Discurso no Senado Federal

Reflexão sobre o conceito de paz, em todos os sentidos, inspirado em indígenas da Bolívia. Votos de Feliz Natal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexão sobre o conceito de paz, em todos os sentidos, inspirado em indígenas da Bolívia. Votos de Feliz Natal.
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 25/12/2007 - Página 46940
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DETALHAMENTO, CONCEITO, PAZ, ESPECIFICAÇÃO, CULTURA, COMUNIDADE INDIGENA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, REVOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO, IGUALDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, POPULAÇÃO, CONTENÇÃO, AUMENTO, TEMPERATURA, MUNDO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, GARANTIA, PAZ, BRASIL.
  • APRESENTAÇÃO, VOTO, FESTA NATALINA.

     O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Epitácio Cafeteira, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje não é um dia típico para falar na tribuna. Hoje o dia talvez esteja mais para púlpito do que para tribuna, mais para padres, pastores, líderes evangélicos do que para parlamentares e líderes políticos.

     Por isso, vou fazer um discurso que não é típico. Eu vou fazer um discurso que pode ser uma mistura de púlpito e de tribuna. Eu vou fazer um discurso, em primeiro lugar, para desejar a paz; a paz a cada brasileiro, especialmente àqueles do meu Distrito Federal, que eu represento. Mas eu quero falar na paz no sentido que ouvi, muitos anos atrás, de índios que vivem ao redor do lago Titicaca na Bolívia, os aimaras, ou aimarás, e que têm uma lenda, Senador Mozarildo Cavalcanti, pela qual nenhum ser humano está em paz se não tiver sete tipos diferentes de paz.

     Desejo a cada brasileiro que tenha esses sete tipo de paz. O primeiro tipo é a paz lá para cima; é a paz com Deus, com os espíritos, com o mundo sobrenatural, com aquilo que a gente não sabe exatamente que existe, como existe, o que é. Sem essa paz, lá para cima, a gente não está em paz.

     A segunda paz é para baixo, para os pés, onde a gente pisa; é a paz com a terra, é a paz com o solo; não a paz no meio das tempestades, não a paz - nós, nordestinos, sabemos - no meio da seca; não a paz nos vendavais; não a paz com aquecimento global. É preciso ter a paz lá para cima e é preciso ter a paz lá para baixo.

     A terceira paz é para direita, onde eles, os índios, colocam a família. A paz para cima e para baixo, sem a paz familiar, não está completa, Senador Mozarildo Cavalcanti, Senador Sibá Machado. A paz sem os irmãos, sem os pais, a paz sem aqueles com quem a gente vive, a esposa, o marido, os filhos, é uma paz incompleta. Por isso, é preciso a paz com os espíritos lá em cima, a paz com a terra lá em baixo e a paz com os familiares na direita.

     A quarta paz é a paz para a esquerda, com os vizinhos. Se você tem paz com seus familiares, mas os vizinhos, no outro lado da cerca, não o deixam em paz ou você não os deixa em paz, você não está em paz. No mundo de hoje, diferentemente daquele quando essa idéia surgiu, os vizinhos são os 185 milhões de brasileiros e talvez, até, neste mundo global, os vizinhos sejam os 6 bilhões de seres humanos. Nós não vamos ter paz se os nossos vizinhos brasileiros não estão em paz. Que paz temos nós em casa com os espíritos, com Deus, com a terra, se, nos morros do Rio de Janeiro, em Brasília, há pessoas sendo assassinadas como se vivêssemos uma guerra civil? Que paz a gente pode dizer que tem em casa se lá fora pessoas passam fome? É preciso a paz para a esquerda, a paz com os vizinhos.

     A outra paz que propagam esses índios aimaras, ou aimarás, como queiram dizer, é a paz para a frente. Eles dizem, de uma maneira muito sábia, que para frente é o passado, que a gente vê. Para trás é o futuro, que a gente não vê. É preciso paz com o passado. Quem tem remorso não tem paz. Quem carrega culpa não tem paz. É preciso paz com o seu passado. E desejo a todos os brasileiros a paz para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, e também que tenham paz com o futuro. Que não tenham sentimento de culpa, que não tenham complexo, que não tenham arrependimentos ou que apaguem isso, porque isso não vai deixar vocês em paz.

