Discurso durante a 236ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização do Tratado da União Européia, firmado no Mosteiro dos Jerônimos, em Portugal, com a presença de diversas autoridades da União Européia. Alerta para a estagnação do Mercosul.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Registro da realização do Tratado da União Européia, firmado no Mosteiro dos Jerônimos, em Portugal, com a presença de diversas autoridades da União Européia. Alerta para a estagnação do Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2007 - Página 45783
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, TRATADO, UNIÃO EUROPEIA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, PRESENÇA, CHEFE DE ESTADO, REFORÇO, INTEGRAÇÃO, ESTADOS MEMBROS, NEGOCIAÇÃO, INCORPORAÇÃO, PAIS, AMPLIAÇÃO, PODER ECONOMICO, APERFEIÇOAMENTO, POLITICA.
  • REGISTRO, HISTORIA, CRIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), APREENSÃO, SITUAÇÃO, CRISE, ATUALIDADE, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, OPINIÃO, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, AUSENCIA, AMPLIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, POSSIBILIDADE, INSUCESSO, ENCONTRO, MINISTRO, PRESIDENTE, ESTADOS, MEMBROS.
  • NECESSIDADE, SENADO, PREVENÇÃO, RETROCESSÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, INTEGRAÇÃO, SUPERIORIDADE, RESPONSABILIDADE, BRASIL, ESCLARECIMENTOS, COMPETENCIA, EXECUTIVO, POLITICA EXTERNA.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente nobre Senador Paulo Paim, da representação do Rio grande do Sul, no Senado Federal; Srªs e Srs. Senadores, hoje venho falar sobre um evento de significativa importância, ocorrido no dia 13 de dezembro deste ano. Refiro-me ao Tratado da União Européia, firmado no Mosteiro dos Jerônimos, em Portugal, com a presença de todos os Chefes de Estado, Chefes de Governo e Chanceleres, da União Européia. A União Européia cumpriu mais um relevante passo para realizar a sua integração confederativa, se assim podemos classificá-la.

O Primeiro-Ministro de Portugal, que falou em nome do seu país, como anfitrião, José Sócrates, saudando os participantes confessou que ”a Europa estava bloqueada não sabendo se mover para a frente e a solução que encontramos foi esse Tratado”.

O Tratado foi recursos encontrado para permitir que a União Européia avançasse após a crise ocorrida com o projeto de constituição, aliás, elaborado pelo ex-Presidente da França, Giscard d’Estaing, e recusado pela França e Holanda mediante plebiscito no ano de 2005.

Sabe V. Exª, Senador Paulo Paim, que a União Européia é o mais bem-sucedido projeto de integração regional que conhecemos. Seu primeiro passo ocorreu com os Tratados de Roma, em 1957, criando a chamada Comunidade Econômica Européia. Daí em diante, foi uma longa caminhada até transformar-se em União Européia com sua Comissão Executiva em Bruxelas, seu Parlamento em Estrasburgo, sua Corte Judiciária em Luxemburgo, e o Banco Central em Frankfurt, na Alemanha.

A questão que mais se discutia, antes da assinatura do recém-Tratado de Lisboa, era se a União Européia viria a ser uma federação ou uma confederação. Como é de conhecimento público, há diferença entre uma confederação e uma federação. E, como dizem os constitucionalistas, o projeto de confederação permite a cada Estado membro conservar um certo nível de autonomia ou até mesmo de soberania, ao contrário do que acontece numa federação, em que a personalidade internacional é exclusivamente a União, como é o caso da Federação brasileira, que, aliás, seguiu o modelo da Federação dos Estados Unidos da América do Norte.

A federação foi, de início, o objetivo de Robert Schuman da França, um dos grandes líderes, chamado o Pai de Europa, e de Konrad Adenauer, da Alemanha. A opção pela confederação proveio, posteriormente, pela Grã-Bretanha, que, no começo, não se integrou logo a hoje chamada União Européia. O Tratado de Lisboa, recém-negociado pelos representantes da União Européia, tende à confederação de Estados soberanos, como já afirmei, em vez de membros estreitamente federados. Predominou, portanto, a descentralização mais ampla.

Dos 27 Estados membros até agora treze adotaram a moeda única, o euro, uma moeda de reserva que concorre com o dólar americano e não deixa de ser algo extremamente importante que bem demonstra o êxito, sob o ponto de vista econômico, da chamada União Européia. Apenas quinze aceitaram o Acordo de Schengen sobre a livre circulação mútua de pessoas por cima de fronteiras nacionais e a Suprema Corte se limita a julgar questões de direitos civis e humanos. O Parlamento vai, pouco a pouco, recebendo novas competências, dentro das limitações confederativas, em vez de amplamente federais.

Como já tive oportunidade de mencionar, o número de Estados membros da União Européia havia aumentado de quinze para 27. É um avanço muito grande, sobretudo se considerarmos que a União Européia ou a Comunidade Econômica Européia surgiu como a Europa dos seis - eram apenas seis Estados - e cuja arquitetura política demorou a ser forjada, posto que eram Estados que tinham um passado de lutas, inclusive conflitos armados - eu exemplificaria casos entre a França e a Alemanha.

