Discurso durante a 240ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do arquiteto Oscar Niemeyer Soares Filho.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do arquiteto Oscar Niemeyer Soares Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2007 - Página 46295
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, ELOGIO, OBRA ARTISTICA, ENGAJAMENTO, VIDA PUBLICA, POLITICA NACIONAL, BUSCA, SOLIDARIEDADE, JUSTIÇA, DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, FILIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), MODERNIZAÇÃO, ARQUITETURA.
  • SOLICITAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, ATENÇÃO, GREVE, FOME, BISPO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Garibaldi Alves Filho; caro amigo e companheiro Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia; caro Senador Marco Maciel, Presidente da Fundação Oscar Niemeyer; caro Senador Inácio Arruda, que cumprimento pela proposição desta sessão tão especial; Sr. Carlos Oscar Niemeyer Magalhães, neto de Oscar Niemeyer; Srª Edenize Sousa, gerente do Espaço Oscar Niemeyer; meus colegas Senadoras e Senadores; amigos de Oscar Niemeyer; Senadora Ideli Salvatti, cumprimento V. Exª e o Senador Aloizio Mercadante pela iniciativa da homenagem ao amigo de todos nós brasileiros, Oscar Niemeyer, que tem um pouquinho mais de idade do que a minha mãe, Filomena Matarazzo Suplicy, que tem 99 anos. Fico admirado de vê-lo, caro Oscar Niemeyer. Visitei-o no primeiro semestre deste ano, juntamente com a Mônica Dalari, quando tivemos um diálogo precioso de aprendizado sobre a vida. Tínhamos visto o filme Oscar Niemeyer, sobre seus 100 anos de obras e fizemos questão, antes de visitá-lo em seu apartamento, de apreciar algumas das suas principais obras.

Visitamos as obras de Niterói - coisas tão belas; todos os dias em que entro neste Senado maravilhoso, fico apreciando a qualidade formidável de seu desenho e, sobretudo, o sentido maior de sua vida, que ensina, a cada dia, a todos nós brasileiros e à humanidade o seu sentido da busca da solidariedade, da justiça.

“Ah, como é mágico ver surgir na folha branca de papel um palácio, um museu, uma bela figura de mulher! Como as desejo e gosto de desenhá-las! Como as sinto nas curvas da minha arquitetura!” Essas suas palavras dizem tanto daquilo que representa todo o seu ensinamento. Assim Niemeyer autodefine a sua arte. A arte de criar, de dar forma ao imaginário, de intervir no meio sem agredi-lo, juntando o concreto à natureza.

Com a junção de linhas curvas e retas, Niemeyer soube criar um estilo próprio de arquitetura, desafiando espaço na amplidão dos vãos livres. Respeitado em todo o mundo pela sua capacidade de superar obstáculos e idéias, e transformar sonhos em matérias, caro Niemeyer, você não é só arquitetura; é também escultor, cenógrafo, escritor.

Comemorar os cem anos de Niemeyer é quase isso, é seguir o seu espírito arrojado, inovador. É comemorar a sensibilidade do artista que soube tão bem captar a beleza das linha em prol da construção de um mundo mais bonito, quer na matéria, quer no espírito dos homens.

Niemeyer solucionou maestralmente o problema da forma na Arquitetura, um “equívoco ampliado pelo funcionalismo”, segundo o próprio arquiteto. É um problema que o preocupa por toda a vida, e no qual interveio, pela primeira vez, em 1940, quando projetou as obras de Pampulha, em Belo Horizonte.

Oscar Niemayer provou ser possível atuar na profissão sem se omitir, mantendo-se “politicamente engajado”, conforme aqui enfatizaram Inácio Arruda, Ideli Salvatti e o Presidente Arlindo Chinaglia. Sobre suas idéias políticas, diz sempre ter sido um revoltado, desde criança, quando morava com a família no Bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Criado num ambiente feliz pelos pais e avós, que o prepararam com carinho e conforto para a vida, ele reconhece que foram esses seres tão especiais - como pessoas humanas - os co-responsáveis geneticamente por suas qualidades e defeitos.

Aprendeu desde cedo, e dentro de casa, a não ter dúvidas sobre a posição a tomar, num país onde 75% da população sofre, é explorada e perseguida.

