Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com as inundações na cidade de São Paulo. Ponderações sobre a questão do mobiliário da residência do Reitor da UnB. Destaque para a necessidade da busca da verdade na discussão dos problemas brasileiros.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ECONOMIA NACIONAL. POLITICA EXTERNA. CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Preocupação com as inundações na cidade de São Paulo. Ponderações sobre a questão do mobiliário da residência do Reitor da UnB. Destaque para a necessidade da busca da verdade na discussão dos problemas brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2008 - Página 3537
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ECONOMIA NACIONAL. POLITICA EXTERNA. CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • APOIO, PROJETO, UNIVERSIDADE, ESTADO DO AMAPA (AP), DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, ELOGIO, RENOVAÇÃO, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO.
  • NECESSIDADE, BUSCA, VERDADE, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, ADVERTENCIA, FALTA, ANALISE, ORIGEM, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, RESERVAS CAMBIAIS, QUITAÇÃO, DIVIDA EXTERNA, IMPORTANCIA, REPARAÇÃO, DIVIDA, SITUAÇÃO SOCIAL, APERFEIÇOAMENTO, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, GARANTIA, FUTURO, PAIS.
  • ESCLARECIMENTOS, DISCORDANCIA, DESPESA, PRODUTO SUPERFLUO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), APREENSÃO, AUSENCIA, ILEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, CRITICA, FALTA, ETICA, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE, UNIVERSIDADE, ESPECIFICAÇÃO, PRECARIEDADE, ESTRUTURA UNIVERSITARIA, COMPROVAÇÃO, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, DESTINAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, CONSTRUÇÃO, PALACIO, JUDICIARIO, IMPEDIMENTO, LIBERAÇÃO, VERBA, OBRAS, SANEAMENTO BASICO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • REGISTRO, DIVERGENCIA, OPINIÃO, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CRITICA, FALTA, DEMOCRACIA, ELOGIO, RESISTENCIA, BLOQUEIO, ECONOMIA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, SAUDE.
  • COMENTARIO, INUNDAÇÃO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ORIGEM, PROBLEMA, FALTA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO, DESRESPEITO, MEIO AMBIENTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, dizer ao Senador Papaléo Paes que ele conta com o meu total apoio na idéia dessa universidade voltada para os assuntos do desenvolvimento sustentável, especificamente no caso da Amazônia.

            De certa maneira, na UnB, criamos o Centro de Desenvolvimento Sustentável - uma unidade pequenina, onde dou aula toda semana -, que tem essa visão, mas não a pretensão de ser uma universidade apenas para isso.

            A proposta rompe com a visão tradicional de universidade organizada por departamentos, por categorias do conhecimento. O senhor está na frente, e propõe uma universidade organizada por objetivos de estudos. Conte com o meu apoio.

            Senador Tião Viana, ao dizer isso, de certa maneira, justifico a abertura que pensava em fazer para este discurso, porque a gente, que fala por aí, aprende que deve falar de um tema só em cada discurso. Dois, já ninguém presta atenção. E eu estava pensando em falar em quatro, mas, com o tema da universidade, do Senador Papaléo, já falaria em cinco. Mas é que os cinco temas, sobretudo os quatro em que eu pensei em falar, se unem em torno da idéia de buscar a verdade em relação aos temas em discussão, Senador Mesquita.

            Nas últimas décadas, caminhamos para a idéia de que temos de pensar branco, preto, mas sem analisar as coisas como elas são.

            Aliás, sobre isso, Sr. Presidente, observo que o tempo para o meu pronunciamento está marcado de maneira errada, de cinco minutos, e não o de vinte, como deve ser.

            Começo pelo tema que discutimos há pouco, de o Brasil ser hoje um país credor. Primeiro, é claro que esse é um grande salto em relação a todo o tempo. Mas vamos analisar o assunto.

            Se analisarmos o assunto, a gente vai ver que, primeiro, faltam os detalhes técnicos de uma reserva estratégica, que é, no mínimo, de três meses, das importações e da dívida entre as empresas estrangeiras que agem no Brasil. Mas isso é técnico, e não me interessa. O que me interessa é politicamente.