A lentidão e as dificuldades do ExEecutivo de Bruxelas, os poucos poderes do Legislativo de Estrasburgo e do Judiciário de Luxemburgo ameaçavam paralisar por dentro a União Européia.

Após renegociações efetuadas entre 2005, quando ocorreu a rejeição do projeto de Constituição, e 2007 foram abandonadas em virtude de idéias mais operativas e, portanto, menos ousadas. Eliminaram-se - para não pensarem que a União Européia tinha virado apenas um só ente - referências a hino, bandeira e moeda. Substituiu-se a expressão concorrência livre por “a União Européia contribuir para a proteção dos seus cidadãos” na busca do equilíbrio entre iniciativa privada e previdência social.

O Acordo aprovado recentemente pelos Chefes de Estados em reunião em Portugal, sob o nome de Tratado de Lisboa, por ter sido essa cidade a sede do encontro, precisará de ratificação de todos os Parlamentos europeus, salvo a Irlanda que antecipadamente optou por fazê-lo por consulta popular, para entrar em vigor em 2009, quando se escolherá o primeiro Presidente propriamente dito, por eleição indireta parlamentar, o qual nomeará o encarregado das Relações Exteriores da União Européia, com menos poderes que um Ministro e mais poderes que o atual Comissário, o que configura - friso mais uma vez - o modelo mais próximo de uma confederação do que uma federação.

Como sempre ocorre nesses casos, a preocupação maior é com a governabilidade, isto é, criar instituições capazes de responder as demandas dos estados-membros e, mais do que isso, dos seus povos. Daí porque não tem faltado à União Européia essa visão e, graças a isso, ela tem avançado, inclusive no cuidadoso processo de incorporação de novos membros. Por exemplo: está prevista a incorporação da Turquia, mas tal ainda não aconteceu, posto que se entende que essa incorporação de novos estados-membros deve ser gradual, analisado o quadro político e, inclusive, estratégico da Europa.

Para alcançá-la, cada decisão da Comissão Executiva terá de ser tomada por 14 dos 27 estados-membros, na proporção de 55% dos países, perfazendo 65% da população total da União Européia. Assim se evitará a pulverização das votações nas mãos de estados com populações minúsculas como Malta, Chipre, algumas repúblicas bálticas e outras.

Desejo, Sr. Presidente, salientar que, pelo Tratado, o Parlamento Europeu ganha novos poderes - conquanto tenha o número de Deputados sido reduzido -, podendo até mesmo rejeitar decisões ou solicitar alterações políticas da Comissão Européia. Além disso, o direito de os Estados vetarem determinados assuntos é suprimido em 40 temas, entre outros, os relativos à justiça e imigração, que é um problema extremamente complexo na União Européia, abolindo, com unanimidade cada vez mais difícil, com o aumento do bloco.

De fato, num processo de aglutinação de 27 Estados, realmente exigir a unanimidade não é coisa fácil. Nós bem o sabemos aqui, na convivência dentro do Senado. E isso é muito mais agudo em casas cada vez maiores.

O processo de votação foi também alterado por esse Tratado firmado em Portugal.

Para um tema “x” ser aprovado é necessário ter o voto de 55% dos países e, mais uma vez, o correspondente a 65% da população da União Européia.

É de se notar que a União Européia terá um presidente eleito pelos 27 Estados, com mandato de dois anos e meio, renovável por mais um terço, isto é, atualmente, estava em vigor, até a assinatura do Tratado, que o mandato dos presidentes era de apenas seis meses, numa rotatividade entre os países que integravam a União Européia. Agora, terá um presidente com maiores poderes e, mais do que isso...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa - PMDB-PI) - V. Exª fique à vontade, porque prorroguei por mais cinco minutos. Mas só queria aproveitar para anunciar a honra da presença, em nosso plenário, do Deputado Pinotti, figura extraordinária da ciência médica, que faz da ciência médica a mais humana das ciências. É um verdadeiro benfeitor da humanidade. Sem dúvida nenhuma, “Deus escreve certo por linhas tortas”, ele no Plenário e V. Exª na Tribuna, são os ícones da ética e da cultura da nossa pátria.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa. Quero fazer minhas as palavras de V. Exª proferidas a respeito do desempenho, como médico e também como Parlamentar, do Professor José Aristodemo Pinotti.

Como dizia, Sr. Presidente, além da eleição do Presidente da União Européia para um mandato de dois anos e meio, renovável por mais um terço, foi também reforçado o cargo de Alto Representante para a Política Exterior, que recebe igualmente poder de controle sobre os assuntos de defesa e segurança, temas extremamente sensíveis numa Europa que sofreu no século passado - para citar apenas grandes guerras - duas grandes guerras mundiais, isso sem contar conflitos armados entre integrantes da própria União Européia.