     A sexta paz é para trás, é com o futuro, porque - vejam que sabedoria têm esses índios - você não está em paz se tudo estiver bem mas você tiver medo do próximo dia, do próximo mês, do próximo ano. Se você tem medo de que haja uma guerra, se tem medo de perder o emprego, se tem medo por causa de uma doença grave de algum familiar, você não está em paz. Você precisa da paz com o seu futuro. A paz com 2008, que eu desejo para todos.

     E a última paz, o último tipo de paz é para dentro, é a paz consigo mesmo. Porque, se todas as formas de paz existem, mas para dentro de si você não está em paz, por doença, por descontentamento, por infelicidade, a paz não é completa. Sete tipos de paz eu desejo a cada brasileiro.

     Mas isto aqui não é um púlpito. Se eu terminasse meu discurso aqui, iam me chamar de padre ou de pastor, e eu quero defender para 2008 também que essas formas de paz não se completarão, porque a paz para dentro não vai existir se você não fizer parte da luta do povo brasileiro. Duas dessas formas de paz não virão lá de cima, não virão de dentro; virão da ação política e social: é a paz à esquerda e a paz para baixo.

     A paz com 185 milhões de brasileiros não virá se este País não se mobilizar para fazer a revolução que esperamos há cinco séculos. Não vai haver paz com os 185 milhões de brasileiros enquanto todas as crianças deste País não estiverem numa escola com a máxima qualidade.

     Não vai haver paz para a esquerda, com os vizinhos, com os 185 milhões de brasileiros, enquanto uma parte deles não tiver emprego. Não vai haver paz enquanto eles tiverem emprego, mas não tiverem salário digno, ou se tiverem salário digno, mas não tiverem saúde, não tiverem onde morar.

     Por isso, você não vai estar em paz se você não lutar. A paz não chega, a paz se constrói, e ela se constrói pela ação, pela militância. Por isso, eu desejo que, para que você tenha esses sete tipos de paz, você não deixe de lutar dia a dia para que o nosso País seja um País que faça a revolução; para que, no Brasil, os 185 milhões de brasileiros, vizinhos nossos, sem cuja paz não teremos a nossa, encontrem o rumo de um País saudável, com justiça.

     E isso passa, a meu ver - e eu vou continuar aqui, em 2008, lutando -, sobretudo por uma frase: escola igual para todos. Sem escola igual para todos, você não vai estar em paz. E, como isso não vai acontecer durante os próximos anos, porque é um período muito longo, a sua paz não virá da escola igual para todos, virá da sua luta para que um dia, no Brasil, a escola seja igual para todos.

     E a outra luta é para baixo. A paz com a terra não virá automaticamente. Ela só virá se nós, juntos, lutarmos para parar o aquecimento global; para pararmos o desmatamento das florestas brasileiras; se nós pararmos esse maldito modelo de desenvolvimento depredador que vive destruindo a natureza. Como podemos ter paz interna, enquanto a natureza é destruída? Não podemos.

     Por isso, desejo sete tipos de paz. E, para dois desses tipos - a paz para baixo, com a terra, e a paz para a esquerda, com os vizinhos -, desejo uma luta constante, permanente de cada um de nós, até porque que paz interna a gente vai ter quando filhos e netos perguntarem: “E o que é que você fez? E qual foi a luta que você desenvolveu no momento em que o Brasil precisou? E qual foi o voto que você deu naquele momento em que era preciso mudar o desenvolvimento econômico para que ele fosse sustentado, no momento em que era preciso mais recursos para a educação? Que voto você deu? Que militância você fez? Que luta você desempenhou?” Sem essas duas lutas não vamos ter paz interna, porque nós vamos, daqui a alguns anos, ter remorsos; nós vamos ter medo do futuro; nós vamos viver em conflito com os vizinhos; nós vamos pisar numa terra seca. Não há como estar em paz sem estarmos em paz com essas sete diferentes formas, e não há como ter essas sete sem lutarmos socialmente. Cinco das formas de paz você conquista dentro da sua casa, você conquista consigo próprio, você conquista rezando, mas duas delas você só conquista lutando.