            O que temo é que a gente deixe de perceber que a dívida é mais ampla, é financeira, externa e interna, mas também social. A gente não pode esquecer isso. No mesmo dia e no mesmo jornal em que se falava do saldo do Brasil, lá embaixo, pequeno, estava que a dengue aumentou. Se você for ler o jornal com olhos de preocupação social, vai ver que estamos em débito, mesmo que tenhamos que comemorar.

            Fico contente por estarem aqui o Senador Tião Viana e a Senadora Serys Slhessarenko, que também me ouviram, muitas vezes, falar, lembrando o que disse o Paim. Há muito tempo, digo que a política econômica não tem como mudar. Não há mais política econômica de esquerda ou de direita. Existe política econômica responsável ou irresponsável, competente ou incompetente, mas não de esquerda ou de direita. Hoje, de esquerda e de direita é o Orçamento. E o nosso é de direita. Nós não temos um orçamento de esquerda, apesar de termos, felizmente, recursos indo para o Bolsa -Família.

            Do ponto de vista assistencial, temos um orçamento generoso, o que para mim é um grande avanço. A generosidade é uma das maiores qualidades que um ser humano pode ter, e, portanto, um governo também. Uma das maiores qualidades da esquerda não é apenas ser generosa, mas generosa e transformadora, transformadora e revolucionária. Isso o nosso Orçamento não é. Não por culpa do Poder Executivo apenas, obviamente, mas sobretudo por culpa nossa, desta Casa, do Congresso em geral.

            Não estamos fazendo a mudança no lugar certo, onde é preciso fazer a mudança. Felizmente, o PT e o Presidente Lula tiveram a sensibilidade, a responsabilidade e a competência, duas coisas, de manter uma política econômica que terminou dando frutos. O crescimento vem, a estabilidade, a confiança. Nada é pior na economia das últimas décadas do que não pagar uma dívida. Não pagar uma dívida é muito mais caro do que pagá-la. Claro que quando você não pode pagar mesmo, você não paga, mas vai pagar um preço muito mais alto depois. Em algum momento, isso reverte contra você.

            Portanto, a maneira como a política econômica foi seguida, responsável e competentemente - e vamos falar com franqueza -, seguindo basicamente os princípios que já vêm de algum tempo, desde o Governo Itamar, algumas coisas até do Governo Collor, o que não podemos esquecer, quando abriu os portos brasileiros. Isso deu resultado. Por que falo disso? Para fazermos o mesmo com as políticas sociais. Por que a gente não faz?

            Permita-me, com todo o carinho, uma crítica. A mudança de enfoque da escola para a família foi um passo atrás. Ao retirarmos a palavra escola da bolsa e adicionarmos família, saímos da idéia de educar para a de assistir.

            Deixamos de dizer a uma senhora, a uma família, a uma mãe “Você recebe esse dinheiro, porque seu filho estuda”, para dizer “Você recebe esse dinheiro, porque é pobre”. Foi um retrocesso essa mudança de política. Tinha-se de avançar além do que Fernando Henrique deixou, e não regredir, embora se aumentando o número, como Lula felizmente fez.

            Além disso, mesmo que se mantenha o Bolsa-Escola, mesmo que se tivesse mantido o MEC - porque, ao se tirar a administração do Ministério da Educação para o Ministério de assistência social, mesmo que ele se chame Desenvolvimento Social, ao se fazer essa mudança, perdeu-se o compromisso radical com a educação -, deixou-se de ser revolucionário, transformador. Foi-se generoso, mas não transformador. Essa duas coisas já seriam muito. Agora, faltava outra: investir para valer na educação.

            E aí entro no outro ponto que as pessoas não estão entendendo também. É relacionado ao que é legal e ao que é imoral. Eu disse algo aqui, e muita gente não entendeu; saiu nos jornais, de uma maneira equivocada, que eu estaria justificando os gastos da Universidade de Brasília - não da Universidade de Brasília, mas da Finatec - com apartamento funcional do reitor. Claro que sou radicalmente contra isso. Eu fui reitor. Tinha o direito de ir para um apartamento que existia naquela época, e não fui. Mais ainda: fizemos um leilão, e o dinheiro foi para o alojamento estudantil. Senador Alvaro Dias, então, tenho todo o direito de dizer que isso é um absurdo completo.

