Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a frase: quando os políticos enriquecem, a política empobrece. O debate sobre a transposição das águas do rio São Francisco. Defesa da criação de uma comissão permanente de inquérito contra a corrupção.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre a frase: quando os políticos enriquecem, a política empobrece. O debate sobre a transposição das águas do rio São Francisco. Defesa da criação de uma comissão permanente de inquérito contra a corrupção.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/2008 - Página 2436
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, ATIVIDADE POLITICA, PAIS, UTILIZAÇÃO, POLITICO, INFLUENCIA, ENRIQUECIMENTO ILICITO, DESVIO, ATENÇÃO, INTERESSE NACIONAL, AUMENTO, CORRUPÇÃO, PREJUIZO, POLITICA.
  • APREENSÃO, INEFICACIA, DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL, NECESSIDADE, OBSERVAÇÃO, VANTAGENS, SUPRIMENTO, AGUA, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, RISCOS, REDUÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, SUGESTÃO, UNIFICAÇÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PROJETO.
  • ANALISE, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, BOLSA FAMILIA, FALTA, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, APREENSÃO, POLITICA, COTA, PROGRAMA, ENSINO SUPERIOR, LIMITAÇÃO, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, MELHORIA, ENSINO PUBLICO, CRITICA, REDUÇÃO, NUMERO, ESCOLHA, CIDADE, BRASIL, SEDE, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PERMANENTE, INQUERITO, EXCLUSIVIDADE, APURAÇÃO, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, INTERFERENCIA, ATIVIDADE, SESSÃO LEGISLATIVA.
  • CRITICA, IMPRENSA, AUSENCIA, CONTRIBUIÇÃO, DEBATE, POLITICA, PRIORIDADE, ASSUNTO, FALTA, RELEVANCIA, INTERESSE NACIONAL, APREENSÃO, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, EXCESSO, RECURSOS, CONSTRUÇÃO, PALACIO, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, REITORIA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), ETICA, APLICAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, CRITICA, FALTA, POLITICA, INTERESSE NACIONAL, REFERENCIA, SITUAÇÃO, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, RESPONSABILIDADE, SENADO, GARANTIA, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a todos e a todas! Eu creio que falar depois do Senador Pedro Simon tem a vantagem de conseguir uma audiência maior e tem a desvantagem de manter a atenção dos que vão assistir.

Eu quero começar, Sr. Presidente, com uma frase: quando os políticos enriquecem, a política empobrece. Eu quero chamar as pessoas para refletir sobre esta frase: quando os políticos enriquecem, a política empobrece. Houve um tempo, até no passado, em que muitas famílias perderam fortunas investindo na carreira política dos filhos. Hoje a gente tem visto que a carreira política consegue ser uma carreira que permite a algumas pessoas enriquecerem.

Não há como se enriquecer, de fato, com o salário de político, mesmo que sejam altos os nossos salários. Só tem uma maneira, então, de enriquecimento, como vemos em alguns quadros políticos: ou pela corrupção, ou pelo uso do seu tempo para atividades que não sejam a política - aqueles que dedicam tempo de suas atividades para as empresas que têm. E aí a política empobrece, ou seja, a política empobrece ou pelo deslocamento da atividade do político, que deve ser uma atividade permanente, ou a política empobrece porque os políticos usam as influências que têm para aumentar suas fortunas. Quando os políticos enriquecem, a política empobrece. E a política brasileira está pobre! Muito pobre.

Vejam um fato tão importante quanto esse de ontem do debate sobre o rio São Francisco. Falei há pouco, em um aparte ao senhor, que mesmo um debate que foi importante e que esteve, de longe, acima da média de todos os últimos debates nossos teve uma pobreza: a pobreza da falta da concepção nacional no debate do que fazer com a água do São Francisco.

