Discurso durante a 236ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo centenário de nascimento do arquiteto Oscar Niemeyer.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo centenário de nascimento do arquiteto Oscar Niemeyer.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2007 - Página 45781
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, ELOGIO, CRIATIVIDADE, OBRAS, IDEOLOGIA, DEFESA, DEMOCRACIA, IGUALDADE, REGISTRO, ENTREVISTA, TELEVISÃO, SENADO, DEMONSTRAÇÃO, CONTINUAÇÃO, BUSCA, CONHECIMENTO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, exatamente porque depois de amanhã faremos uma sessão especial muito bonita, inclusive, via Internet, estará falando conosco o grande arquiteto Niemeyer nos seus 100 anos e, como quando eu fui me inscrever está escrito que os oradores serão indicados pela Liderança, é que eu vou falar agora, porque eu já sei que não serei indicado. Mas, faço hoje meu pronunciamento ao grande arquiteto.

Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, eu venho a esta tribuna para prestar um ato de homenagem e de penitência. Sim, de penitência. Há algum tempo eu venho dizendo que o País perdeu nos últimos tempos as suas melhores referências. Na política, perdeu Ulysses, Teotônio, Tancredo, Montoro, Covas. Na imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Castelo Branco. Na Igreja, Dom Helder, Dom Ivo Lorscheiter. Na Academia, Florestan Fernandes e Celso Furtado. Na literatura, Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade.

Enfim, em todos os campos da nossa realidade desigual de um País de contrastes.

Nesta oportunidade, quero retificar o meu discurso. O Brasil tem uma das melhores referências mundiais vivas de toda a sua história. Aliás, uma referência que o País tem o orgulho de ostentar no cenário mundial, em quase todo o século passado e neste novo milênio recém-iniciado. Em tempos nos quais imperam os senhores da guerra, são poucas, mas fortes, as mensagens de paz. Na política, na religião, nas artes, na academia, na imprensa e em todos os campos da vida de todos os povos e de todas as nações. Entre esses mesmos mensageiros, o nome de Oscar Niemeyer é pronunciado e referenciado, hoje, em todas as línguas e em todos os sotaques em todo o mundo.

As obras de Niemeyer são muito mais que belezas plásticas estampadas em estruturas harmônicas de concreto: são símbolos de paz e de solidariedade plantados em todos os cantos e recantos de nosso Planeta. Nelas estão presentes a Igreja - me perdoe meu querido Niemeyer -, a academia, as artes, a política e a literatura. Elas representam todos os povos, seja nos memoriais ou nas sedes mais importantes das organizações internacionais.

Niemeyer é, portanto, um brasileiro cidadão do mundo.

Apesar de Oscar Niemeyer considerar sua obra coisa qualquer, ele é um desses arquitetos que, não obstante todos os pesares da barbárie humana, mantém viva em todos nós a beleza da criação. Trata-se de uma obra que revela a suavidade das curvas, apesar das monotonias de todas as retas. Desnuda o que a natureza tem de mais belo, apesar da teimosia insana dos que insistem em destruir o que ela tem de mais sublime.

Dizia Michelangelo, quando perguntado sobre de onde vinha tamanha criatividade, que a escultura já se encontrava pronta desde o mármore. Cabia ao artista, como ele, retirar os excessos e expô-las à luz. A arquitetura já está pronta no mármore. O artista apenas tira o que está sobrando, e aparece a imagem. É assim também com Niemeyer. Para ele, a beleza já vem pronta na natureza, com suas mais belas formas arredondadas. Cabe a ele contemplá-las e expô-las na sua obra.

Ouso dizer que Oscar Niemeyer é a encarnação de Deus na arquitetura do universo. Perdoe-me, Niemeyer. Creio em Deus e, no fundo, não há criatura mais bela do que tu, do nosso Deus. Deus fez a natureza baseado em seu projeto de criação. Niemeyer inspira-se nessa mesma natureza para resgatar o projeto de Deus, tamanha a beleza, tamanha a harmonia, tamanha a criatividade.

Ele é um homem à frente do seu tempo. A sua arte permanecerá moderna e atual. Não importa o tempo.

Ela se incluirá entre as mais belas obras dos grandes mestres da humanidade. Uma arte singular, que o identificará nos tempos que hão de vir.

Quem sabe tenhamos nós, no tempo presente, uma enorme dificuldade de entender a obra de Niemeyer. É que nos encantamos apenas com a beleza plástica e com a suavidade das curvas da sua criação. O que estaria, verdadeiramente, por trás das formas arrojadas da catedral de Brasília? Da sede da ONU? Do complexo da Pampulha? Da mesquita de Argel? Da Universidade de Constantine? Da sede do Partido Comunista Francês? Do Palácio da Alvorada? Em todas as esplanadas do mundo, seriam ministérios ou mistérios? Cada um de nós tem a sua leitura, quem sabe simplista, da autêntica mensagem embutida pelo artista. Mas, muitas delas, embora singelas, na humildade do autor, ensejam enigmas que se entranham em vigas de concreto moldadas no sentido de que o mais belo caminho entre dois pontos é, sempre, uma curva. Como nas montanhas da sua [cidade] Rio de Janeiro. Ou nas ondas que arrebentam em todas as praias.

Quando lhe perguntam sobre a sua melhor criação, diz ser o conjunto de edifícios do Congresso Nacional. Niemeyer diz também que “o principal não é a arquitetura, mas a vida e este mundo que devemos modificar”.