Entrou para o Partido Comunista em 1945 e acolheu alguns de seus líderes, em seu escritório, ao saírem da prisão, dizendo a Prestes: “Fica com a casa; seu trabalho é mais importante que o meu.” E desde então nunca mudou de atitude.

Trabalhou demais - e continua trabalhando. Um homem que ficou num canto a desenhar, sem sentir o universo que o cerca em todas as suas grandezas e mistérios, sem ter tempo de olhar para a própria vida. Mas fez o que pôde fazer e não esqueceu os que sofrem, e com eles ainda caminha solidário.

Quando iniciou a sua vida de arquiteto, em 1936, a arquitetura se fixava com o funcionalismo pontificado, recusando a liberdade de criação e a invenção arquitetural. Impunha-se sistemas construtivos, limitações funcionalistas, que não convenceu o jovem Oscar, que olhava as obras do passado tão cheias de invenção e lirismo. Não podia compreender como a arquitetura contemporânea permanecia fria e repetida, numa época de concreto armado que podia oferecer formas livres e inesperadas.

Para uns, é só a função que conta; para outros, inclui a beleza, a fantasia, a surpresa arquitetural que é para Niemeyer a própria arquitetura. No começo, Niemeyer procurou aceitar tudo isso como uma limitação provisória e necessária, mas depois voltou-se inteiramente contra o funcionalismo, desejoso de ver a arquitetura integrada na técnica que surgia e juntas caminhando pelo campo da beleza e da poesia.

E essa idéia passou a dominá-lo, irreprimível, decorrente talvez de antigas lembranças das igrejas de Minas Gerais, das mulheres belas e sensuais que passam pela vida, das montanhas recortadas esculturais do meu País.

“Oscar, você tem montanhas do Rio dentro dos olhos”, ele ouviu um dia de Le Corbusier. Mas era a forma absoluta que o atraía, pura e delgada, “solta no espaço à procura do espetáculo arquitetural”.

E isso explica sua atuação diante das obras da Pampulha, já tocada por essa vontade imperiosa de contestação e desafio. Pampulha surgiu com formas diferentes, abobadadas variadas, a marquise de curvas da Casa do Baile, que conquistou admiradores e contestadores.

Era o bairro diferente com que JK sonhava, que tanta falta fazia a Belo Horizonte, de formas novas e arquitetura leve.

E a partir da Pampulha, não só o Brasil, mas o mundo se abriu para uma arquitetura nova, de formas mais livres, que nem todos conseguiram acompanhar ou mesmo entender.

Oscar Niemeyer deixa marcas na arquitetura por meio de importantes contribuições, inovações, como:

as coberturas de formas livres iniciadas na Casa de Baile;

as fachadas inclinadas da sua residência Prudente de Moraes e a Escola Julia Kubitschek;

o teto convexo do Iate Clube do Rio de Janeiro;

as coberturas em curvas e retas da residência Oswald de Andrade;

os pilotis em dois “VS” do conjunto JK e, depois, com a arquitetura de Brasília, ainda mais variada e radical.

Essas foram as bases para todo o resto da arquitetura de Niemeyer, que consegue ainda nos surpreender a cada nova obra, a cada criação arquitetural que tanto o ocupou a vida toda, embora estivesse interessado em outros problemas, preocupado com a miséria, muito mais importante, para ele, do que a própria arquitetura.

Foi pensando também naqueles que não têm ainda os direitos plenos à cidadania que Niemeyer se preocupou em fazer o “belo” nas suas obras. Ele queria que todos, sem exceção, pudessem admirar uma bela obra, uma bela paisagem, mesmo que não tivessem dinheiro para entrar nela, possuí-la. Esse prazer visual sem distinção de classe era uma preocupação constante.

“Quando uma forma cria beleza, ela tem uma função e das mais importantes da arquitetura.”

