O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira, dia 14, fui a Sobradinho, na Bahia, visitar o Bispo Dom Luiz Flávio Cappio, que está, há 22 dias, em greve de fome, em protesto ao projeto de transposição do rio São Francisco nos termos em que vem sendo executado. Trago aqui a minha enorme preocupação com essa situação, que, acredito, não tem recebido a devida atenção e tratamento pelas autoridades competentes.

Quanto à sua saúde física, Dom Cappio está definhando dia a dia. Ele está oito quilos mais magro e apresenta sangramento nos lábios. Temos notícia de que já não consegue dar entrevistas e suspendeu as visitas em razão das poucas forças e do estado de imensa fraqueza física em que se encontra. Considero que, neste momento, sua vida está claramente em risco!

Tenho ouvido, desde o início do protesto de Dom Cappio, recorrentes manifestações de políticos, autoridades religiosas e outras personalidades tentando qualificar de individualista e extremista a atitude do Bispo na questão que envolve a transposição do Rio São Francisco. Entretanto, Srªs e Srs. Senadores, não podemos esquecer que o clamor de Dom Cappio é, antes de qualquer coisa, uma manifestação desesperada de amor incondicional ao Velho Chico e, em especial, a todos aqueles povos ribeirinhos, pequenos agricultores e pescadores artesanais, que dependem do Rio São Francisco para sua sobrevivência e de suas famílias. Seu firme propósito de só voltar a se alimentar se o Governo parar as obras de transposição do Rio São Francisco não é imotivado, mas pretende atentar para a necessidade de que as obras de revitalização sejam realizadas segundo as recomendações da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA).

A alguns desavisados, poderia parecer que a atitude desesperada de Dom Cappio é um exagero, um absurdo, um disparate. Mas especialmente a esses é importante que se diga que o protesto do Bispo nada mais é do que um clamor para que se cumpra a lei, para que se cumpra a decisão do Supremo Tribunal Federal e, ainda, para que se cumpra o acordo feito entre o Governo Lula e o próprio D. Cappio, dois anos atrás, no sentido de que as obras só seriam retomadas após a realização de audiências públicas e de debates com todas as partes envolvidas.

Foi exatamente nesse sentido a decisão do Ministro Sepúlveda Pertence, no Supremo Tribunal Federal, há cerca de dois anos, sobre essa questão. Ou seja, em decisão daquela corte maior de Justiça ficou determinado que a execução das obras em questão só poderia ter continuidade após a realização de audiências públicas e maiores estudos sobre o projeto.

Entretanto, Sr. Presidente, não houve debate adequado, não houve audiências públicas, enfim, mais uma vez os interesses escusos pretendem se fazer dissimular sob argumentos falaciosos que invocam o progresso e a prosperidade para o sertão, quando sabemos tal qual já nos mostrou a história em outros momentos, que projetos dessa grandeza e dessa amplitude tendem muitas vezes a beneficiar exatamente aqueles que menos precisam, ao mesmo tempo em que retiram o pouco dos pequenos, daqueles que retiram apenas o necessário para sua sobrevivência.

Ontem, o Senador Eduardo Suplicy, que também visitou o Bispo na quinta-feira, em seu pronunciamento, a despeito de todos os argumentos utilizados por muitos para defender a transposição, afirmou que não se podem desconsiderar ainda os estudos que apontam em sentido contrário, como o do Professor Aziz Ab'Saber, um dos maiores geógrafos brasileiros, que, em seu artigo “A seca e o velho Chico”, avalia que a transposição do rio São Francisco seria boa para os ricos mas não tão boa para os pobres.

Diante dessa situação conflituosa, em que um fim trágico ameaça se concretizar, é urgente e imperioso tentar-se restabelecer um diálogo entre as partes envolvidas. Dessa forma, creio ser imprescindível que o Senado Federal se coloque como mediador desse impasse, a fim de evitar que uma tragédia iminente venha a se efetivar. Portanto, estou apresentando, Sr. Presidente, um requerimento para se criar uma Comissão Externa do Senado Federal, formada por cinco Senadores, para acompanhar o caso e tentar buscar uma solução. Como depositários que somos da confiança do povo brasileiro nos valores democráticos e de liberdade que rege a nossa sociedade, creio ser nosso dever atuarmos para que sejam respeitadas as opiniões divergentes e para tentar contemporizar os interesses conflitantes, como se faz evidente no caso deste protesto de Dom Cappio.

Sr. Presidente, hoje pela manhã, visitei os militantes dos movimentos sociais, do MST, do Movimento dos Pequenos Agricultores, da CPT, da Pastoral dos Pescadores e de outras pastorais sociais, do movimento estudantil que realizam um jejum solidário na Praça dos Três Poderes cobrando das autoridades, do Governo, do Congresso, de todos que tenham responsabilidade para que possamos encontrar uma solução e evitar com isso o sacrifício da vida do bispo profeta da Bahia, que está há 22 dias em jejum e oração, lutando para que os interesses daquela região, especialmente dos mais pobres, sejam respeitados.

Sendo assim, apelo ao Governo no sentido de que as obras sejam suspensas até que os procedimentos que lhe deveriam preceder sejam tomados. Apelo ainda a todos os Srs. Senadores e Senadoras para que possamos envidar todos esforços no sentido de aprovar o requerimento e, imediatamente, constituir essa Comissão, para que se alcance, no mais curto espaço de tempo, uma solução para essa grave situação.

Muito obrigado.