Discurso durante a 229ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração da abertura da Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração da abertura da Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2007 - Página 44649
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, CONJUGE, EX PRESIDENTE, SENADO, SENADOR, ATOR, CONTRIBUIÇÃO, LUTA, INCLUSÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, PARTICIPAÇÃO, SEMANA, VALORIZAÇÃO.
  • ESPECIFICAÇÃO, PERSONAGEM ILUSTRE, MUNDO, BRASIL, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, DEMONSTRAÇÃO, CAPACIDADE, SUPLANTAÇÃO, LIMITAÇÃO, HOMENAGEM, MUSICO, VITIMA, DEFICIENCIA FISICA, EXECUÇÃO, HINO NACIONAL, ABERTURA, SESSÃO, SENADO, DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, INCENTIVO, CONTRIBUIÇÃO, CIDADANIA.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente César Borges, Srªs e Srs. Senadores presentes, quero homenagear a Srª Verônica Calheiros, que, ao longo de todos esses anos, seguramente, foi a pessoa que mais se empenhou na realização desses eventos, com a sua sensibilidade e com o compromisso, já reconhecido em todo o País, que tem com esse tema das pessoas com deficiência, elaborando políticas e abrindo espaço no Senado Federal.

Quero homenagear, também, meu companheiro e amigo, Senador Flávio Arns, que não está presente mas que também tem dedicado toda a sua vida pública a esse tema, a essa luta, a essas bandeiras, e tem contribuído, com suas ações, para que o Senado esteja sempre atento, procurando aprimorar as políticas públicas, especialmente quanto à acessibilidade, porque é um imenso desafio, nas grandes cidades do Brasil, o acesso ao transporte e à mobilidade, em todas as suas formas, em todas as suas exigências.

Quero, também, saudar Marcos Frota, que tem participado de todas essas iniciativas, como ator de grande reconhecimento público, e tem-se dedicado com muita intensidade a essa obra.

Como já foram apresentados os dados, os argumentos, as leis e as reivindicações, quero fazer uma outra abordagem desse tema. Sob o meu ponto de vista, o melhor caminho para superarmos tantas dificuldades, num País que ainda não olha com a atenção devida a necessidade de construir a cidadania, a inclusão produtiva, a participação ampla na sociedade das pessoas com deficiência, é o exemplo.

Se olharmos para a História, o estadista de maior reconhecimento público nos Estados Unidos foi Franklin Roosevelt, presidente daquele país por quatro vezes: durante a crise de 1929, a grande recessão, quando fez o New Deal; durante a Segunda Guerra Mundial, o que não foi qualquer coisa; e foi reeleito até o final de sua vida. Franklin Roosevelt é, hoje, reconhecido como o maior estadista da história americana. Ele era paraplégico.

Também poderíamos olhar para a música, para tantas e tantas personalidades, para grandes talentos como Ray Charles, Stevie Wonder e tantos outros cantores e autores que contribuíram para as artes em todas as suas formas.

Eu, hoje, quero fazer uma homenagem a uma vida que, de alguma forma, eu acompanhei, primeiramente como admirador e, depois, de uma forma mais próxima. Falo do maestro e pianista que hoje aqui se apresentou e, com quatro dedos, tocou o Hino Nacional. No início do próximo ano, em 23 de maio, ele vai-se apresentar no Carnegie Hall, regendo uma orquestra e, mais uma vez, tocando uma obra de Bach com quatro dedos.

João Carlos Martins é um dos grandes nomes da música, talvez o de maior reconhecimento internacional como pianista. Ele começou a tocar e se apresentar publicamente com oito anos de idade, e, com isso, não é difícil compreendermos a paixão, a dedicação, o que a música representou ao longo de sua vida.

Seu irmão, que se dedicou a outra atividade, Ives Gandra Martins, um grande, renomado jurista, também é pianista nas horas vagas, mas o talento da família, que realmente se projetou desde muito jovem, é João Carlos Martins. Com 20 anos, ele se apresentava no Carnegie Hall, com o patrocínio entusiasmado de Eleonora Roosevelt, que abriu esse espaço para que ele pudesse se apresentar.

E, nessa construção de uma profissão exuberante, tocava em todos os países do mundo, nas salas mais especializadas, ele foi jogar bola, a paixão de cada brasileiro, e, num tombo, caiu sobre o braço direito e perdeu o movimento do braço, e teve que parar de tocar piano. Depois, com muito esforço, ele recupera o movimento do braço e volta a tocar, por uma teimosia, por uma paixão pela música, e continua dando concertos.

Se não bastasse esse primeiro acidente, ele estava se preparando para concluir a única obra completa instrumental que existe sobre toda a obra de Bach - ele tocou, ao piano, toda a obra de Bach, são 27 CDs, que estão disponíveis - e, enquanto estava trabalhando nessa obra, que é uma obra de toda a vida, o que ninguém nunca conseguiu cumprir, ele estava terminando um concerto na Bulgária e foi assaltado na saída do concerto - isso não acontece só no Brasil, acontece em outros países - e atingido por uma barra de ferro. O assaltante o fere, ele desmaia e, quando volta à consciência, havia perdido todo o movimento da mão direita, que era a mão com que ele solava a obra. Com isso, interrompe a construção de seu grande projeto da vida, não só as apresentações, mas a conclusão da apresentação da obra de Johann Sebastian Bach.

