Discurso durante a 11ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento de Chico Pinto, símbolo da resistência democrática.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. :
  • Homenagem de pesar pelo falecimento de Chico Pinto, símbolo da resistência democrática.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2008 - Página 3298
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, FRANCISCO PINTO, EX-DEPUTADO, ESTADO DA BAHIA (BA), ADVOGADO, JORNALISTA, EX PREFEITO, EX VEREADOR, ELOGIO, DIGNIDADE, VIDA PUBLICA, RESISTENCIA, DEMOCRACIA, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, PARTIDO POLITICO, MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (MDB), SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ENTREVISTA, ANAIS DO SENADO.
  • COMPARAÇÃO, HISTORIA, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, REPUDIO, ATUAÇÃO, PARTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), DISPUTA, CARGO PUBLICO, PREJUIZO, PAIS.

     O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - V. Exª disse muito bem, Sr. Presidente. Todos os Senadores.

     Eu tenho a convicção de que é uma data triste e uma manifestação que todos nós vamos desejar fazer com relação a essa figura extraordinária de Chico Pinto.

     Estamos em uma época, hoje em dia, em que a figura se chama Fidel Castro, que renunciou ao mandato, surpreendentemente, depois de apenas 49 anos. Estamos vivendo uma data em que talvez não se recorde o nosso passado. Mas Chico Pinto, salientou muito bem V. Exª, é um nome que marcou época neste País e neste Congresso Nacional.

     A política brasileira perdeu, na terça-feira, um dos seus maiores nomes. Morreu o advogado, jornalista, deputado federal por quatro mandatos e Constituinte, Francisco Pinto, conhecido na nossa história, nos corredores do Congresso Nacional e no coração do povo baiano e brasileiro como Chico Pinto. Um nome, uma legenda. Uma estatura política à altura de Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Tancredo Neves, Mário Covas. Se fosse possível defini-lo numa única palavra, talvez escolhesse dignidade. Ou, quem sabe, seriedade. Talvez correção, pureza, brilhantismo, coerência. Ou, ainda, todas elas reunidas numa característica que marcou a vida de Chico Pinto: a autenticidade. Era isso:Chico Pinto era um autêntico. Vem daí a marca que ele deixou no nosso velho e querido MDB, nos tempos mais duros do regime militar: foi um dos mentores mais importantes do chamado Grupo Autêntico do partido.

     Era o início dos anos 70 e, com ele, o MDB passou a viver um novo momento. Foi quando se iniciou o grande debate que fundamentou as mais memoráveis campanhas pela restauração da democracia brasileira. Foi ali que surgiram as idéias que resultaram, por exemplo, nas campanhas da Diretas Já, da luta pela anistia, pelo fim da tortura, pela Assembléia Nacional Constituinte, entre tantas outras, que o velho MDB e o povo brasileiro levaram às ruas, e Chico Pinto estava em todas elas.

     Além da presença, Chico Pinto exerceu uma liderança marcante em todos esses movimentos que marcaram a nossa história.

     Ele era um articulador dos mais competentes. Sem jamais abandonar os seus ideais por um País democrático e soberano, demonstrou-se um dos melhores articuladores daquele momento em que se ouvia apenas a voz da repressão. Preso exatamente por defender esses ideais, nas ruas e na tribuna da Câmara, percebeu que o seu pensamento tinha ressonância entre um grupo significativo dos próprios militares brasileiros. Assim, sem transigir com qualquer conveniência pessoal, soube, como ninguém, dialogar com todos, inclusive com militares que se insurgiram contra aquela triste realidade. Foi daí que surgiram as anticandidaturas. A primeira foi com Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Com eles, percorremos o País disseminando a democracia o Brasil inteiro. Depois, ainda quando presidentes da República eram somente militares ungidos, foi lançada a candidatura do General Euler Bentes Monteiro, tendo a seu lado o bravo Paulo Brossard de Sousa Pinto.

     Em todos esses movimentos pela democracia, o contraponto, da voz, da luta era Chico Pinto. Não transigiu nem mesmo quando da prisão lhe acenaram com a idéia de um possível perdão. Para ele, perdoar o que, se ali estava exatamente por defender o que mais acreditava: em um país mais justo e democrático? Em carta dirigida, então, ao Presidente Ernesto Geisel, recusou, antecipadamente, o indulto de Natal que lhe seria oferecido: “Rogo a Vossa Excelência que me livre de mais este constrangimento - o de um perdão que não solicitei”.

     Foi vasta a experiência política de Chico Pinto. Tudo começou na década de cinqüenta, eleito vereador na sua querida Feira de Santana. Não tardou em se eleger prefeito. Já naquele tempo, colocou em prática a sua aptidão pela democracia na gestão dos recursos públicos. Foi pioneiro - fala-se tanto nisto, meu amigo Jarbas - no chamado orçamento participativo. Pois foi ele, lá na sua Feira de Santana, o primeiro que pôs em prática, que discutiu, que debateu e que defendeu a tese do chamado orçamento participativo.

