Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os gastos com a decoração do apartamento funcional do reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários sobre os gastos com a decoração do apartamento funcional do reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland.
Aparteantes
Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2008 - Página 2520
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, ORADOR, PROFESSOR, ANTERIORIDADE, GESTÃO, REITOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), DEBATE, OCORRENCIA, GASTOS PUBLICOS, IMOVEL, REITORIA.
  • REGISTRO, REUNIÃO, REITOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), DEFESA, ORADOR, AUSENCIA, APROPRIAÇÃO INDEBITA, ILEGALIDADE, INVESTIMENTO, RESIDENCIA FUNCIONAL, DESCRIÇÃO, ERRO, ESCOLHA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, PRIORIDADE, ENCAMINHAMENTO, VERBA, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, ADVERTENCIA, COMPROMETIMENTO, REPUTAÇÃO, INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL.
  • CRITICA, ENTRADA, POLICIAL, CAMPUS UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), COMPROMETIMENTO, AUTONOMIA, UNIVERSIDADE.
  • ELOGIO, ADMINISTRAÇÃO, REITOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), PIONEIRO, POLITICA, COTA, GARANTIA, ACESSO, NEGRO, UNIVERSIDADE FEDERAL, AMPLIAÇÃO, CONSTRUÇÃO, DEPARTAMENTO, CAMPUS UNIVERSITARIO, CIDADE SATELITE, DISTRITO FEDERAL (DF), INSTALAÇÃO, CURSO NOTURNO, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, REITORIA, TENTATIVA, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO.
  • PROPOSTA, CONVITE, REITOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), PRESIDENTE, CONSELHO, REITORIA, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL, ENSINO SUPERIOR, DEBATE, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SITUAÇÃO, FUNDAÇÃO, VINCULAÇÃO, UNIVERSIDADE, ATUAÇÃO, INDEPENDENCIA, CONSELHO UNIVERSITARIO.
  • COMPARAÇÃO, ERRO, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, APARTAMENTO, REITOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, CONSTRUÇÃO, EDIFICIO SEDE, ORGÃO PUBLICO, GABINETE, SERVIDOR, ESPECIFICAÇÃO, TRIBUNAIS SUPERIORES, TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO (TRT), SENADO, DEFESA, AMPLIAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA.
  • CRITICA, EXCLUSIVIDADE, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, ILEGALIDADE, SUGESTÃO, DISCUSSÃO, ERRO, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, GASTOS PUBLICOS, COMPARAÇÃO, SUPERIORIDADE, IMPORTANCIA, IMPRENSA, CRISE, AVIAÇÃO CIVIL, INSUFICIENCIA, DIVULGAÇÃO, PROBLEMA, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, POLITICA, COTA, ACESSO, NEGRO, UNIVERSIDADE FEDERAL, PROMOÇÃO, AUMENTO, NUMERO, ALUNO, BAIXA RENDA, CONCLUSÃO, ENSINO MEDIO.
  • COMPARAÇÃO, EDUCAÇÃO, NIVEL SUPERIOR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, EUROPA, ANALISE, EVOLUÇÃO, PROCESSO, REPUBLICA, SUPERIORIDADE, QUALIDADE, DIREITOS SOCIAIS, DIREITOS POLITICOS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, bem antes de ser Senador, sou professor e sou, especificamente, Senador Mão Santa, há quase 30 anos, professor da Universidade de Brasília. E é como tal, como professor dessa universidade, como ex-Reitor, Senador, que venho falar aqui sobre os fatos que têm tomado conta do noticiário local e nacional nesses últimos dias.

Quero falar, como professor, como ex-Reitor e como Senador, para manifestar qual é a minha posição diante dos fatos que ocorreram nesses últimos dias na Universidade de Brasília em relação aos gastos que a Reitoria teve com o imóvel da universidade colocado à disposição do Reitor Timothy.

