr. Presidente, é, portanto, uma tese muito defendida por muitos historiadores e eu diria muito provável. O que não é provável é supormos que esses negros refugiados, voluntários da pátria, alforriados em 1870, tenham ido todos ocupar os cortiços e as casas pequenas que haviam e que, depois, vivendo em condições menos adversas de vida, tenham-se aculturado, incorporado às atividades econômicas da nossa cidade, na capital do Brasil na ocasião, e que, por conseguinte, tenham podido ocupar os bairros formais que foram sendo construídos: Catete, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon; mais recentemente, a Barra da Tijuca, o que nos daria agora a oportunidade inusitada, eu diria até surrealista, de imaginarmos que hoje nas comunidades carentes nós encontraríamos apenas brancos, descendentes de portugueses ou de europeus, com a tez muito clara, olhos azuis e cachinhos louros.

            Na verdade, Sr. Presidente, o que encontramos são sucessivas gerações de negros, brancos, pobres e mestiços, que, desde aquela época, vêm sendo continuamente explorados em sua mão-de-obra, recebendo um salário apenas suficiente para comer, e que, na hora de morar, o capitalismo e o empreendedorismo daquela terra os mandavam improvisar suas casas nas favelas, nos morros, tanto é que temos mais de setecentos e cinqüenta ocupados.

            Sr. Presidente, dito isso, eu gostaria apenas de lamentar que o jornal tenha falado sobre a gafe, mas esquecido de falar sobre o projeto em si, que é um belíssimo projeto de resgate social elaborado pelo Exército brasileiro, no valor de mais de doze milhões de reais. Esse projeto prevê o resgate histórico de revitalização daquelas casas, colocação de telhados para que não haja ali naquelas lajes...

(Interrupção do som.)

             O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) -... a proliferação da dengue, que é um caso de saúde pública nacional cada vez mais grave; ele também evitará o crescimento vertical das comunidades, em cujas casas estarão sendo trocadas todas as esquadrias, portas, janelas, fazendo emboços, o que daria melhores condições de habitabilidade, melhorando os acessos e possibilitando também acesso à Internet, à banda larga.

            Não sei por que o jornal O Globo não fala disso e prefere enfocar apenas versões históricas. Já não é a primeira vez, Sr. Presidente, porque, no lançamento do programa, como autor projeto, eu havia recomendado que se usasse nas argamassas um traço da Universidade de São Paulo, que, na da espessura de um centímetro, tem uma durabilidade de mil anos, uma vez que ali as pessoas não têm muitos recursos para fazer manutenção.

            Pois olha, o jornal disse...

(Interrupção do som.)

            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - No copioso noticiário que saiu a respeito, dizia-se que aquela argamassa serviria para transformar as pequenas casas em casamatas de proteção para traficantes, o que não é absolutamente o objetivo do projeto nem a destinação dele. E isso não ocorrerá na realidade. Com um centímetro de espessura, aquela argamassa terá durabilidade de mil anos às intempéries. E, claro, com alto índice de rigidez, poderá sim impedir que balas da calibres menores, como pistolas e revólveres penetrem nas casas. Isso é um grande problema que temos hoje no Rio de Janeiro, balas perdidas que atingem inocentes, mas não canhões, morteiros, obuses, metralhadoras ou fuzis. Para esse tipo de armamento pesado, não há como - e já vou concluir - uma argamassa de cimento e areia e alguns outros agregados minerais possa resistir.

            Sr. Presidente, eram essas as minhas palavras, falando que esse projeto Morro da Providência é mesmo um resgate social. Há essa divergência. Eu creio, junto com muitos outros historiadores, que as primeiras ocupações tenham sido feitas pelos Voluntários da Pátria, que voltam em 1870, embora a versão oficial e sistematizada fale da ocupação dos nossos soldados que voltaram da guerra contra Antônio Conselheiro, fato que hoje todos lamentamos, já que aqueles humildes e singelos brasileiros não faziam mais do que suas ladainhas, suas rezas, de viver da terra e plantar com solidariedade e foram, numa época e intensa controvérsia na República, massacrados pelas volantes enviadas por Prudente de Morais. Eu acho que todo o povo nordestino deve até hoje lamentar por essa triste guerra civil que vivemos.

            Sr. Presidente, eu gostaria apenas, nesse tempo que me resta, de agradecer a V. Exª pelo tratamento generoso que tem com um Senador que não é do seu Partido, não é tucano, mas que testemunha desta tribuna que V. Exª é um homem justo e que procura dar a todos, com paciência, o beneplácito da sua generosidade. 

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2007 - Página 43617