Dividimos os que estavam aqui ontem entre os a favor e os contra a transposição. Não colocamos esse pessoal junto para dizer: “Gente, como é que se pode fazer para usar a água do São Francisco em benefício do País inteiro?” Não pensamos isso. Mesmo quando se defende, em nome do substancial número de 12 milhões de habitantes, de nordestinos pobres e sem água, que, se o projeto der certo, essas pessoas vão receber água, temos de lembrar que mesmo essas representam uma parte do País, e não o País inteiro. Imaginem que de fato a água chegue para elas hoje, amanhã, durante um ano, dois anos ou dez anos, e o rio mingúe, como alguns afirmam que pode acontecer. Foi um projeto para o imediato, então não foi um projeto para o Brasil.

Essa luz aqui só existe graças ao São Francisco. Essa energia vem do São Francisco, pelas diversas represas hidrelétricas que foram feitas e pela integração que permite, quando é preciso, trazer lá da Chesf, de Paulo Afonso, para cá. Mas houve prejuízos também: fez o rio perder parte da navegabilidade que antes tinha, o chamado “rio da integração nacional”, e trouxe escassez de água em alguns pontos.

Foi ruim fazer o sistema hidrelétrico que temos? Não. Mas é preciso a gente tomar cuidado e olhar cada projeto, procurando ver como fazer em benefício do interesse público em geral, de hoje e das próximas gerações, e não apenas pensando se vai beneficiar empreiteiro ou não, como foi o debate ontem, ou se vai ou não deixar 12 milhões de pessoas hoje sem água, lembrando que há muitas alternativas para que essas pessoas tenham água também.

A dúvida de todos os que estão do lado contra a transposição é se essa água de fato chegará aos 12 milhões de pessoas. A verdade é que o projeto ainda hoje é desconhecido e não está sendo apresentado numa perspectiva nacional. É por isso que, no debate, a gente vê a pobreza da política - falo mais uma vez - quando um deputado agride um bispo presente. Porque houve uma agressão do deputado ao exigir que olhasse para ele. Houve uma falta de respeito não apenas a um bispo, mas ao bispo que, já por duas vezes, pôs sua vida em jogo para tentar defender o valor que ele tem, que pode até ser errado para alguns.

Mas, Sr. Presidente, não são essas as únicas decisões que estamos tomando sem fazer a pergunta certa: como usar o recurso a serviço do País inteiro, nas suas gerações atuais e nas gerações futuras?

Projetos que eu defendo também estão sendo feitos de uma maneira parcial. Quanto ao projeto do São Francisco, a idéia certa era a revitalização compartilhada, mas dentro de um só projeto. Hoje, são dois projetos. Fala-se que há revitalização e quer se fazer a transposição. Tinha que ser um só projeto, não dois, e os dois teriam que ser executados, porque a revitalização permite o compartilhamento.

A sua proposta recente de trazer outras bacias para dentro da Bacia do São Francisco, isso se chama revitalizar, desde que não mingúe de onde a gente está tirando água. E é possível sim. Eu não acredito que seja impossível, que seja destruidor a gente compartilhar água do São Francisco com as regiões lá do Ceará, lá do meu Pernambuco, lá do Piauí. Não acho que seja impossível, mas que seja feito de uma maneira séria, não apressada, não na correria, não de forma que todos não estejam a par do que a gente vai fazer e como vai fazer.

Mas eu vou dar outros exemplo, Sr. Presidente, de bons projetos até, mas que não têm o espírito público completo. O próprio Bolsa-Família, um projeto que beneficia 40 milhões de pessoas, tem que ser respeitado, embora tenha que se dar origem à paternidade. Esse projeto começou aqui no Distrito Federal em 1995, Fernando Henrique Cardoso o levou ao Brasil em 2000, e Lula o ampliou de uma maneira formidável - formidável em todo o sentido positivo dessa palavra. Mas não é um projeto que vise o bem comum total da Nação brasileira, porque falta educação para essas crianças. Enquanto ficarmos com o Bolsa-Família apenas como uma assistência, como é basicamente hoje, nós não estamos atendendo o interesse nacional plenamente.