Quero dizer aqui que, no sábado, como professor e ex-Reitor, convidei-o para conversar, tive uma conversa com ele e chegamos a diversos acordos. Quanto ao primeiro acordo, Senador Mão Santa, estou com o Professor Timothy de que não houve ato ilegal, de que não houve apropriação indébita, de que nenhum real saiu do setor público para o bolso do Reitor ou para qualquer de seus funcionários.

Nisso temos que estar de acordo, mas ele também teve que ficar de acordo comigo que, se não houve ato ilegal, houve um grande equívoco, um grande equívoco nas prioridades. Ao tirar-se dinheiro de destinos muito mais importantes para o desenvolvimento acadêmico, cientifico e tecnológico do Brasil, que é a finalidade da universidade, para um próprio da universidade - não do Reitor, é preciso repetir - mas cuja finalidade era a moradia onde os reitores, atual e futuros, ficam.

Estamos de acordo de que pode não ter sido ilegal, mas de que não foi correto. E ele reconhece que foi um erro cometido no momento de tomar aquela decisão. É preciso lembrar que em certos países - e o Brasil é um deles - nem tudo que é legal é correto, é decente. Pessoalmente, creio que, quando a legalidade não é correta, está na hora de mudar o que é legal; quando certos atos não são ilegais, acho que o que está errado é a legalidade. Tem que mudá-la. Tem que passar a ser ilegal uma instituição universitária ter falta de material para o seu funcionamento, ter as instalações onde moram os estudantes em condições precárias, e passar a ser legal colocar dinheiro em outros destinos.

Portanto, estamos de acordo. Não houve apropriação indébita de recursos, não houve roubo, não houve nada ilegal, mas houve um grave equívoco que é preciso ser corrigido. Até porque não é apenas do ponto de vista dos recursos, mas também do ponto de vista da imagem da instituição.

Não posso negar - e foi aí que decidi convidar o professor Timothy para conversar - que me chocou profundamente tomar conhecimento de que a polícia estava no campus. Porque a polícia já entrou no campus da universidade para acabar com a subversão, e não por suspeita de corrupção. Aquelas invasões na universidade engrandeciam a universidade na sua luta. Essa entrada da polícia na universidade me preocupa, porque a autonomia universitária é fundamental para mantermos a decência, a ética e a correção dentro da universidade.

Por isso, a terceira coisa com a qual creio que estamos de acordo é de que é preciso que o Professor Timothy dedique o máximo do seu tempo dentro da instituição para explicar à comunidade o que houve, reconhecer os erros cometidos e tentar encaminhá-los adiante, porque, Senador Paim e Senador Eurípedes, uma das coisas tristes desse fato é que a administração do Professor Timothy é uma das melhores administrações que a universidade vinha tendo.

Ele teve a coragem - e aproveito para citar os dois, Eurípedes e Paim juntos - de levar adiante o projeto de quotas de maneira pioneira no Brasil; ele trouxe, de maneira pioneira no DF, a abertura de campus universitário em outras cidades do Distrito Federal; ele amplia, de maneira sistemática, as construções dentro do campus; o aumento de vagas; a instalação de novos cursos noturnos; a criação de institutos e departamentos. É uma pena que uma administração que vinha de maneira tão dinâmica e tão bem orientada do ponto de vista das prioridades acadêmicas, de repente, por um equívoco, um grave equívoco de prioridades, entra numa situação em que ninguém consegue ver as boas coisas e sim aquele fato que foi cometido.

Por isso chegamos à conclusão, nas nossas conversas, de que seria correto que, a partir desses dias, ele se dedique ao máximo a tentar explicar e pedir desculpas daquilo que foi errado. Chegamos até mesmo à conclusão de que, durante esse período em que ele vai ter que se explicar, ele tem que dedicar o mínimo de tempo à administração do dia-a-dia, deixando isso para o vice-reitor, e se dedicar, ao máximo, Senador Papaléo, a essa caminhada dentro da universidade para se explicar um por um.