Mas a teimosia pela música, a paixão pela música era tanta, que ele descobre um professor, em Israel, que, com um software, um programa de computador, torna-lhe possível recuperar o movimento da mão direita. Ele ficou - acho que foram quase dois anos -, na frente da tela de um computador, fazendo todos os movimentos, oito a dez horas por dia, para desenvolver uma outra área do cérebro que permitisse recuperar o movimento da mão direita para ele poder tocar piano. E a experiência teve êxito. Ao final de toda essa caminhada, ele volta a tocar piano com a mão direita. No entanto, ao desenvolver essa outra área do cérebro, ele invadiu um sistema, que temos no cérebro, que é a fala; outro hemisfério do cérebro é a fala. Quer dizer, quem comandava o movimento da mão dele era a mesma área que comandava a fala. Então, cada vez que ele falava algumas sílabas, a mão se movia sem que ele a controlasse. Imagine você falando e a mão movimentando! A dor era tanta que ele não podia falar.

Então, para terminar a obra do Bach e concluir o trabalho que vinha fazendo, ele se tranca numa sala escura durante o dia, não fala com ninguém - na realidade, não podia nem pensar muito, porque, se pensasse, a mão se movia da mesma forma - para poder terminar a grande obra da vida dele. Ele a termina. E, quando a termina, os médicos cortam os nervos da mão; ele não poderia mais mover a mão, a única forma de diminuir a dor. A mão que ele trabalhou tantas vezes e com tanto empenho para poder voltar a tocar piano, especialmente com esse trabalho que tinha sido feito em Israel!

Mas o nosso pianista teimoso, apaixonado pela música, pela arte e determinado a continuar perseguindo aquilo que é a razão da vida dele, se não bastasse ter perdido a mão direita, ele começa a desenvolver concertos com a mão esquerda. Ele descobriu um pianista italiano, que era um grande compositor, que também havia perdido o movimento da mão direita - parece-me - e produziu obras para serem executadas com a mão esquerda. E João Carlos Martins, que parecia ter oito toques por segundo, chega a 21 toques por segundo para executar as obras e fazer concertos com a mão esquerda.

Lembro-me de que, no apartamento dele, há algum tempo - exatamente nessa fase em que ele estava desenvolvendo as obras com a mão esquerda -, ele fez uma apresentação belíssima, exatamente mostrando que ele estava dominando a técnica e se preparando para os primeiros concertos com a mão esquerda.

Começa, então, uma nova carreira, tocando, solando e acompanhando só com uma mão, o que exige uma velocidade estrondosa, porque é necessário solar e acompanhar. E, nessa construção com a mão esquerda, aparece um tumor; mais uma vez, ele perde todo o movimento da mão esquerda.

Então, como todos viram, ele não tem movimento nos dedos das duas mãos. O que restou é o movimento do indicador e do polegar.

Aos 64 anos, ele começa a fazer um aprendizado, a estudar, a se preparar para ser regente, maestro de orquestra. Nesse período, após haver abandonado a carreira de pianista - abandonado não, porque agora ele ainda toca com os quatro dedos e vai tocar no Carnegie Hall -, ele desenvolve a função de maestro. Nessa carreira, já realizou mais de 200 apresentações e excursões como maestro; só neste ano, mais de 100. A sua orquestra é a primeira que teve acesso ao Carnegie Hall na história, a primeira orquestra brasileira que se apresentou lá em toda a história desse monumento à música clássica, e, agora, vai solar, mais uma vez, nessa grande casa, com os quatro dedos que ele tem ainda para poder produzir esse som maravilhoso, que nós ouvimos hoje, aqui, nessa apresentação.

Cito esse exemplo para dizer que o ser humano não tem limites e que as pessoas com deficiência têm sempre uma sensibilidade a mais, têm sempre alguma coisa a mais a desenvolver, a construir e não só em termos de cidadania, no prazer de viver, na contribuição à sociedade, mas especialmente naquilo que elas sentem mais profundamente.

Por isso, neste dia, nesta sessão de homenagem, quero deixar para todos que nos ouvem essa mensagem de garra, de otimismo, de compromisso, de paixão pela vida e pela música, e homenagear, entre tantos que poderiam aqui ser homenageados, escolhi esse paulista, que tanto orgulho deu à Nação brasileira, pela sua capacidade, pelo seu talento, pela exuberância com que foi como pianista e o é hoje como maestro. E a coisa mais bonita: ele trabalha com cinco mil crianças na periferia, fazendo com que a música possa florescer e o talento dele possa ser democratizado.

Portanto, parabéns João Carlos Martins, obrigado pelo que você nos propiciou hoje, e obrigado, sobretudo, pelo exemplo de vida que ficará para aqueles que nos ouvem. Um grande abraço. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2007 - Página 44649