            Agora, para mim, o grave é que isso é capaz de ser legal. Quando a gente diz que uma coisa é legal, não está justificando: está dizendo que é um absurdo maior ainda ser legal uma coisa que é imoral. Durante 400 anos, neste País, a escravidão foi legal. Nenhum escravocrata, que batia em negro escravo, poderia ser preso, por bater num negro escravo. Era legal. Até que saiu uma lei que disse que o açoite não era mais legal. Mas continuava legal a escravidão. Até que surgiu uma lei que disse que, quando nascesse o filho de uma escrava, este ficaria livre aos 21 anos. Ainda assim a escravidão continuou legal. Alguns anos depois, fez-se a Lei do Sexagenário, que dizia que, passados 60 anos, o escravo ficaria três anos trabalhando ainda, mas depois estaria livre. Mas a escravidão continuou legal.

             A moral vem antes do legal, não só do ponto de vista ético, como também do político, porque os legalistas terminam defendendo as leis como são. São os moralistas que são capazes de um dia transformar sua moral em uma lei, como fez Joaquim Nabuco, que viveu num mundo onde a escravidão era legal, embora, na sua moral, a escravidão fosse algo maldito. Ele conseguiu transformar, junto com todos os outros abolicionistas, aquilo que lhe parecia imoral em algo que passou a ser ilegal.

            Preocupo-me com aqueles que criticam apenas esses gastos do reitor como sendo ilegais, até porque quem diz se é ilegal não somos nós, mas a Justiça, e temo que, no fim de contas, termine sendo legal. Aí, sim, é grave.

            A lei orçamentária que aprovamos aqui comete uma das maiores imoralidades deste País, legalmente. Ou não é imoral reservarmos recursos para construir palácios, quando o povo não tem água nem esgoto, e o aprovamos aqui. Vamos aprovar no Orçamento, que não aprovamos ainda, recursos para construir palácios públicos neste País e vamos deixar gente sem água e sem saneamento.

            É ou não imoral construir e mobiliar palácios públicos, sabendo que há crianças em escolas sem água, sem luz elétrica neste País? Eu me preocupo com algo mais grave do que a legalidade: a imoralidade.

            Volto a insistir: o projeto de lei orçamentária que vamos aprovar, que se transformará em lei - portanto, será legal - e que determinará para onde irão os recursos públicos deste País virá eivado de imoralidades, ainda que sem nenhuma ilegalidade. Quando nós, Senadores e Deputados, aprovamos um projeto de lei e o Presidente o sanciona, ele fica legal, mesmo que haja aberrações. A história deste País, ao longo de todo o tempo, tem tido aberrações morais, mas legais.

            Vou continuar insistindo em que, para mim, o grave é o crime contra as prioridades, muito mais que o crime contra uma lei. No caso do Brasil, a maior parte das prioridades são legalizadas por nós, embora reflitam uma postura imoral do ponto de vista de quem se beneficia. Essa verdade está muito difícil de passar, porque queremos ver as coisas brancas ou pretas: ou você diz de um jeito ou de outro; você não pode analisar as coisas com mais detalhes.

            Um exemplo - o terceiro assunto - é a reação da imprensa brasileira em relação ao que acontece em Cuba, sobretudo dirigido ao Fidel Castro, como se ele fosse um demônio ou um santo. Na verdade, Cuba, de fato, tem tido ações, ao longo desses 50 anos, que ferem o espírito democrático na ótica que nós, brasileiros, defendemos.

            Claro que a gente não quer um partido único. Claro que a gente não pode aceitar uma imprensa controlada, ainda que os cubanos digam que, quando se está em guerra, controla-se a imprensa, como Bush fez durante a Guerra do Iraque - obviamente, de uma maneira muito mais discreta, até porque os Estados Unidos têm muitos jornais, e Cuba só tem um, dois, do Governo. Nenhum de nós pode aceitar isso.

            Agora, não podemos esquecer o que significa um país latino-americano resistir 50 anos a um bloqueio feito pelos Estados Unidos. E não é um país como o Brasil, de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e a 8 mil quilômetros de distância. Falo de um país a 150 quilômetros de distância, com 10 milhões de habitantes, uma ilha pequena. Tem-se que reconhecer isso, mesmo se criticando o resto.