Chegamos também à conclusão, quase que por sugestão dele, de que ele está disposto a vir aqui à Comissão de Educação para debatermos não especificamente esse fato, mas algo maior que isso, que é a situação das fundações que existem hoje nas universidades e que funcionam de maneira quase independente do Conselho Universitário, quase que independente das autoridades acadêmicas, a ponto de tomar-se uma decisão como essa de mobiliar um apartamento funcional do reitor que estiver no momento sem que a comunidade seja ouvida.

Por isso a vinda dele aqui não deve ficar só dele, como Presidente do Conselho de Reitores, e não como Reitor da UNB apenas mas também do Presidente da Associação das Instituições de Ensino Superior Federais do Brasil. Que eles venham aqui para a gente conversar sobre qual é o papel, a finalidade, o aspecto positivo das fundações e por que elas não conseguem funcionar de maneira que todos saibam que ela funciona corretamente.

Como podemos fazer para que elas funcionem da maneira mais transparente possível? Essas são as conclusões que a gente tomou e que espero sejam cumpridas, mas não quero ficar só nesse discurso. Quero aproveitar o momento para especularmos porque fatos como esses acontecem, não só dentro da instituição universitária, mas no Brasil inteiro.

Eu defendo aqui - e repito - e disse diversas vezes que o que faz

com que fatos como esse aconteçam não é apenas a falta de transparência na tomada de decisões. É também, sim, uma característica perversa da sociedade brasileira que não conseguiu completar ainda a República e que faz com que cada um de nós - não vamos excluir ninguém - aja no dia-a-dia como se as instituições nas quais trabalhamos nos pertencessem, e não a uma Nação, e não à República.

Vejam que corretamente estamos criticando a maneira como se fez na UnB nesses dias com esse apartamento. Mas não vejo críticas a como se faz todos os dias em órgãos públicos brasileiros. Aliás, se a gente for olhar bem, se há uma instituição que tem característica de austeridade neste País é a instituição universitária federal. Faço muitas outras críticas, mas não são instituições que desperdicem recursos.

Quem já entrou num escritório dos órgãos superiores do Poder Judiciário brasileiro sabe que os gastos que são feitos ali não são característicos de uma República. Quando houve o escândalo do TRT, todos nos escandalizamos corretamente com o fato de que um empreiteiro, que um dos Juízes, tinha se apropriado de dinheiro público. Ninguém se escandalizou com o valor de 180 milhões de reais gastos na construção de um prédio público em um país onde 51% não tem esgoto e quase número igual não tem água encanada, por falta de espírito público. E o Senado não tem como dizer que não está ausente também dessa falta de espírito público. Se a gente for olhar, Sr. Presidente, o quanto gastamos nas reformas dos nossos escritórios, dos nossos gabinetes, de vez em quando, é capaz de ser mais do que o reitor gastou em um apartamento que ele não deveria ter gasto. Há uma falta de espírito público no País porque a República não foi completada, porque nós agimos como se ainda existisse o Império e nós fôssemos os nobres desse Império, como se não devêssemos prestar contas ao povo de cada centavo que a gente gasta, não só do ponto de vista da ética, do comportamento de não roubar, mas também do ponto de vista da ética das prioridades, de investir dirigindo ao povo.

O Senador Marco Maciel, há pouco, fez um belo discurso sobre o déficit de governabilidade, mas não discutimos o déficit de governabilidade que vem da falta de ética nas prioridades. As CPIs são constituídas para analisar os desvios de verba do setor público para o bolso privado, mas quantas CPIs já fizemos para discutir se era prioritário ou não fazer certos investimentos, mesmo sem haver roubo?