Imprescindível ainda é falar do homem. Todos que o conhecem são unânimes em dizer: “Niemeyer sabe conquistar amigos, mantê-los a seu redor, ajudá-los quando necessário. Os amigos lhe são essenciais. Assim como o cuidado com os amigos, é o tempo. Niemeyer tem sabido esticá-lo. São 79 anos de atividade profissional, desenhando palácios e cadeiras, fábricas e prédios de apartamentos, universidades, sede de escolas de samba, mulheres nuas, igrejas, hospitais, bibliotecas, clubes, museus, pontos de ônibus, ginásios para shows de rodeio, relógios de sol, esculturas e um projeto de cidade para o deserto de Negev, em Israel, além dos Cieps e Ciacs, que precederam os CEUs e que constituem um prolongamento da sua própria idéia, como da de Darcy Ribeiro e de Anísio Teixeira.

Cem anos é muito tempo, mas para Niemeyer ainda é pouco - para ele, que já foi reverenciado por grandes nomes do pensamento, da literatura e da moda no Século XX, desde o francês André Malraux ao português José Saramago e o italiano Giorgio Armani. Prêmios são inúmeros - entre eles, o maior prêmio de arquitetura do planeta, o Pritzker, de 1988.

Ele nasceu em 15 de dezembro de 1907, trabalhando quase todos os dias da sua vida - sábados, domingos e feriados incluídos. Ainda quando menino, desenhava no ar, o dedo indicador riscando a arquitetura das nuvens e do vento, desenhos que transferiu para o papel depois de adulto.

Desde moço, ele assumiu-se comunista, um socializador que quer partilhar seu talento e suas idéias com responsabilidade e preocupação social. Isso está acima das irretocáveis obras que projetou.

Niemeyer poderia ser músico, engenheiro, veterinário, gari, provavelmente em qualquer atividade seria genial. Mas é seu sentimento que o faz tão especial. Ele nunca quis ser grande, no entanto é o maior. Mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar. Assim é Oscar Niemeyer, um século de arte, de vida, de sentimento, de solidariedade, de amizade, de busca de justiça e de igualdade social.

Meu caro Oscar Niemeyer, quando estive aí, no primeiro semestre, com a Mônica, pudemos ter uma boa conversa e eu lhe falei da proposição - que já é lei - que institui uma renda básica de cidadania e um fundo Brasil de cidadania, para assegurar a todo e qualquer brasileiro, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica - a todos os 190 milhões de brasileiros que seremos em breve - partilhar da riqueza da Nação como um direito universal. E então você me disse que gostaria até que eu pudesse um dia visitá-lo outra vez, para transmitir aos seus amigos como essa idéia pode efetivamente ser colocada em prática e se tornar uma realidade o quanto antes no Brasil.

Quero dizer que me disponho, quem sabe nos primeiros dias de janeiro, a lhe fazer essa visita, para aprofundar e trocar idéias, inclusive para lhe dizer da minha disposição de, em breve, estar na Assembléia Nacional do Iraque, em Bagdá, para transmitir aos iraquianos como essa proposição poderá ser também um instrumento para a democratização e a pacificação do Iraque.

Assim, prezado Oscar Niemeyer, muito obrigado por ter-nos ensinado tanto, não apenas no âmbito da arquitetura, mas, sobretudo, nos caminhos de solidariedade entre os povos e entre os brasileiros. Que bom que o Presidente Lula, ao longo de seu mandato, tem conseguido diminuir o grau de desigualdade e conseguido diminuir significativamente o número de pessoas que vivem em condição de pobreza absoluta no Brasil. Mas é preciso o seu sopro para que, mais e mais, esses ideais sejam alcançados.

Permita-me ainda, Presidente Garibaldi Alves, no dia em que homenageamos uma pessoa como Oscar Niemeyer, transmitir um apelo, pois acredito que Oscar Niemeyer, como tantos de nós, esteja também preocupado com a vida de Dom Luiz Flávio Cappio, que iniciou uma greve de fome, para que possamos todos debater melhor o que fazer com as águas do rio São Francisco.

Ontem, o Senado Federal aprovou a constituição de uma comissão, proposta pelo Senador José Nery, para que possamos colaborar no entendimento entre o Governo do Presidente Lula e Dom Luiz Flávio Cappio e todos aqueles que tenham um ponto de vista diferente. Que possam as luzes, a vida, a experiência de Oscar Niemeyer serem uma contribuição para que seja salva a vida de Dom Luiz Flávio Cappio, pelo entendimento com o Governo do Presidente Lula.

Parabéns, Oscar Niemeyer!

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2007 - Página 46295