É certo que hoje já se diz que 90% das crianças das famílias com Bolsa-Família em breve vão ter a freqüência às aulas atendida. Mas a freqüência não significa necessariamente atendimento, assistência. Assistência não significa permanência. Permanência não significa aprendizado. E aprendizado não significa aprendizado de qualidade. O projeto teria que ser feito casando a renda que a bolsa oferece com a escola que emancipa, e isso não foi feito.

Não foi no interesse do povo brasileiro, não foi no interesse da República, não foi no interesse público tirar a palavra “escola” e colocar “família”. Foi interesse publicitário do Governo, que não queria dar paternidade ao governo anterior.

E o que aconteceu, Presidente Pedro Simon? Quando tinha a palavra “escola” no nome Bolsa-Escola, as mães que iam receber a bolsa pensavam: Eu recebo essa bolsa porque meu filho está na escola. Hoje, quando vai receber o Bolsa-Família, ela pensa: Eu recebo essa bolsa porque eu sou pobre.

Quebramos a construção de um imaginário favorável à educação que se começava a construir nas famílias pobres brasileiras, porque as famílias pobres brasileiras, na servidão de séculos, vêem a educação de qualidade como algo apenas para os ricos. Elas não vêem como um direito intrínseco delas ter uma boa educação, Senador Pedro Simon.

Quando o ônibus pára às sete da noite, cheio de passageiros, e um desses passageiros pobres olha para o lado esquerdo e vê alguém em um carro, o passageiro do ônibus pensa que queria ter um carro desses. Quando ele olha para a direita e vê a melhor escola da cidade, ele não pensa “eu queria ter meu filho nessa escola”, porque quase não faz parte dos desejos intrínsecos da camada pobre a educação. A bolsa chamada escola estava criando essa consciência.

Falta o espírito público até em um bom projeto como é o Bolsa-Família. Eu defendo as cotas para negros nas universidades, mas falta o espírito público completo porque o verdadeiro espírito público era nem precisar das cotas. Seria uma escola de primeiro e segundo grau com tal qualidade para todos igualmente que a gente não precisava de cota para ninguém e só entrariam os melhores.

Hoje, defendo, sim, porque a gente sabe que entram nas universidades os filhos das classes médias e altas e poucos pobres fazem parte dessas classes. Não conseguimos colocar espírito público em todas as decisões. Eu defendo o ProUni. Claro que o ProUni é um bom projeto. Pagar as famílias pobres para que seus filhos não sejam obrigados a abandonar a educação superior por falta de dinheiro para pagar a mensalidade, mas não é um programa pleno de espírito publico. Para ser pleno de espírito público seria preciso que todos pudessem disputar uma vaga no ProUni; e, hoje, só um terço termina o segundo grau, só um terço tem o direito de disputar a vaga na universidade.

Então, só uma parcela pode ir e pedir o ProUni. Todos não podem disputar igualmente. Falta espírito público até em uma coisa que, parece, atinge todo o espírito público nacional. Sabe qual é, Presidente Geraldo Mesquita? A Copa do Mundo. A Copa do Mundo é uma coisa que toca todos os brasileiros. Hoje, como ela está organizada, vai excluir cidades onde deveriam ter jogos. Hoje, há dezoito cidades em condições de sediar a Copa do Mundo. Porém, a Fifa, a CBF e o Governo brasileiro dizem que só serão oito a doze. Ou seja, vamos colocar de lado oito a dez cidades que não poderão sediar jogos. Algumas já sabem que vão ter: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, creio que Brasília. As outras vão disputar, creio que Porto Alegre. Mas Manaus não pode? Florianópolis não pode? Campo Grande não pode? Maceió não pode? Natal não pode? Aracaju não pode? Ou seja, até uma coisa que toca no interesse de toda a sociedade, quando a gente vai olhar, não toca no interesse público completo.

E as CPIs, sobre as quais o Senador Pedro Simon falou? Claro que a CPI é do interesse nacional, do Brasil, tem de apurar tudo. Mas, como está sendo feita, não está servindo ao interesse público. Está servindo a interesses de partidos de oposição que querem atacar o Governo e aos partidos do Governo quando não conseguem abafar os escândalos.