Fiz um apelo para uma CPI que analise o apagão intelectual deste País. Não quero saber, nessa avaliação, os aspectos de ética do comportamento, se houve ou não roubo de dinheiro. Para isso tem polícia, tem muita gente para fazer. Quero saber por que um País que consegue ser uma das maiores potências do mundo não consegue sair do quarto mundo na educação. Por que as prioridades estão equivocadas neste País? Por que, numa universidade, em vez de usarem recursos para comprar material de pesquisa, para melhorar a sala de aula, a gente - e vejam que falei a gente - coloca dinheiro em um dos apartamentos? Por que no Senado, por que no Poder Judiciário, por que em cada ministério, em vez de usar os recursos para as atividades fins a gente termina colocando nas atividades meio? E por que, quando colocamos nas atividades fins estamos mais preocupados com os aeroportos do que com as paradas de ônibus nas cidades brasileiras? Por quê? Por que, quando tem um apagão aéreo, o País inteiro se mobiliza, a imprensa inteira se mobiliza, e quando temos o apagão da educação, não vemos essa mobilização? Porque falta espírito público, porque falta espírito republicano. E eu digo isso lembrando o Senador Jefferson Péres, que tem sido um dos grandes defensores aqui dessa idéia de podermos fazer no Brasil a refundação da República. Aliás, acho que não deveria nem ser a refundação, deveria ser a fundação da República.

Quero concluir, Sr. Presidente, dentro do meu tempo, dizendo que desse fato, a instituição à qual pertenço, onde dou aula todas as semanas até hoje, onde tenho a honra de ter sido reitor, tem muito que aprender. A comunidade precisa aprender que não pode fechar os olhos para as coisas que estão acontecendo fora da atenção ao dia-a-dia. Por falta de atenção ao dia-a-dia é que um fato como esse aconteceu. O reitor Timothy e todos os seus auxiliares têm de aprender também que, na hora de decidir para onde vão os recursos, têm de encaminhar esses recursos primeiro para as atividades prioritárias, depois para as atividades que não são prioritárias. Agora, nós todos, nós todos precisamos aprender a lição também. Nós todos precisamos aprender a lição de que o público tem de estar na frente, não só do privado, mas tem de estar na frente das minorias quando elas vão se beneficiar.

Até mesmo as minorias que defendem corretamente seus direitos, Senador Paim, às vezes os defendem sem pensar no público. Eu, como o senhor sabe, sou defensor das cotas para mudar a cor da cara da elite brasileira, de um país africano cuja elite tem a cara de escandinavos. Mas o que me incomoda - e digo sempre ao Movimento Negro - é que eles lutam para aumentar as vagas para negros na universidade, mas não lutam para aumentar o número dos que terminam o ensino médio. Não vejo um movimento para que 100% dos negros terminem o ensino médio, não vejo um movimento para que todos os jovens terminem o ensino médio, mas vejo movimentos para aumentar o número de vagas nas universidades. Por isso, reafirmo que mesmo as minorias que defendem corretamente seus interesses não os defendem, em geral, do ponto de vista do interesse público, mas do ponto de vista do interesse específico da minoria. Essa lição a gente precisa aprender. O Reitor precisa aprender, a comunidade universitária precisa aprender e nós todos, os líderes deste País, precisamos aprender.

Estamos deixando muito de lado o interesse público em defesa dos interesses particulares. E eu não digo interesses pessoais, digo particulares. Interesses pessoais são os do indivíduo e particulares, os do conjunto. A maior parte do debate aqui é por um ou outro grupo, não há debate pela Nação como um todo. O próprio Presidente Lula, com todo respeito, fala com competência e carisma para as mães do Bolsa Família, para os meninos do ProUni, para cada grupo. A gente não vê o discurso da Nação. E é para o presente. A gente não vê o discurso do longo prazo. A falta do longo prazo, a falta do sentimento de Nação faz com que aconteçam fatos como esse da Universidade de Brasília, em quase todas as outras instituições, sem que a gente diga nada, sem que a gente nem ao menos comente.

Está na hora de tirarmos lição de tudo isso. Criticar, sim, o que foi feito de errado; procurar corrigir, sim, o que houve de errado lá na Universidade de Brasília, mas sem esquecer que as instituições universitárias, no seu conjunto, inclusive a UnB, são instituições mais austeras do que este Congresso, mais austeras do que o Poder Judiciário, mais austeras do que o conjunto dos órgãos públicos brasileiros. Por isso, vamos aprender a lição todos nós, criticando e ao mesmo tempo fazendo uma autocrítica para a falta do espírito público, do sentimento republicano, da responsabilidade de lutar e defender o conjunto, e não o particular, de pensar o longo prazo e não dar jeitinho no curto prazo.