            Tem-se que reconhecer que os indicadores sociais de Cuba, hoje, 50 anos depois, são melhores que os dos países escandinavos. Tem-se que reconhecer, mesmo se criticando, até para se ter força para criticar a existência de um partido único e não de um sistema pluripartidário; até para criticar uma imprensa controlada, quando a gente defende a liberdade de imprensa.

            Hoje, no Brasil, parece difícil, Senadora, a gente fazer um discurso como esse. Vejo metade dos que me assistem contra mim, porque estou dizendo que Fidel Castro controla a imprensa; e, metade contra mim, porque digo que lá toda criança tem escola.

            Fui, na semana passada, à aula inaugural de uma escola, que acho que os Senadores deveriam visitar, em Jacarepaguá, mantida pelo Sesc. Uma escola que não terá horário integral: terá internato para todas as crianças. Mas não é só para as crianças: os professores vão viver dentro do campus dessa escola - um campus que parece uma universidade, com um teatro, um restaurante, uma escola do Sesc. Os professores vão ganhar R$7 mil por mês e mais o apartamento.

            E, se quiserem comer no restaurante - onde comi, e a comida é excelente -, vão pagar simbolicamente.

            Eles me disseram que pesquisaram o mundo inteiro, para ver onde iam encontrar um sistema que servisse para eles. Encontraram duas ou três escolas nos Estados Unidos; em raríssimos outros países, encontraram escolas iguais a essa; em Cuba encontraram diversas iguais a essa. Estou falando do Sesc, do comércio, de empresários que vão fazer aquilo funcionar. A gente tem que aprender a analisar as coisas.

            Finalmente, dos quatro sobre os quais disse que ia falar, além do quinto, da universidade do Senador Papaléo Paes, é o assunto das inundações em São Paulo.

            Estão botando a culpa nas chuvas, esquecendo-se de que elas não têm para onde correr. E as chuvas, as águas, rebelam-se. Não são só os seres humanos, as massas, o povo que se revolta contra a opressão: a água também. Uma cidade que tem seis milhões de automóveis, só para colocá-los em fila - fiz as contas um dia desses -, precisaria de 2,4 mil hectares. Então, é uma cidade asfaltada, a água não tem para onde correr. E mais, por onde a água corria, nos seus caminhos foi preciso fazer regos estreitos. A água se rebela. Pôr a culpa só na chuva é um equivoco.

            Vamos reconhecer que nós, ao longo desses últimos 100 anos - faço sempre questão de dizer “nós, brasileiros” -, definimos um programa, um projeto, uma estratégia de desenvolvimento que desprezava a natureza, que se concentrava apenas na indústria como um indicador do futuro e do progresso, e que um dia nos faria pagar esse preço das inundações e um preço maior quando houver o aquecimento global, Senadora Serys, a senhora que luta por isso. Precisamos analisar os projetos com mais detalhes, Senador Tião. Não é ser a favor ou contra apenas. É saber por que se é a favor ou contra. É saber em que se é a favor e em que se é contra. É saber como atingir todos os aspectos da sociedade brasileira para transformá-la.

            Sei que é difícil manter o entendimento quando se fala em mais de uma coisa ao mesmo tempo. Eu falei em quatro e ainda inventei de apoiar a universidade do Senador Papaléo, colocando cinco itens. Mas em torno desses cinco tem uma coisa: a idéia de que a verdade é mais complexa do que ela hoje aparece para cada um de nós; é o fato de que aqui nós estamos mais preocupados com a lei do que com a moral, com o legal do que com o moral. Aqui nós perdemos aquilo que tivemos 120 anos atrás, na lei da abolição da escravatura: perdemos o espírito de querer transformar as leis para fazê-las coerentes com os valores éticos e morais de um povo. Isso a gente perdeu.