As CPIs serviriam ao espírito público se elas existissem, porque é fundamental que existam, mas se não atrapalhassem o funcionamento normal do Congresso brasileiro. E a gente sabe que, nestes últimos anos, o Congresso brasileiro tem sido atrapalhado, interrompido em suas funções por uma superdedicação, não chamei de supervalorização. A valorização da CPI tem de ser total, mas a superdedicação não pode existir.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB - AC) - Senador Cristovam, V. Exª me permite interrompê-lo? Peço desculpas e licença, mas é só para prorrogar a sessão por mais 30 minutos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Trinta minutos serão mais do que suficientes.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB - AC) - Não, desculpe-me. Falei errado. Será apenas às 13 horas e 34 minutos. Desculpe-me, continue seu discurso.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - As CPIs hoje, positivas como elas são, deixaram de ser algo intrinsecamente caracterizado com o interesse público nacional, porque está paralisando o Congresso.

Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Infelizmente, V. Exª não esteve aqui há alguns anos. A CPI no Congresso desempenhou um papel muito importante. Em um País como o nosso, Senador, onde não temos a competência, a capacidade de penalizar as pessoas, lança-se uma palavra no ar, ferindo a dignidade de alguém, e ele não tem como se defender, é verdade ou é mentira. Mas a justiça não funciona. Ele vai à justiça, quer provar. Mas tanto um Maluf, há 40 anos, 300 inquéritos, e em nenhum ele foi condenado, em nenhum ele foi absolvido. Dentro desse contexto, a CPI desempenhou um grande papel. Até algum tempo atrás. Olha, uma CPI de impeachment foi uma coisa inédita. Afastar um Presidente da República! Em primeiro lugar, mérito ao Collor, que não pressionou. Olha uma coisa fantástica. A Polícia Federal, o Banco Central, o Banco do Brasil, a Fazenda, a Receita, tudo que se pediu veio. É verdade que o Collor nunca imaginou que ia atingi-lo. Nem nós queríamos atingi-lo. Até que apareceu o negócio da Elba e o motorista, e mudou tudo. Mas nós funcionamos, afastamos o Presidente da República. E o Supremo arquivou, não olhou. Faltavam provas, mas não mandou buscá-las. Baixasse uma diligência para pedi-las. Absolvesse ou condenasse. Não. Arquivou. Indicamos um número interminável de Deputados. Fizemos a CPI do Sistema Financeiro, em que o Governador Requião, então Relator, apresentou vários nomes, e, naquela época - é o que quero dizer a V. Exª -, não havia paixão de Governo e Oposição, envolvendo, inclusive, o querido Governador do seu Estado. Havia os que o definiam, mas havia o sentido de buscar a verdade. Essa paixão que está havendo agora, modéstia à parte, cada partido mandava o que tinha de melhor, de mais capaz, mais competente para as comissões. Agora, não. Agora estão desmoralizando a comissão; as Lideranças não estão tendo a seriedade responsável de buscar a verdade. É por isso que estou fazendo um apelo agora: como os dois lados entraram, vamos buscar a verdade, vamos buscar a melhoria, e não o que tem de sujo de um lado e o que tem de sujo de outro. Mas quero dizer a V. Exª que houve uma época em que a justiça não existia - perdoe-me a sinceridade -, não existia, mas a CPI, sim. Durante os oito anos de Fernando Henrique, o Procurador arquivava tudo. Foi um escândalo: era o “arquivador-geral” da República. Democracia, não tinha ditadura, não tinha violência, mas arquivava; nem pedia diligência, nem denunciava, nem absolvia, arquivava - mentira, estou dizendo bobagem, deixava na gaveta. O atual Procurador é diferente. Se V. Exª olhar neste Brasil, quantos Parlamentares foram condenados pelo Supremo Tribunal, quantos Ministros, quantos empresários, quais são as decisões? A primeira foi agora, a dos 40... O Governo aceitou a denúncia.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não foram condenados ainda.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - O PSOL está pensando que foi uma maravilha. Foi muito importante. O Supremo aceitou a denúncia, mas ainda vai levar dez anos, não sei quanto tempo vai levar. Mas nós, não. O então Presidente do Senado, o Sr. Antonio Carlos Magalhães, um grande nome, renunciou ao mandato para não ser cassado. Jader Barbalho renunciou ao mandato para não ser cassado. O próprio Renan não foi cassado, mas renunciou ao mandato de Presidente do Senado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O próprio Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Quais são as penas que os outros têm feito nesse sentido? O que está havendo agora é a tentativa de desmoralizar a CPI. Isso os Líderes, o Jucá e companhia, o Sr. Sarney, não tinham o direito de fazer. Não tinham o direito de desmoralizar uma CPI, de humilhar, de fazer uma coisa para que a opinião pública não leve mais a sério. Direi uma coisa a V. Exª com muito orgulho: a CPI desempenhou um trabalho fantástico, um grande trabalho. Quando não existia nada, onde ninguém tinha coragem, a CPI fez, mas fez com autoridade, com respeito. No Governo Geisel, o Itamar Franco pediu uma CPI sobre a política nuclear, para examinar o acordo entre o Brasil e a Alemanha, e essa CPI funcionou e foi até o fim. V. Exª tem toda razão. Agora, os Presidentes da Câmara e do Senado e os Líderes, ao indicarem os nomes - e falo que não aceito e não quero de jeito nenhum -, devem colocar gente que tenha essa preocupação. E que o Governo e a Oposição não busquem o que há de pior no Fernando Henrique e o que há de pior no Lula, mas busquem o que um tentou fazer, o que o outro tentou fazer e o que podemos fazer daqui em diante.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe, Senador.