É isso, Sr. Presidente, que quero dizer aqui como Professor, como ex-Reitor da Universidade, como cidadão brasiliense e cidadão brasileiro e como Senador. Mas gostaria de conceder dois apartes, se o senhor me permitir, ainda nos dois minutos que eu tenho.

            Ouço, em primeiro lugar, o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam, tudo o que V. Exª disse é verdade verdadeira, como Cristo falava. Olha, na minha experiência, eu tenho a contar um fato sobre o desrespeito ao Professor, à Universidade, a essas instituições, que têm austeridade. Salta aos olhos. Basta, como V. Exª disse, passar pela frente de qualquer edifício de universidade brasileira e dos prédios do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Basta isso, salta aos olhos. Mas eu queria dar um testemunho para educar o Brasil. Quando eu era prefeito, fui convidado para ir à Alemanha. Havia lá uma multinacional, Papaléo - V. Exª, que é médico -, que extraía do jaborandi a pilocarpina, um produto oftalmológico. Era a Merck, de Darmstadt, uma indústria poderosa. De repente, colocaram como meu cicerone o diretor, Professor Basedow. Sei que na Alemanha toda modernizada do pós-guerra, o trânsito andava todo engarrafado. O Basedow, que era diretor químico da Merck, sabia falar português. Bastava que dissessem “professor Basedow” e se abria o trânsito. Se entrávamos em um restaurante onde não havia vaga, bastava dizer “professor Balsedow” e nos providenciavam a melhor mesa, até naquele restaurante de Frankfurt - eu pensei que estava bêbado, mas era o restaurante, ele gira! Então, quando se mencionava o nome do professor Basedow, tudo se facilitava. Aí, eu, perplexo, indaguei: mas V. Sª não é diretor químico da Merck, a poderosa, rica empresa que está pagando as minhas contas? Eu nunca tive tanta conta paga... Ele respondeu: “Realmente sou, mas antes fui professor de Heidelberg, e o título mais honroso aqui não é o do poder econômico - diretor químico, milionário, poderoso - e sim o de professor! E eu, antes de ser diretor da Merck” - a Merck Sharp & Dohme, fabricante de medicamentos que conhecemos - “ensinei por dez anos. Somente depois disso ingressei na Merck, pois convidaram-me como químico, e hoje sou um diretor da empresa, uma poderosa firma economicamente. Mas o maior título, o de maior respeito, o mais honroso na Alemanha é o de professor. Se V. Exª quiser, eu o levo, amanhã, a Heidelberg; à universidade”. Chegando à universidade, fiquei perplexo, porque a Alemanha é toda modernizada, Papaléo. Enfrentou duas guerras e eles reconstruíram. Tudo novo. E lá é uma cidade antiga. A gente toma um impacto. O mundo, em duas guerras, respeitou Heidelberg. Foi lá que estudou Einstein. Por isso, a diferença é o respeito ao saber. Então, o País, o Senado, a imprensa precisam estar atentos ao pronunciamento de V. Exª, que significa o saber, o maior bem, a melhor semente que podemos plantar neste Brasil.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa. Eu só queria lembrar que, além da importância à educação que dão, eles completaram a república. São países que conseguem fazer com que todos os cidadãos se sintam parte de uma mesma família. Isso é a república, que vem de res publica, a causa do povo.

Até os países que têm monarquia completaram a república, do ponto de vista social, como é o caso da Suécia, da Dinamarca, da Noruega, da Inglaterra, da Espanha. São países que têm reis, mas a sociedade funciona como se fosse uma grande república, do ponto de vista social. Do ponto de vista político, é uma monarquia; do ponto de vista social, é uma república.