Nesse caso, pelo menos, o tal enigma é de mais fácil solução. A melhor obra, na concepção do criador, é, portanto, aquela que propicia as mudanças necessárias para tornar o mundo mais justo e humano. Um país com menos desigualdades. Neste mesmo caso, Niemeyer, com sua obra arquitetônica, continua à frente do seu tempo, enquanto nós, no mínimo, corremos em seu encalço. Estamos, ainda, longe do tempo do criador. Enquanto a arquitetura e os desejos de Niemeyer se projetam para o futuro, o Congresso, na sua formação humana, ainda vive tempos de Torre de Babel.

Para Niemeyer, a arquitetura só será válida quando usufruída por todos, sem discriminação de qualquer espécie. Nas igrejas, por todos os credos. Nos edifícios das organizações internacionais, por todos os países. Nos memoriais, por todos os povos. Nos teatros, por todas as classes. Nas escolas, por todos os credos, países, povos e classes. Para ele, a arquitetura tem que ser horizontal, multidisciplinar e democrática. Ela de nada valerá, se não for usufruída por todos, sem discriminação.

Niemeyer tem também o dom de realizar sonhos. Foi o que aconteceu durante uma de suas entrevistas em um programa de televisão. Um pedreiro, retirante do Nordeste, Evandro dos Santos, narrou-lhe o desejo de ver os seus quase quarenta mil livros, encontrados nos lixos da cidade e acumulados através de doações, transformados em uma biblioteca comunitária no subúrbio do Rio de Janeiro.

Para o pedreiro, um sonho quase impossível, impossível de realizar a sua obra através de um projeto arquitetônico de um mestre, como Niemeyer.

Sonho prestes a se realizar, com a inauguração da biblioteca comunitária para o início de 2008. “O seu sonho também é meu. Me procure. Eu faço!”

Por isso, eu estou certo que todos os enigmas que possam estar embutidos nas obras de Oscar Niemeyer, aqui ou em qualquer outro lugar, trazem em si três referências principais: soberania, democracia e cidadania. Um grito de alerta contra as guerras e, principalmente, os senhores das guerras. Contra a fome e a miséria, em um mundo de tamanha opulência. Contra todos os tipos de tortura, física e psicológica, que maculam a espécie humana. Contra a barbárie de qualquer natureza, na arquitetura das prisões ou dos hospitais, nos meios fios de pedras moldadas nas ruas e praças, sob o concreto das pontes e viadutos e entre os muros da vergonha que dividem povos e nações.

Faço o que gosto, diz ele. Faz o que nos enleva, dizemos nós.

É assim que eu vejo o mestre Oscar Niemeyer. Ele é, para mim, um iluminado. A genialidade dos seus traços me faz aumentar a fé no sobrenatural. Ele é um dos muitos chamados, e um dos poucos escolhidos, para eternizar a obra divina.

São cem anos de um brasileiro que acredita sermos, todos nós uma partícula minúscula na imensidão do universo. Um universo do tamanho dos seus sonhos. São cem anos e, ainda, uma enorme vontade de aprender. Um ponto de exclamação para todos os brasileiros, mas que mais parece um jovem em busca de respostas para seus pontos de interrogação Em entrevista para a TV Senado, Oscar Niemeyer demonstra emoção ao se dizer aprendiz de Física e Filosofia. Centenário, busca, ainda, conhecimento exterior e interior. Diz-se um grão de areia no universo e deixa transparecer como se o mundo que o cerca, apesar do tamanho alcance de sua arte, lhe fosse minúsculo.

Quem sabe pudesse reproduzir, pela Física, a obra de Deus em outros planetas e em outras galáxias. Com a Filosofia, quem sabe pudesse resgatar a obra do Criador no interior de cada um dos homens.

Por tudo isso, não haverá melhor homenagem a Oscar Niemeyer do que quando nós, aqui no Congresso Nacional, passarmos dissolver a Torre de Babel, que nos faz falar línguas tão diferentes, e voltar à concepção mais completa do criador dessas estruturas de tão belas formas. De nada adiantarão novos espelhos d’água e anexos mirabolantes, se construirmos apenas estruturas de concreto, como torres mediante as quais teimamos alcançar as alturas do nosso orgulho, mas que, na verdade, nos leva às profundezas da arrogância .

A melhor homenagem a Oscar Niemeyer será não apenas os nossos discursos, nem a preservação física destas estruturas desenhadas, com carinho e criatividade, em sua prancheta de trabalho. Homenageá-lo de verdade, será encontrarmos a linguagem única do bem comum, da justiça social, do término de todos os tipos de discriminação e de desigualdade regional e pessoal e de renda com o fim da barbárie humana, da fome, da miséria e da violência.

Niemeyer disse, um dia, que mais importante que sua arquitetura são os jovens na rua, rostos pintados, para mudar o sistema. Não se assustem, portanto, se, numa próxima ocupação do gramado diante do Congresso Nacional, lá estiver um jovem de cem anos, bandeira em punho, gritando palavras de ordem e pela ordem frente à sua melhor obra do concreto, que se coloque em prática a inspiração que a concebeu. Pela sua coerência, será a mesma bandeira que empunhou nos grandes movimentos pela democracia, pela soberania, pela cidadania em 100 anos de história do Brasil.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2007 - Página 45781