Quero insistir no fato de que não se trata de considerar que as CPIs estão sendo supervalorizadas. Elas têm de ser supervalorizadas. Elas não podem representar uma superdedicação, uma exclusividade da atividade parlamentar. Hoje, estão tentando desmoralizar a CPI, mas não podemos deixar que a CPI desmoralize o trabalho do Congresso, que é maior do que a CPI.

Por isso, adianto uma proposta, da qual falei no aparte: já que está havendo tantos escândalos, por que não criarmos uma comissão permanente de inquérito, que trabalhe sem atrapalhar a agenda, sem precisar sequer pedir assinaturas? O membro dessa comissão permanente de inquérito, qualquer um, teria direito de pedir e a maioria decidiria.

Parabenizo o Senador Geraldo Mesquita pelo seu projeto, que prevê que o povo possa pedir uma CPI. Agora, já pensou, hoje, o povo pedir uma CPI? A gente vai ter de pegar milhões de assinaturas, cinco milhões, creio. Não é isso?

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita Júnior. PMDB - AC) - Meio por cento dos votantes na última eleição.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Então, pegaríamos essa quantidade, a mandaríamos para a Casa, e a Mesa decidiria. Não. Bastaria mandarmos para essa comissão. Do mesmo jeito que hoje, um projeto de lei, de iniciativa popular, vai para a Comissão de Direitos Humanos e de participação popular. Lá chegando, a gente trabalha. Essa comissão permanente permitiria o funcionamento do Congresso, sem ter de parar em função das CPIs existentes. Se este País, como nós desejamos, entrar em um processo em que não haja nenhuma suspeita, nenhuma denúncia, a comissão ficará em recesso, mas de prontidão, preparada para entrar em ação.