O Brasil, do ponto de vista político, é uma república; do ponto de vista social, é uma das mais arcaicas monarquias que temos. É uma nobreza com um rei eleito, mas que não deixa de ser um monarca, e nós todos, como nobres, ao redor dele, usufruindo daquilo que sobra da Corte, seja podendo reformar um apartamento para morar enquanto for reitor, seja usando o cartão de crédito corporativo sem saber se esse dinheiro é ou não para servir ao povo. Porque o maior problema do cartão corporativo é que o gasto não foi feito para servir ao povo. Se o cartão corporativo fosse usado para comprar um remédio na farmácia porque o doente daquele hospital estava precisando, muito bem, que viessem os cartões corporativos, mas não são para isso.

Então, agradeço ao Senador Mão Santa e lembro que a Alemanha, como o resto da Europa, conseguiu completar sua república. Nós não completamos a nossa ainda, quase 120 anos depois de ter sido proclamada.

Ouço o Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, eu estava vindo para cá e ouvindo V. Exª pelo rádio. O assunto tomou conta dos noticiários, e acredito que isso ocorreu porque as universidades brasileiras federais gozam de um prestígio, de um respeito muito grande. Embora entre a crítica e o amor, sabemos que o sonho de um jovem é poder passar no vestibular de alguma dessas universidades federais, como a UnB e a UFRJ - as mais renomadas -, ou das estaduais de São Paulo, como Unicamp, USP e outras. É um sonho de muitos jovens poder estudar nessas instituições. Também sou testemunha do esforço de V. Exª, desde quando era Reitor da UnB, e de tantos outros reitores, até o atual, no sentido de socializarem o máximo possível o ingresso nas universidades públicas a jovens oriundos das classes mais pobres, daqueles que não têm condições de pagar uma universidade privada, também com o intuito de elevarem ao máximo o padrão, o conceito da UnB em nível nacional.

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Sei que já há um requerimento na CPI das ONGs para ouvir o Reitor Timothy. Mas V. Exª já colocou aqui dois pontos interessantes: detectar se houve desvio da moral pela pessoa do reitor ou se houve uma inversão das prioridades, como V. Exª elencou aqui muito bem. Fico muito feliz de saber que V. Exª constatou que houve, ao seu entendimento, um desvio das prioridades dos investimentos da universidade e que discorda, veementemente, de quem venha a pensar na possibilidade de desvio para benefício pessoal. Isto é muito bom, porque a UnB goza de uma respeitabilidade nacional muito forte, muito forte mesmo. E as imagens que a televisão colocou levam a um espanto nacional...

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Senador Sibá Machado, por favor.

Senador Cristovam, peço a V. Exª que, após o aparte do Senador Sibá, conclua seu discurso, porque nós temos muitos oradores inscritos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - O discurso eu já havia concluído, mas quero fazer um comentário ao aparte depois que o Senador terminar.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Para economia de tempo, agradeço pelo aparte e ouço o comentário de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Primeiramente, quero lembrar que temos que ajudar aqueles que sonham em entrar na universidade. Mas me preocupo mais, Senador Sibá Machado, com aqueles que nem sonham em terminar o ensino médio, e pouca gente está preocupada com isso.

Quando se termina o ensino médio, há uma mobilização. Existe até o MSU, Movimento dos Sem-Universidade.

Mas ninguém está falando muito por aqueles que entram aos sete ou oito anos na escola primária e que sabem que não vão concluir o ensino médio.

Então, vamos lutar para que haja mais vagas nas universidades, mas vamos lutar, sobretudo, para que todos terminem o ensino médio e possam disputar em condições de igualdade.

Finalmente, o último comentário que quero fazer é que não tenho dúvida de que há uma diferença entre o crime de ferir a ética do comportamento roubando e o erro de ferir a ética das prioridades usando mal os recursos. São diferentes, mas eu não acho que um é mais ou menos grave do que o outro. Eu acho que ferir a ética nas prioridades é tão grave para um dirigente público quanto ferir a legalidade no uso dos recursos públicos. Uma coisa legal mas contra o povo deve ser tornada ilegal. A ética nas prioridades é tão importante, embora diferenciada, quanto a ética no comportamento. Aplicar mal o dinheiro público, a serviço de minorias, quando a maioria precisa, é tão grave quanto se apropriar privadamente do dinheiro público.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2008 - Página 2520