Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aponta características que empobrecem a política brasileira. Críticas à falta de consistência programática dos partidos políticos brasileiros.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL. EDUCAÇÃO.:
  • Aponta características que empobrecem a política brasileira. Críticas à falta de consistência programática dos partidos políticos brasileiros.
Aparteantes
Fátima Cleide, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2008 - Página 1663
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, POLITICA NACIONAL, FALTA, DIRETRIZ, PARTIDO POLITICO, PROGRAMA PARTIDARIO, FIDELIDADE, CAMPANHA ELEITORAL, AUSENCIA, UNIFICAÇÃO, DEBATE, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, EXCLUSIVIDADE, DISCUSSÃO, CORRUPÇÃO.
  • DENUNCIA, FALTA, ETICA, PRIORIDADE, POLITICA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, OCORRENCIA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), OPINIÃO, IMPOSSIBILIDADE, ACUSAÇÃO, REITOR, CORRUPÇÃO, REGISTRO, AUSENCIA, DIRETRIZ, INTERESSE PUBLICO, SEMELHANÇA, RIQUEZAS, PRODUTO SUPERFLUO, EDIFICIO SEDE, MINISTERIO PUBLICO.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, FALTA, COMPROMISSO, FUTURO, INTERESSE NACIONAL, PERDA, REPUTAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, PROJETO, DIREITOS, PROFESSOR, EDUCAÇÃO BASICA, LICENÇA ESPECIAL, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, tenho sido conhecido como o Senador de uma nota só, que fala sempre sobre pobreza e sobre a educação como caminho para resolver a desigualdade brasileira. E hoje venho falar, mais uma vez, sobre pobreza. Mas venho falar, Senador Valadares, sobre outra pobreza. Venho falar sobre a pobreza na política, que hoje está caracterizando a maneira como neste País se pratica o que deveria ser a mais nobre das atividades.

            Nós podemos definir pobreza como a escassez, como a falta das coisas básicas. Olhemos ao redor e vamos ver o quanto está faltando na política brasileira. Em primeiro lugar, vamos falar com franqueza: faltam Partidos. Nós temos siglas; siglas, nós temos até em número demasiado. Mas qual desses Partidos encarna a causa, como quando tínhamos um Partido Comunista Brasileiro, como quando tínhamos um Partido Liberal Brasileiro no tempo do Império? Qual Partido? Faltam Partidos. E essa é uma das causas, sem dúvida alguma, da pobreza na política brasileira.

            Mas, além de faltar Partido, havendo apenas siglas, falta fidelidade nessas siglas para cumprirem aquilo que prometem nas campanhas. Quantos dos nossos Partidos/sigla chegam aqui dentro e se comportam coerentemente, fielmente àquilo que defenderam durante a campanha? Somos pobres de Partidos e somos pobres da coerência e da fidelidade.

            Falta - e é a terceira razão da pobreza da política - uma agenda que unifique o debate. Nem digo, Senador, que unifique os políticos, mas que unifique o debate. Falta uma agenda que diga “vamos debater esse assunto cada um de um lado, mas vamos debater esse assunto”. Qual é o assunto que debatemos aqui? O Senador Renato Casagrande há poucos instantes falou sobre isso. S. Exª propôs uma agenda para o Congresso. Como se pode fazer política sem uma agenda? Qual é a agenda do Senado, do Congresso, nos últimos anos, a não ser as CPIs, a não ser os escândalos?

            Vamos deixar, Senador Mão Santa, de falar dos escândalos? Claro que não! Mas falar só de escândalos significa pobreza da política. Nossa política está pobre, mas não é só isso. Há falta de ética, sim, no comportamento dos políticos. E não vamos citar um, outro ou outro, mas algo ainda mais grave e quase imperceptível a nós: a falta de ética nas prioridades políticas.

            Estamos vendo agora essa situação que atravessa a Universidade de Brasília, na qual sou professor e na qual fui reitor. Se formos olhar do ponto de vista legal, do ponto de vista da honestidade pessoal do reitor, não há como acusá-lo de corrupto. De maneira alguma. Mas, se formos analisar do ponto de vista das prioridades, podemos dizer, sim, que houve falta de ética nas prioridades de utilização dos recursos. Mas para essa falta de ética nas prioridades ninguém liga. Querem ver um exemplo? O Ministério Público está analisando e denunciando o reitor, mas e os prédios de luxo do Ministério Público? Aquilo também não é uma falta de prioridades? Para mim, é. Não é ilegal, não é roubo. Não põe no próprio bolso, como o reitor não pôs. Mas é uma falta de ética colocar dinheiro em prioridades que não atendam aos interesses nacionais nem aos interesses da coletividade e, portanto, em primeiro lugar, dos pobres brasileiros.

