Discurso durante a 241ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a decisão do STF acerca da transposição das águas do rio São Francisco, e sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio, em sinal de protesto.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
RELIGIÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexão sobre a decisão do STF acerca da transposição das águas do rio São Francisco, e sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio, em sinal de protesto.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2007 - Página 46365
Assunto
Outros > RELIGIÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REPUDIO, GREVE, FOME, BISPO, IGREJA CATOLICA, ESTADO DA BAHIA (BA), RISCO DE VIDA, OFENSA, RELIGIÃO, ALEGAÇÕES, PROTESTO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE RELIGIOSA, REVISÃO, CONDUTA, DIRETRIZ, CRISTÃO, ACOLHIMENTO, SENTENÇA JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONTINUAÇÃO, OBRAS.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, venho a esta tribuna porque hoje é o 24º dia da greve de fome de Dom Luiz Cappio, Bispo da cidade de Barra, na Bahia, contra a transposição do Rio São Francisco. Ele já perdeu mais de oito quilos e seus rins já dão sinais de comprometimento.

Neste momento não é relevante discutir virtudes e defeitos, perdas ou ganhos, eficiência ou ineficiência do projeto de transposição. Isso agora é caso de somenos importância. Quero falar sobre a vida de Dom Luiz Cappio, sobre o conceito bíblico de origem da vida, de sua preservação, de seu destino final e sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Nós os cristãos não cremos que a vida seja uma evolução acidental da matéria. Acreditamos que seja o sopro de Deus e, portanto, uma parcela de Sua divina existência, que se manifesta na energia que em nós palpita e, de maneira incondicional, como o sol e a chuva que a todos servem; constitui-se expressão suprema do amor e cuja essência não temos o direito sequer de pensar em dispor.

A vida é dom de Deus. É para ser preservada em quotidiana comunhão, pela fé inteligente, da criatura com o Criador.

Essa preservação é o instinto mais natural e mais forte que existe nos seres racionais e irracionais. É a índole e a vocação da preservação da espécie que, de todo, perpassam a plenitude da natureza em sua mais ampla diversidade como reflexo da vida onipresente, onisciente e eterna do próprio Deus.

Nas Sagradas Escrituras não se encontra maior ofensa, maior agravo, maior injúria que se possa cometer contra a natureza, a humanidade e o próprio Deus, que se constitui em atentar contra a vida seja de outrem, seja a própria. Ela não pode fazer jamais parte do rol dos argumentos de convencimento por mais nobre que seja a causa, por mais relevante que seja a missão, ou por apaixonados e arrebatados que estejam a alma e o coração.

Nas narrativas bíblicas, só há registro de dois suicídios: um, levado a termo por Saul, primeiro Rei de Israel que, cercado por seus inimigos e vislumbrando sua iminente destruição, tomado pelo horror da agonia imposta pelas circunstâncias, caiu sobre a própria espada, mas não antes de fazer dramático apelo ao jovem escudeiro que o acompanhava que o matasse, no que não foi atendido; o outro caso, é o símbolo da porfia, da injustiça e da traição, Judas Iscariotes.

São exemplos de decadência, fracasso moral e espiritual, além de total falta de fé na providência divina pelo mover da oração de um justo. É isso que resta de efetivo de tal gesto tresloucado, solitário e de todo infecundo.

Diante das tribulações, das perseguições injuriosas, das calúnias mais profundas, dos expedientes traiçoeiros, dos mais torpes aos mais virulentos, o diálogo construtivo, a oração e a fé são as armas de que dispomos e também os limites que balizam a prática cristã. Não há um salmo, uma parábola, uma profecia, um versículo sequer nos textos bíblicos, ou na vida dos apóstolos, que nos permita pensar em dispor da própria vida.

O mandamento imperativo “não matarás”, que é princípio fundamental da Lei de Deus, tem como pressuposto fundamental não matar a si mesmo.

Quando o Brasil, por suas instituições, e os brasileiros espalhados pelo vasto território de nossa Pátria, tomados pelo mesmo sentimento e irmanados na mesma dor, apresentam a Deus uma prece pela vida do Bispo combalido e internado, cumpre-nos também insistir, admoestar e até protestar contra o gesto que divide a Igreja, que preocupa e constrange a Nação, e, sobretudo, ofende os princípios cristãos, terrível exemplo de alcance imprevisível e de conseqüência trágica.

Clamo ao servo de Deus, ao servidor dos pobres, ao amigo de todos, ao menor entre os menores, ao pregador do Evangelho, que com Cristo aprendeu que a única vitória possível só se dá quando se dá a outra face, quando se caminha a outra légua e quando se abre mão da túnica e da capa. Lembre-se, Dom Cappio, das páginas encantadoras de beleza e de heroísmo escritas pelos missionários que ensinaram os índios e lutaram contra a exploração e a injustiça...

(Interrupção do som.)

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - ...e que em suas veias corre o sangue de heróis que deram a vida por Cristo.

Lembre-se das vulnerabilidades da sua terra e do sofrimento do seu povo e não lhes acrescente mais um.

Lembre-se da vocação suprema de semear a esperança e não a discórdia no coração dos homens e das mulheres deste País. É por isso que lhe clamo pelo que há de mais alto, mais puro e mais sublime na alma nacional, pelos sinos que ecoam no céu da Pátria, pela prece de piedosas mulheres que nos lares, nas igrejas e nos conventos imploram a paz.

Sr. Bispo, preze o Brasil com uma atitude sacerdotal e tenha a coragem de acatar, com humildade, a decisão da Justiça sobre a qual repousam os valores perenes da Pátria; que olhe V. Exª Revmª para o céu e veja a cruz de estrelas que nos ilumina e protege e, assim, reflita sobre suas responsabilidades como pastor que conduz o rebanho e não nos acrescente mais uma angústia, mais uma perplexidade e mais uma preocupação.

Lembre-se dos ensinamentos de Paulo, que dizia não haver autoridade que não seja constituída por Deus.

Lembre-se do próprio Cristo no julgamento em que o bem supremo se defrontou com o mal supremo, e foi condenado o justo, o único justo, e ele também à ela, Justiça, resignadamente se submeteu.

Discordar, sim; debater, sim; argumentar, apelar, fazer-se ouvido, sim; afrontá-la, jamais. Desafiá-la, nunca. Essa é a lição de Santo Ambrósio, quando dizia: “os palácios pertencem aos governantes; a Igreja, ao sacerdote”.

Volte à sua Igreja, Sr. Bispo. Autoridades e sacerdotes, a todos Deus constituiu e a cada um cabe prestar contas de seus atos. Entre todos os atos, um dos piores é desafiar a Justiça, e pior ainda é atentar contra a própria vida, o dom supremo de Deus.

Sr. Presidente, esse é um apelo que faço, em meu nome e por delegação honrosa de meu partido, e, tenho certeza, em nome de todos os homens de boa vontade que já não suportam ver o sofrimento do bispo, que, combalido, internado em um hospital, hoje à noite, dará o veredicto se sairá da greve de fome que o conduzirá à morte, segundo o médico testemunhou, e voltará à igreja para alegria do seu rebanho, ou insistirá nessa atitude, a meu ver, contrária a tudo o que a Bíblia nos ensina.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2007 - Página 46365