     A alienação política não leva à paz; leva à tragédia da irresponsabilidade daqueles que fazem política de uma maneira má, perversa, equivocada, sem a busca da paz.

Hoje não é um dia comum. Por isso, venho falar aqui como uma mistura de púlpito e de tribuna, para desejar, inspirado nessa lição que recebi de indígenas da Bolívia, que cada brasileiro, cada conterrâneo, cada vizinho meu - dos 185 milhões que tenho e cada um de nós tem, esses vizinhos brasileiros - esteja na paz completa. E, mesmo assim, sem esquecer os outros seis bilhões de seres humanos, porque o Brasil é um País cuja dimensão repercute no mundo global. Destruir a Amazônia é ameaçar a paz com os vizinhos estrangeiros dessa grande irmandade chamada humanidade.

     Amanhã, a gente comemora o nascimento de Cristo, o mais marcante dos seres humanos, pelo menos para o Ocidente, que trouxe uma mensagem de paz, e hoje terminei buscando inspiração em algo que não está naquele discurso da paz do Ocidente, mas na paz de um grupo indígena dos mais primitivos que existem e que hoje sobrevivem com seu idioma próprio, com suas lendas, para dizer que cada brasileiro não esqueça que sua paz depende da paz dos outros.

     Sr. Presidente, eu tinha que fazer este discurso neste dia inusitado, que é uma sessão na véspera de Natal, mas o Senador Sibá Machado me pede um aparte, e tenho o maior prazer de acrescentar a sua fala em meu discurso.

     O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, temo que vá interferir na sua reflexão, mas não posso deixar de dizer sobre a admiração que sempre tive e que continuo tendo pelos ensinamentos de V. Exª. Ao ouvir esta saudação que V. Exª faz à paz e à satisfação das pessoas, fico me perguntando sobre o extremo limite entre a satisfação e a inquietação; até onde somos obrigados a nos dar por satisfeitos em alguns momentos, e em quais temos a obrigação de estar insatisfeitos, inquietos. V. Exª faz esse raciocínio, e eu queria apenas acrescentar esses dois pensamentos à sua linha de raciocínio. Enquanto houver injustiça, temos de estar insatisfeitos; enquanto existirem as dificuldades para os mais fracos, temos de estar insatisfeitos. No momento em que a plenitude dessa satisfação chegar, acredito nas satisfações. Mas, como V. Exª mesmo diz, a vida é um jogo de esforço.

     É preciso que cada um também busque essa satisfação e se manifeste nessas insatisfações. É com esta reflexão que eu queria me associar às palavras de V. Exª, neste dia 24 de dezembro, véspera do nascimento do menino-Deus. Parabéns.

     O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

     Sr. Presidente, concluo, dentro do meu tempo, desejando mais uma vez, de maneira resumida, a cada brasileiro sete diferentes tipo de paz, e, para construí-los, desejo que vocês lutem, lutem muito para que essas formas de paz sejam construídas, sobretudo duas delas: aquela com a terra, na luta por um desenvolvimento sustentável, e aquela com os vizinhos, por meio de uma revolução na educação.

     Se eu pudesse resumir tudo isso, eu diria: que o próspero 2008 consiga trazer para a Bandeira do Brasil o slogan “Educação é Progresso” no lugar de “Ordem e Progresso”.

     Feliz Ano Novo a V. Exª, Sr. Presidente, que representa, neste momento, todos os Senadores, e para todos aqueles que estão nos escutando, numa sessão completamente inusitada e que é uma mistura de política e fé.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/12/2007 - Página 46940