            Está muito pobre a nossa política. Está muito pobre porque há corrupção do ponto de vista do comportamento, e há ainda mais corrupção nas prioridades do uso dos recursos em nosso País. É isto que está empobrecendo a nossa política: a falta do compromisso com a causa pública. A verdade é que nós deixamos que o Estado fosse privatizado. Não no sentido de vender as estatais, mas é porque, como estatais, elas estavam privatizadas - e continuam.

            Hoje há matérias nos jornais sobre os fundos de pensão dos trabalhadores das estatais, fundos que são financiados parte com dinheiro público e parte com dinheiro do trabalhador. O povo não vê o resultado desses fundos. Esses fundos são públicos, mas de interesse privado.

            No caso ainda da UnB, o responsável pela fundação que recebe dinheiro público, segundo o jornal de hoje, diz que depois que o dinheiro público entra lá passa a ser privado. Não é possível uma coisa dessas.

            Falta compromisso. Cada um de nós faz aquilo que interessa ao nosso grupo, à nossa corporação, à nossa patota e não aquilo que interessa a todos, que é o conjunto da nossa população.

            Falta sim na nossa política - e isso faz pobreza dela - parlamentar. Não “parlamentar” como substantivo, mas “parlamentar” como verbo. Quantos de nós aqui dedicam, Senadores, horas do nosso dia para parlamentarmos entre nós? Quantos? Aqui vem um e faz um discurso, depois vem outro e faz um discurso diferente, mas nós não debatemos. E o debate fundamental do Parlamento que é fora da tribuna? Como fazer esse debate se ficamos no máximo dois ou três dias por semana aqui? Quem é que tem tempo de sair para jantar uns com os outros, de almoçar uns com os outros - sem cartões corporativos, diga-se de passagem - para debater os assuntos fundamentais da sociedade brasileira?

            É uma política pobre, a política que não parlamenta, a política que não exerce essa função maior, que é de tirar os contraditórios entre nós. E isso não ocorre aqui nesses discursos, mas nas conversas que não temos tempo de fazer, que não conseguimos fazer porque não ficamos aqui no Senado.

            Dizem que Senadores e Deputados não trabalham porque não ficam aqui. Falso! Senador trabalha muito mais quando está na sua base do que quando está aqui, mas o Senado não. O Senado só trabalha quando os Senadores estão aqui e o Senado, portanto, não está trabalhando. Os Senadores estão, mas o Senado não. Os Deputados estão trabalhando muito quando eles estão nas suas bases, mas a Câmara dos Deputados não, se eles não estão aqui, em maioria, debatendo, parlamentando.

            Falta o compromisso com o futuro. Qual de nós, cada vez que vai votar, se debruça sobre o projeto, Senadora Fátima Cleide, e diz: “O que vão dizer de mim daqui a 50 anos?”

            Aproveitando esses dias mais folgados do Natal, Senador Mão Santa - o senhor é capaz de entender mais isso do que muitos -, decidi gastar o meu tempo lendo as atas das sessões da Câmara e do Senado na votação da Lei Áurea. Recomendo que as leiam e vou trazer um resumo para vocês. É inacreditável como alguns Deputados se negavam a aprovar a Lei Áurea. Nenhum tinha coragem de dizer que era contra o fim da escravidão. Mas diziam que não era hora: “Não é tempo ainda, vai destruir a indústria cafeeira, vai criar desordem”. E alguns até diziam: “Coitados dos escravos, como é que eles vão sobreviver sem ter um dono?”. Na tribuna! Não era esta, era no Rio de Janeiro. Esses senhores não pensavam no futuro.

            Será que nós estamos pensando profundamente, com a responsabilidade devida, no futuro, sobre o que vão dizer de nós por causa dos nossos votos? Se estivéssemos, esta Casa pararia para falar apenas da destruição da Amazônia nos próximos meses, porque o que vai ficar da nossa geração, no mundo inteiro, Senador Tuma, o que vão lembrar de nós é que queimamos a Amazônia. Não vão lembrar que fizemos Brasília. Isso é um assunto interno do Brasil. Não vão lembrar que industrializamos o País, não vão lembrar que democratizamos este País, até porque muitos democratizam e deixam de democratizar.

            A marca brasileira, na história da humanidade, daqui a 50, 100 anos, é a história de uma geração que queimou a última grande reserva florestal do País. A gente não pensa no futuro. Ao não pensar no futuro, a política fica pobre. Aí a gente gasta todo o tempo discutindo coisas importantes, como são os cartões corporativos, mas não que eles mereçam o monopólio do nosso tempo.

            Eu acho que a gente deveria incentivar o máximo de CPIs, mas elas deveriam funcionar depois do nosso horário do expediente normal, para que a gente trabalhe para o futuro aquilo que tem que fazer e, depois, trabalhe também aquilo que a gente tem que fazer hoje.

            Faltam também - estou encerrando, Sr. Presidente, e vejo que há dois pedidos de aparte - os temas fundamentais desse País.