Mas, retomo as idéias da falta do espírito público. Vamos falar com franqueza, correndo todos os riscos necessários. Hoje, falta espírito público na imprensa brasileira. Claro que não é pelo que ela denuncia, é pelo que ela não divulga. Ela tem de denunciar tudo, não tem de haver censura nenhuma à imprensa. Se alguém cometer crimes de imprensa, que sejam punidos pela Justiça. Agora, você não vê a imprensa trazendo o espírito público necessário para levar adiante o debate. O próprio debate de ontem a respeito do Rio São Francisco, hoje, na mídia, é um debate pobre, relacionado a um conflito que houve ali, lembro-me disso, na hora em que eu estava falando, entre Letícia Sabatella e o Ciro Gomes, sobre as agressões do ex-Ministro Ciro Gomes, que eu acho que tem de ser ditas, mas não se aprofundou o debate. Não se colocou o debate sobre o que fazer com a água do São Francisco para que ela permaneça e para que ela seja compartilhada por todos. Qualquer incidente toma conta da denúncia. E vão falar: “E o Ministério Público, que é uma instituição das mais importantes para a democracia brasileira, senão a mais importante?” As CPIs são fundamentais; o Ministério Público também. Mas, hoje, está-se perdendo muitas vezes. Não se está apurando as coisas todas que deveriam apurar. Eu estou achando positivo, claro, que o Ministério Público esclareça o que aconteceu na minha Universidade de Brasília, com gastos exorbitantes com apartamento funcional. Porque eu creio que gastar esse dinheiro em um apartamento funcional, mesmo legal, mesmo sem roubo, peca na ética das prioridades. Mas vamos fazer justiça: e as oficinas, os escritórios do Ministério Público também não usam bens de luxo?

Será que a gente precisava desses palácios todos para o Ministério Público no Brasil e para o sistema judiciário, para dar credibilidade? Aquilo também é um crime de falta de ética do ponto de vista das prioridades.

Quando um Senador de Brasília foi cassado por causa do TRT de São Paulo, lembro-me que eu disse: “Tem de cassar Senador corrupto. Mas fazer um prédio de R$200 milhões, com dinheiro público, em um País que não tem água e esgoto, é uma corrupção também”. É a corrupção nas prioridades; a outra é a corrupção no comportamento.

A gente vê que o setor judiciário, o Ministério Público, com todos os seus méritos, não demonstra espírito público na hora de ter austeridade nas suas edificações. Nem falo nos salários. É outra discussão que engloba todos nós, inclusive o Senado e a Câmara. Então, falta espírito público.

Hoje tem um artigo do Frei Betto, que, para mim, é muito importante, no Correio Braziliense, sobre a Amazônia, em que ele mostra uma coisa absurda dentro do Governo: a Ministra diz que é preciso parar o desmatamento, e outros Ministros dizem que não há desmatamento, quando, é óbvio, a agricultura vai desmatar. E o Frei Betto diz: “Tudo isso por uma razão: falta um projeto nacional no Governo atual do Brasil”. E o que é um projeto nacional, senão a encarnação do interesse público, do interesse comum, que, às vezes, até pode vir equivocado, mas tem um rumo, tem um destino, tem um projeto? A gente não está tendo, Senador Geraldo Mesquita Júnior, um projeto. Essa é a razão pela qual inclusive o Senado paralisa-se cada vez que tem um escândalo, cada vez que tem um escândalo, cada vez que um presidente recebe um Elba, como aconteceu com o Collor, ou cada vez que os cartões corporativos alugam carros de luxo, como é o caso de hoje, com dinheiro público. O Elba, se não me engano, até foi com dinheiro privado, mas numa inter-relação incestuosa entre o setor privado e o setor público.

Pois bem: quando é que vamos retomar o sentimento de espírito público no exercício das atividades políticas e das atividades cívicas? Que não é uma questão só do Congresso. O que aconteceu na UnB é uma prova, ali não é Congresso. O que acontece no dia-a-dia na vida de cada um cidadão brasileiro, mais preocupado consigo do que com o projeto nacional, é também falta de espírito público. Esta é uma angústia.