Mas, Sr. Presidente, faço tais considerações para estabelecer um cotejo entre a evolução da integração européia, que se vertebra ao longo de cinqüenta anos, e o nosso modelo de integração regional - o Mercosul. Por ironia do destino, o Mercosul está hoje reunido em Montevidéu, vivendo, segundo analistas e a opinião da imprensa, uma grave crise.

Posso dizer que vi o Mercosul nascer, porque seu primeiro passo ocorreu numa reunião entre o então Presidente Sarney, do Brasil, e o Presidente Alfonsín, da Argentina.

Em 1991, surgiu com o Tratado de Assunção, cidade onde foi firmado o acordo dos quatro países integrantes do Cone Sul, quais sejam, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Sem querer fazer um retrospecto histórico, gostaria de lembrar que Rio Branco sempre entendeu - ele que foi o grande formulador da política externa brasileira -, que deveria ser uma prioridade brasileira: a atenção com relação ao Prata, ao Cone Sul. Daí por que os quatro primeiros membros plenos e fundadores foram do Cone Sul. O Mercosul depois deu novos passos, inclusive em 1994, com a reunião de Ouro Preto, que estabeleceu os mecanismos de solução entre os países membros.

Sr. Presidente, o que nos preocupa é o Mercosul, nos últimos anos, não haver progredido. Pelo contrário, cresceram os conflitos entre estados membros, estados fundadores, e não avançamos na integração regional. O ideal é que pudéssemos alçar ao mesmo nível da União Européia, ou seja, somos chamados a pensar - e chegamos a discutir tal tema - numa integração que envolva todos os países da América do Sul; não fiquemos nos quatro membros fundadores, mas nos doze países que a integram.

No ano 2000, entre 31 de agosto e 1º de setembro, se não estou equivocado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma reunião com todos os doze países da América do Sul e discutiu-se como reforçar a integração, inclusive pela proximidade geográfica e física com o Brasil. Dos doze países, o Brasil tem fronteira com dez. Só não tem com o Equador e com o Chile, este já voltado para o Pacífico.

Em vez de avançar, Sr. Presidente - daí a observação crítica que queria fazer -, ao contrário, o Mercosul empacou-, se assim posso dizer.

      Há um grande historiador mexicano, falecido no fim do século passado, que ganhou o prêmio Nobel da Paz, Octavio Paz, que, certa feita, com muita propriedade, disse: “quando se dissolve a memória, dissolve-se o homem”. E é verdade. Daí por que é sempre importante, ao considerar um fato, olhar para o passado. O passado é fundamental para entender o futuro.

Houve um historiador italiano que afirmou: “O futuro tem um coração antigo”. Se não me engano, trata-se de Carlo Levi.

Então, Sr. Presidente, estamos agora diante desse grave desafio. Há, ou havia, entre os países do Cone Sul, ou, se quisermos, entre todos os países da América do Sul, maior identidade do que havia entre os países da União Européia.

França e Alemanha foram países que enfrentaram conflitos graves, conflitos armados. Eu poderia dar exemplo de outras rivalidades mais que seculares. Isso não havia, porém, com relação à América do Sul. Cito, mais uma vez, Rio Branco, para lembrar que, graças a seu talento e acuidade política, conseguiu resolver todos os nossos problemas de fronteira sem nenhum problema grave, recorrendo à arbitragem, à negociação política, enfim, fazendo com que o Brasil tivesse todas as fronteiras demarcadas, sem contenda com seus vizinhos. .

Sr. Presidente, está na hora de fazermos um esforço, um trabalho de “alevantamento” do Mercosul; de “aggiornamento” de suas atividades, para que possamos avançar. Esse é o nosso desafio.

Nos últimos anos - é consenso, repito - o Mercosul não conseguiu avançar, inclusive no seu relacionamento com os quatro membros fundadores.

Na edição de hoje do jornal O Globo, uma fonte do Governo Brasileiro, embora não se identifique, confessa: “Sem dúvida, passamos por nosso pior momento. Nos últimos meses, não deu para avançar em nada”.

O Subsecretário de Integração Econômica do Governo Argentino, Eduardo Sigal, disse no mesmo jornal: “O Mercosul está morno, quase frio”.

Na mesma direção, encontramos, em O Estado de S. Paulo desta data, a seguinte observação: “’O Mercosul não está para festas”. Com essas palavras, altos integrantes do Governo do Presidente uruguaio Tabaré Vásquez definiram o cinzento clima que está tomando conta dos preparativos da 34ª Cúpula de Ministros e Presidentes do Mercosul, que será realizada hoje e amanhã em Montevidéu ”.

Urge, Sr. Presidente, que o Senado da República, ao qual embora não caiba a execução da política externa, responsabilidade do Executivo, através do Itamaraty, como formulador dessa política e instituição que tem papel relevante na apreciação dos agentes diplomáticos no exterior, que se mobilize para resgatar o Mercosul. E sobretudo porque o Brasil é o país de maior expressão político-econômica da região. É fundamental que ele concorra com seus bons ofícios para evitar um grave retrocesso no processo de integração regional. Somente por esse caminho poderemos pensar em participar mais efetivamente do processo de globalização que vive o mundo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2007 - Página 45783