            Não estamos discutindo como vai estar este País daqui a 50 anos se analisarmos a crise educacional, a crise ecológica, a crise energética, a população crescente que temos. Não estamos discutindo o que vai acontecer com a mutação demográfica que vai surgir neste País não só do ponto de vista do número, mas do ponto de vista do envelhecimento da população que vai gerar um caos para o financiamento da Previdência e, do ponto de vista da distribuição espacial, toda a população concentrada em algumas cidades. Não estamos discutindo o futuro.

            Por isso, creio que valeria a pena hoje tentar usar esse tempinho, Senador, para dizer que é triste ver como a nossa política ficou pobre. Pobre é sinônimo de escassez, e dei-lhes algumas faltas que temos. Mas não quis falar de uma, que é a que mais pega hoje na opinião pública. Esta não ponho na minha boca: a falta de vergonha. Lá fora estão achando que quem faz política hoje sofre disso - uma prova de pobreza também.

            Sr. Presidente, encerraria meu discurso, mas gostaria muito de poder dar a palavra ao Senador Sibá Machado que a pediu primeiro e à Senadora Fátima Cleide.

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Mais uma vez, peço objetividade em virtude de o tempo do Senador Cristovam estar esgotado. E peço, principalmente aos oradores que farão uso da palavra, que concedam o aparte durante o seu tempo normal de pronunciamento. Peço brevidade, por favor.

            O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Agradeço, Sr. Presidente. Quero ter apenas a oportunidade de parabenizar o Senador Cristovam Buarque, que sempre que vai à tribuna nos dá essa cancha de podermos apreciar o conhecimento de S. Exª. Este assunto é realmente provocante. Estamos já há tantos dias do início dos nossos trabalhos e ainda não tivemos a oportunidade de passar um momento discutindo sustentabilidade da economia; as relações do País com o mundo, até por causa da crise dos Estados Unidos, o que seria um dever de casa razoável para ser feito; os problemas internos do Brasil, que não são pequenos e não são poucos. V. Exª está coberto de razão. E, para cumprir a determinação do Presidente desta Casa, vou me limitar apenas a parabenizá-lo pelo seu pronunciamento, Senador Cristovam. Espero que, às sextas-feiras ou às segundas, que costumam ser dias mais calmos, possamos ter vinte minutos para debater tão brilhante assunto que V. Exª traz na tarde de hoje.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Alegro-me e me comprometo a vir na sexta-feira. Mas o bom seria que deixássemos as sextas para as coisas menores e que nos dedicássemos, durante os cinco dias úteis, às coisas maiores, como quebrar a pobreza da política que vivemos hoje.

            Ouço a Senadora Fátima Cleide.

            A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senador Cristovam Buarque, agradeço a V. Exª e ao Senador Papaléo Paes. E quero dizer ao Sr. Presidente que não tenho o dom da oratória do Senador Mão Santa, então uso sempre da brevidade e da objetividade. Quero apenas parabenizar o Senador Cristovam Buarque por trazer este tema. Acho que a política se faz através do diálogo, através da colocação das divergências e das diferenças. Concordo na íntegra com o que V. Exª fala sobre essa falta de uma bandeira, levantada por V. Exª todos os dias aqui: a causa da educação, da qual sou parceira, principalmente a educação básica a cujo terreno pertenço. Diria que hoje temos uma causa conjunta pela libertação dos trabalhadores em educação. Acho que esta Casa deveria debruçar-se sobre ela, em um momento em que estamos discutindo a realização da I Conferência Nacional Básica. Trata-se de um projeto de sua autoria, pela valorização profissional dos trabalhadores em educação - o piso salarial -, que hoje tramita na Câmara. Temos a tarefa, com bastante brevidade, de oferecer aos trabalhadores em educação essa libertação, principalmente aos professores neste momento. E há um outro projeto, que é de minha autoria, mas que também nasce como fruto dos trabalhadores em educação: a valorização dos funcionários de escola. Tenho, inclusive, que agradecê-lo por ter hoje recebido a direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e ter-se comprometido de também nos ajudar, para que, tão logo, chegue aqui, a esta Casa, o seu projeto do piso salarial, para que possamos efetivamente aprová-lo com a maior brevidade possível, de modo que a educação básica já tenha o que festejar, com relação à libertação dos trabalhadores em educação deste País nos dias de hoje. Parabéns, Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigada, Senadora.

            Encerro, Sr. Presidente, dizendo que, além deste projeto, ontem, a Comissão de Educação aprovou projeto pelo qual o professor da educação de base terá direito a licença sabática. A cada sete anos, ele terá um período fora da sala de aula para se aprimorar.

            Concluo, Sr. Presidente, dizendo que aqui falei, sim, de pobreza social, porque a pobreza política é a mãe da pobreza social. Um país que faz pobreza com riqueza da política consegue erradicar a pobreza social em seu território. A causa principal da nossa pobreza social é a pobreza que caracteriza hoje a política no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2008 - Página 1663