Estava aqui assistindo a fala de um de V. Exªs, que me fez lembrar do ex-Senador Saturnino Braga. Por outra razão, não estava nem assistindo nossos discursos, ele fez questão de dizer: “Não sinto saudades desta Casa”. É triste ouvir isso. Um homem com a experiência, a idade, a vida pública de Saturnino dizer: “Não sinto saudades desta Casa”. Não é porque ele não queira servir ao País, é porque ele chegou à conclusão de que aqui ele não estava servindo ao País. E não tem outro lugar para servirmos ao País. Se estivéssemos em guerra, o lugar para servir ao País era o Exército; se estamos em paz, o lugar para servir ao País é o Congresso. Aqui é a tribuna que defende o País. Mas não estamos conseguindo fazer isso. Só por nossa culpa? Não. Até por um certo azar dessa geração que estamos a coincidir, com fenômenos históricos de perda de orientação por causa do fim do socialismo, de novos problemas que a gente não sabe administrar, como proteção do meio ambiente, quando a gente continua querendo é o desenvolvimento. E estas duas coisas se chocam, não vão casar. Não tem jeito de casar plenamente o desenvolvimento econômico, como conhecemos, como minha geração aprendeu. Eu sou um engenheiro e aprendi que o papel da gente era derrubar árvores, porque derrubar árvores significa progresso. Então, somos uma geração emperrada. Independente de diferenças de idade entre nós, esta geração é emperrada, mas o espírito público podia vir.

Não vou continuar falando, mas lembro-me de que tudo isso se passou durante muito tempo no Império em relação à escravidão e, de repente, o espírito público chegou e houve a abolição, e jogaram flores nos Senadores das tribunas. Descobriu-se que fazia parte do espírito público, inclusive sacrificar donos de escravos, sendo desapropriados de uma vez da fortuna que tinham para trazer homens livres para dentro do Território.

Quais são as bandeiras do espírito público brasileiro hoje? Estão faltando. Aí, sim, a responsabilidade é nossa. Não por sermos Senadores, mas por sermos os líderes deste País. Nós somos os líderes deste País. Não só nós, os Deputados também. Fazemos parte daqueles que lideram ou têm a obrigação de liderar ou, então, de criar.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que dá a impressão de pessimismo neste discurso. Mas, ao mesmo tempo, quero dizer que sinto um certo otimismo. Sinto um certo otimismo quando vejo uma escola de samba, no desfile, colocar a educação como a principal bandeira deste País - sinto -, em uma aliança com um grande empresário como é Antônio Ermírio de Moraes. Sinto uma esperança quando vejo nascer um “ismo” por aí, que é o educacionismo; um “ismo” por aí, que é o ecologismo; um “ismo” por aí, que é a democracia, democratismo, que fincou, felizmente, no País.

Nós temos as bases, nós temos as condições. Falo com certa idéia de pessimismo, mas com o sentimento na alma de que, a qualquer momento, nós vamos abrir os jornais e vamos descobrir uma bandeira nova para carregarmos, vamos descobrir um slogan novo para carregarmos e dizermos: esse é o interesse nacional, esse é o projeto de interesse público. Vamos fazer as CPIs, mas aqui está o rumo permanente. CPIs são fatos efêmeros para corrigir crimes, mas a virtude teria uma estrada para a gente caminhar com ela.

Eu sinto que isso pode vir, mas isso não virá enquanto tivermos a política como um instrumento de riqueza. E concluo com a frase com que iniciei: quando se fica rico com a política, a política fica pobre. Quando os políticos enriquecem é sinal de que a política empobreceu, e a nossa está muito pobre. Cabe a nós tentarmos resgatar a riqueza da política. Não há jogo mais rico, tendo em vista do seu papel, do que a política. Tinha que ser a atividade máxima de qualquer pessoa. Quando ela não o é, é porque alguma coisa está muito errada nas profundezas da sociedade. E hoje a parte que ficou da política não é a parte rica, é a parte feia, das pequenas jogadas, dos macetes de fazer ou não fazer uma CPI, de esconder ou não esconder um crime, mas a grande arte da política de reorientar o destino de um povo está faltando. Nossa obrigação é ressuscitar essa arte que o Brasil já teve em alguns momentos. Acredito que a gente vai conseguir isso, talvez levando adiante o que o Senador Pedro Simon propôs aqui: pelo menos, reservar as sextas-feiras para debatermos como fazer com que a pobreza não tome conta da política, como fazer a política se enriquecer em vez de enriquecer os políticos.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo que me concedeu, mas eu creio que numa sexta-feira a gente possa abusar um pouquinho mais do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/2008 - Página 2436