     Também vem desse tempo a perseguição política que lhe seria implacável: foi sacado da Prefeitura pelo regime militar já no seu início, em 1964. No livro de posse de seu sucessor consta o nome de comandantes que houveram cercado a Prefeitura e que provocaram a sua deposição. Lá ele ficou cercado e lá foi deposto, tendo sido apeado da Prefeitura.

     Respondeu a inúmeros processos, a inúmeros inquéritos militares. Já Deputado Federal pelo MDB, em 1974, foi processado, a pedido do então Ministro da Justiça, Armando Falcão, por ter protestado, na tribuna da Câmara dos Deputados, com a escandalosa presença e com as honras prestadas a Augusto Pinochet, contra as torturas de todos os tipos de violências que se praticavam no Chile, igualmente sob o regime de exceção. Por esse motivo, foi condenado a seis meses de prisão, em triste decisão do Supremo Tribunal Federal, além de perder o mandato por decisão, triste decisão, da Mesa da Câmara dos Deputados.

     Voltou ao Congresso Nacional em 1978, sendo reeleito em 1982 e em 1986, até que se desiludiu da realidade brasileira e deixou a vida pública.

     Que discursos faria hoje Chico Pinto, desta mesma tribuna do Congresso Nacional, neste momento sensível do Parlamento brasileiro, que atinge, talvez, os mínimos limites da indignidade?

     Na impossibilidade de ouvirmos, a partir de agora, os seus ensinamentos, fique o seu exemplo. Que fique também o seu pensamento. Registramos os seus discursos na Câmara dos Deputados, para que a história brasileira lhe renda o devido tributo.

     Sr. Presidente, peço a inserção nos Anais do Senado Federal - está aí na mesa, com V. Exª - da sua última entrevista, dada ao portal Terra, histórica e memorável. Peço, neste momento, que ela faça parte dos Anais desta Casa, pela coragem de sempre, pela luta de sempre, pela importância de sempre.

     Sr. Presidente, perdoe-me por recordar, mas eu me lembro da Executiva do nosso velho MDB: Dr. Ulysses, Presidente; eu, Primeiro Vice-Presidente; Teotônio, Vice-Presidente; Chico Pinto, Secretário-Geral; Tancredo e Covas. Eu me lembro do papel, meu amigo Jarbas, meu amigo Heráclito, que essa Executiva fez.

     Éramos nós e a ditadura; éramos nós e a violência; éramos nós e o arbítrio.

     Lembro-me da reunião em que a Bancada do MDB decidiu que votaríamos contra o projeto de reforma da Constituição para reformar o Judiciário, porque ela não era justa, não era correta, não era real. Lembro-me do Dr. Tancredo dizendo “nós não vamos votar isso”.

     Fazia um apelo para que não votássemos porque diziam que os militares estavam de “olho arregalado”. Votamos, votamos contra. Aí fecharam o Congresso Nacional e fizeram o que quiseram. Mas não havia nem entendimento, nem acordo, nem o que se vê agora, Sr. Presidente. Vejo o Chico Pinto, vejo o papel que representamos naquele momento, vejo que temos liberdade absoluta hoje, que temos autonomia, que temos independência para fazer o que quisermos, mas vejo também esta quinta-feira absolutamente vazia.

     Não sei quando sairá a Comissão de Inquérito. As manchetes de jornais dizem que estão em entendimento e que só sai a Comissão quando os cargos da energia elétrica e da Petrobras forem nomeados. Dizem que é em nome do PMDB. Pelo amor de Deus, tirem o meu nome fora disso! Sei que posso dizer para tirarem o Jarbas e muitos outros, porque não é em nosso nome que estão negociando cargos para abrir mão da Presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito. Esse não é o nosso Partido, Sr. Presidente! Vejo também a discussão em torno do fato de que oferecem um nome para um cargo. O Presidente agora liberou o cargo, mas tem que, primeiro, vir uma negativa de autoria do Tribunal de Contas da União. Pelo amor de Deus! Outro é nomeado, mas tem que vir a negativa de três processos a que está respondendo, e por isto não sai a Comissão Parlamentar de Inquérito.

     Ó, meu velho MDB! Ó, nosso querido Partido! Ó, nossa querida história! No meio disso tudo, esta Pátria

     Eu pediria a V. Exª, Sr. Presidente, que falasse com o Presidente da Câmara. Que ele fizesse... Eu ia fazer constar do documento, mas acho que não seria elegante, porque cabe a ele. Que a Câmara publicasse, este ano, como fazem todos, como fazemos aqui e fazem lá, que a Câmara publicasse um livro com a vida e a obra de Chico Pinto. A ele o meu carinho, a ele o nosso afeto.

     As coisas passam, mudam, e nós não podemos nem fazer que a sociedade brasileira de hoje sinta o que foi Chico Pinto na hora em que ele viveu. Mas tenho certeza de que ele foi um patriota, um homem que honrou a sua história, que honrou este País.

     Para mim, Sr. Presidente, é com emoção que digo, foi um grande amigo e professor que tive ao longo da minha vida pública.

     Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2008 - Página 3298