            Quando a Universidade de Brasília, repito - não a Universidade, mas Finatec - mobília um imóvel onde vai morar o reitor, talvez não esteja cometendo nenhum crime. Crime estaria se fosse para mobiliar o apartamento próprio do reitor. Mas, embora não esteja cometendo um crime, se não estiver - vou deixar para os advogados e os juizes decidirem -, há um crime de prioridades. Enquanto o alojamento estudantil está quebrando, ruindo, a gente gastar dinheiro no apartamento de um reitor é um crime contra as prioridades, mesmo que não seja ilegal.

            Mas não é só lá que se faz isso. Aliás, as universidades têm uma tradição de austeridade. E eu vou aos campi, eu os visito e, em geral, são mais austeros do que todos os edifícios do Poder Judiciário. Tudo daqui deste Congresso é muito mais luxuoso do que as instalações do campus da universidade. Mais razão até para condenar a decisão de mobiliar com luxo o apartamento do reitor. Mas tem gente que vai achar que estou justificando, porque estou dizendo que talvez - e isso é o que é pior - seja legal.

            Além disso, eu queria saber para onde foram as outras lixeiras vendidas na loja que vendeu aquela para o apartamento do reitor, porque eu não acredito que tenha vendido só uma lixeira como aquela em toda Brasília.

            Tirando de lado as lixeiras para os ricos que têm como desperdiçar dinheiro, acho que deve ter muito órgão público, hoje, com lixeira cara, com luxo desnecessário. E a gente fica só em um. A gente não percebe que o problema é muito mais profundo. Não é apenas de lei, é de moral. Não é apenas de ética do comportamento de quem decidiu, é da ética das prioridades de para quem se decidiu. Não é só de onde vem, é para onde vai o dinheiro. Isso, mesmo na comunidade que está contra o uso daquele apartamento, como eu também estou - e dei prova na minha vida pública de ser contra esse tipo de coisas -, mesmo esses que são contra terminam fechando os olhos, porque, na verdade, querem uma lei que lhes sirva, e não uma moral que sirva a todo o povo. Querem exigir a legalidade que impede de tirar dinheiro do setor público para o bolso privado. E é correto não querer isso. Mas não estão preocupados com a ética que tira dinheiro do setor público para o setor público, do setor público para os ricos, do setor público para os pobres; do setor público do presente para o setor público que constrói o futuro, como é o caso da bolsa-família, que é óbvio que é corretíssima, mas é do presente, não está construindo o futuro. É um projeto para o presente, não está construindo o futuro. É claro que o futuro começa no presente, mas não pode deixar que ele se esgote no presente.

            Precisamos fazer um esforço, nesta Casa, nesse momento de tanta indignação com o uso errado de recursos em um projeto, para ver que há muitos outros projetos. Há fila na hora de fazer emenda do que tenho chamado de MSP, de palácio. Tem o MST - Movimento dos Sem Terra; e tem o MSP - Movimento dos Sem Palácio. Pior é que os sem palácio têm força, os sem palácio usam gravata, os sem palácio calçam sapatos, entram aqui, são amigos da gente e terminam entrando para o Orçamento os recursos que servem para a construção dos palácios, dos apartamentos de reitores, do mobiliário de reitores, e não para eliminar os casebres, colocar água, colocar saneamento, fazer com que as escolas sejam bem equipadas e os professores bem remunerados.

            Sr. Presidente, agradeço os três minutos que me concedeu.

            Peço desculpas por falar de tantos temas, sabendo que para ser entendido deveria falar somente em um.

            Por isso eu tenho que explicar: esse um que tentou unificar todos os exemplos é o um da busca da verdade na discussão dos problemas no Brasil; não ficarmos naquilo que os filósofos chamam de maniqueísmo: é de um jeito ou é de outro. Entendermos que as coisas aparecem com uma complexidade que exige um esforço para entender, exige coragem para assumir o que muitas vezes parece ambivalência, mas ambivalência cujo nome certo é verdade, porque ela é muito complexa, muito complicada e exige de nós não apenas lucidez mas coragem de falar como deve e não como querem ouvir.

            Por isso, todos querem ouvir apenas um assunto, de um lado ou do outro. Eu falei em muitos, tentando mostrar o que há por trás de cada um deles, pelo lado positivo e pelo lado negativo.

            Obrigado Sr. Presidente, obrigado Senadoras e Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2008 - Página 3537